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Na semana em que se comemora o aniversário de Brasília, reviramos o baú do Hotel Nacional: meio século de glamour, política, farras memoráveis e hóspedes ilustres

postado em 15/04/2011 12:05

Carolina Samorano // Especial para o Correio

Na semana em que se comemora o aniversário de Brasília, reviramos o baú do Hotel Nacional: meio século de glamour, política, farras memoráveis e hóspedes ilustres

Era 1960, o ano que ficaria marcado pela inauguração da nova e controversa capital do país. Enquanto a ainda incipiente sociedade brasiliense acostumava-se, um pouco aos solavancos, ao clima árido do Planalto Central e aprendia, entre uma e outra solenidade, a portar suas casacas e vestidos de alta-costura na poeirenta e alaranjada terra de Juscelino Kubitschek, estacas, areia, pedras e madeira empilhavam-se na área onde viria a ser o Setor Hoteleiro Sul, Quadra 01. As obras do Hotel Nacional de Brasília misturavam-se às outras que, à época, faziam da cidade em construção provavelmente um dos lugares mais barulhentos e mutantes do planeta ; dada a velocidade com que se erguia o concreto.

A piscina, palco de muitos shows, reduto de celebridades e grandes confraternizaçõesQuando, em 1961, o esqueleto que se erguia próximo à Esplanada finalmente transmutou-se num vistoso bloco de concreto e mármore, as caudas francesas do mulherio chique da capital ganharam novo endereço para se arrastar ; além dos palácios do governo e do até então único hotel farto em estrelas da cidade, o Brasília Palace.

Há 50 anos, em 21 de abril de 1961, Brasília inaugurava o aconchego cinco estrelas de ilustres visitantes, políticos e diplomatas. E foi. Ainda cheirando a tinta fresca, o Hotel Nacional ganhou o status de principal ponto de encontro da elite política e social de Brasília. Por aqueles dias, não havia tantos carros e nem prédios altos por ali. Também não havia o Conic, nem o Conjunto Nacional, nem a cracolândia aos seus pés. Nada, naquele tempo, se colocava entre a Esplanada e o hotel, então uma bela vista disponível aos ocupantes dos andares mais altos do prédio. O que havia era uma movimentação intensa de pessoas da mais pura finesse. A maioria, hóspedes ou senhoras distintas, passeando pela galeria do outro lado da rua. Onde hoje restam uma ou duas imobiliárias, muitas agências de turismo e algumas poucas lanchonetes, havia escritórios de advocacia, lojas de calçados e de vestidos finos.

o então ministro chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, general Golbery do Couto e Silva (de óculos e cabelos brancos), e, ao microfone, o governador do DF na época, Elmo Serejo FariasO entra e sai e o trim da campanhia dos recepcionistas chamando pelos mensageiros ; vestidos sempre como generais, coluna ereta e os braços cruzados para trás ; na porta do hotel continuam. Mas há algum tempo não é a mesma coisa. As taças já não tilintam pelos corredores e a escada de mármore que liga o lobby ao mezanino, embora conserve uma tímida imponência, é passagem menos para políticos apressados ou boêmios e mais para executivos que sobem e descem fazendo contas de cabeça em voz alta.

Que hora é essa? O registro histórico dos governadores de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, respectivamente, Franco Montoro, Tancredo Neves e Leonel BrizolaO Hotel Nacional mudou muito, reconhecem seus mais antigos funcionários. Mas não deixou de ser amado, é o que dizem. Muitos entraram meninos e hoje têm os filhos criados. Tiveram propostas tentadoras de concorrentes à medida que a hotelaria da cidade crescia. Recusaram todas, mesmo quando o hotel não andava lá muito bem. São eles que guardam hoje boa parte do acervo de memórias do primeiro cinquentenário da cidade. Os sempre bem-humorados ;bom dia; do ex-vice-presidente José Alencar, na época em que morava numa das suítes do sétimo andar, à carranca de alguns outros políticos mais injuriados, além das gorjetas mais altas, que ajudaram a quitar casas, carros e a pagar lua de mel. Ao longo dessas páginas, registros encontrados nos livros de hóspedes, uma prova de diversidade que habita o hotel e a capital.

O presente de Juscelino
Presidente Juscelino Kubitschek, durante a recepção do casamento de Arlete Pujol e Carlos Robichez, no Hotel NacionalQuando o Nacional abriu as portas, pelas mãos da Rede Horsa, já se sabia a que tinha vindo. Não se podia dizer que era um empreendimento pouco ambicioso. Na época, o nome à frente da rede hoteleira dona do hotel era José Tjurs, um argentino pão-duro que há muitos anos havia se estabelecido no Brasil. A história que se conta ; confirmada por um amigo em comum de Juscelino e Tjurs, que na época trabalhava na Casa Civil ; é a de que o terreno de 78 mil m;, onde foi erguido o prédio, foi um presente do então presidente, que convidou o amigo a iniciar as obras de um hotel de alto padrão na capital que desabrochava. O financiamento de 500 mil contos pela Caixa Econômica saiu com autorização pessoal do inventor de Brasília.

Ator Kirk Douglas, em imagem da revista O Cruzeiro, durante festa de carnaval no Hotel NacionalTjurs era taxista em São Paulo quando conheceu Juscelino, antes mesmo da Presidência. O empresário era uma figura carismática. Quando vinha a Brasília, uma ou duas vezes por semana, almoçava sempre no Coffee Shop, numa mesa reservada no canto da área externa do restaurante. Tinha outros seis hotéis no Brasil, que juntos integravam a Horsa Hotéis. Relacionava-se bem com a sociedade que fazia do novo hotel um clube de luxo nos fins de tarde e noites. Conhecia os hóspedes mais frequentes, acompanhava com atenção a contabilidade, sabia o nome dos funcionários e saudava a todos com um sorriso. Tinha alguma dificuldade, no entanto, com o colírio, do qual era dependente. ;Todo mundo tinha medo de pingar colírio nos olhos dele por ele ser o chefe. Quando ele chamava, todo mundo se tremia de nervoso;, ri o mâitre do Coffee Shop hoje, Mariano Saraiva, há 37 anos no Hotel Nacional, na época garçom.

Quando Tjurs morreu, em 1978, de um infarto do miocárdio, o Hotel Nacional ainda era passarela de luxuosos vestidos e, com 17 anos de existência, seguia ponto de convergência de assuntos políticos e festivos na cidade. Os Salões Vermelho e Azul ainda recebiam pomposas cerimônias regadas a champanhe e leitoa assada; a Taboo Grill era preferência dos boêmios e apaixonados pelo arroz do Chaguinha ; invenção de um garçom cujo nome batizou a criação ; e pelo famoso frango com queijo; a boate Tendinha ainda embalava as noites; os convites dos bailes de carnaval seguiam disputados quase aos tapas. Mas, sem a mão do dedicado e contencioso proprietário, vieram os tempos difíceis. Foi mais ou menos depois que o controle da Horsa Hotéis passou para as mãos do único filho, Leo Tjurs, e para os netos, Marcelo e Luiz Carlos, que o Nacional começou a passar por dificuldades, como contam os funcionários.

Dircinha Batista, vencedora de um concurso de músicos de carnavalO que se diz é que a boêmia que fervia nos corredores acabou por chegar à administração. Os relatos dão conta de que os herdeiros tinham problemas com drogas e que as bebedeiras eram constantes. ;O Leo e os filhos não souberam o que é o esforço de um pai para construir um império. Nasceram em berço de ouro e não deram valor na hora certa. Era só gastança;, lamenta Seu Manoel, do Scotch Bar, olhando uma foto da família, num velho álbum de memórias do hotel.

José Souza Pinheiro, ou só Pinheiro, o mensageiro, lembra das vezes em que lá pelas tantas acudiu o filho mais velho de Leo, Marcelo, embriagado na recepção, depois de dirigir de Belo Horizonte até Brasília. ;Ele chegava transtornado, sem camisa, sempre com alguma mulher. Pedia a chave de suíte presidencial e lá ficava vivendo de room service por uns três ou quatro dias;. Isso quando não descia nu, esbravejando ordens e exigindo dos funcionários esforço de guerra para cobri-lo com toalhas antes que a confusão horrorizasse os hóspedes.

Ilustres, ilustríssimos
Placa da suíte presidencial, inaugurada pela rainha da Inglaterra, Elizabeth II, em 1968Foi em novembro de 1968 que Brasília deu as boas-vindas à rainha Elizabeth II, da Inglaterra, e ao príncipe Philip. A visita era a mais importante desde a inauguração da capital e a hóspede, a mais ilustre desde que o Hotel Nacional abrira as portas. Para tanto, foi arrumada pela primeira vez a suíte presidencial, no 9; andar. A inauguração da suíte nobre só não ocorreu antes porque quando o hotel abriu as portas só os três primeiros andares ; dos 10 ; estavam prontos.
A placa de inauguração da melhor suíte do hotel, com cerca de 800m;, ainda enfeita o corredor de elevadores no térreo. Com um curioso detalhe: a grafia errada de majestade, que está registrada ali com ;g;. Dizem que outra placa chegou a ser encomendada para substituir a primeira, mas é a original que ainda adorna o hotel.

Outros ilustres visitantes que passaram pela capital provaram do luxo da presidencial, como o presidente francês Charles De Gaulle, os presidentes dos Estados Unidos Jimmy Carter e Ronald Reagan, o primeiro-ministro de Portugal Cavaco Silva, e inúmeros secretários, ministros, embaixadores e diplomatas. Numa entrevista ao Correio, em 1991, um ex-funcionário do hotel contou que, na ocasião da vinda do general francês, foi preciso fazer uma emenda na cama, tão alto que ele era. Depois, na recepção oferecida no Palácio do Planalto, o então presidente anfitrião Castello Branco acomodou-se numa almofada, para que a diferença de altura não ficasse tão evidente.

Quando Jimmy Carter passou por aqui foi o mensageiro José Souza Pinheiro, que trabalhava como ascensorista, quem se assustou. ;Ele quebrou o protocolo, rompeu a segurança e foi lá cumprimentar as pessoas;, lembra. Pinheiro passava longas horas no elevador à disposição dos hóspedes da suíte presidencial. Subia ainda de manhã e só descia com ordens de quem ali estivesse hospedado. ;Eu era moço, não tinha mulher, nem filhos. Nessas visitas, passava três, quatro dias trabalhando direto, sem voltar para casa;, recorda-se.

O então presidente da República, Fernando Collor de Mello, com o gerente geral do Hotel Nacional, Marco Antonio FerreiraFora presidentes e rainhas de verdade, o hotel serviu de teto a outros tipos de majestade. Quando Xuxa hospedou-se por ali, Pinheiro viu o caos instalado do lado de fora do prédio. Centenas de incansáveis súditos baixinhos à espera de uma foto com a sua rainha. Roberto Carlos também tinha o merecido tratamento de nobreza. Hospedava-se sempre no último andar, suíte 1010 ; decorada, claro, em azul e branco. ;Toda vez que ele vinha, o pessoal tinha que mudar tudo lá;, conta o mensageiro. Era ele quem o recebia na portaria. Chegava por volta de 1h, para evitar tumultos.

Numa dessas ocasiões, Pinheiro viu que o rei pode até cantar e exaltar o amor, mas tem lá seus momentos de pouco romantismo. ;Estava no balcão da recepção por acaso quando a mulher dele telefonou querendo saber se ele já havia feito o check-in. Por coincidência, ele estava na minha frente e lhe dei o telefone. Achei engraçado porque ele soltou um ;mas essa mulher não me deixa nem chegar?;.; Foi em tom de brincadeira, ele garante.

Sílvio Santos também já passou algumas vezes por ali, hospedando-se na suíte 806, quando ainda não precisava chamar as filhas por números. ;As crianças corriam aqui no lobby de um lado para o outro. Eram duas meninas;, lembra o mensageiro. Além da simpatia do apresentador, Pinheiro guarda outra memória boa das visitas: a maior gorjeta que já recebeu como mensageiro. ;Estava juntando dinheiro para a lua de mel. Nem sei quanto daria na moeda de hoje, mas lembro que foi bom, viu?;.

Fora as notas de Sílvio, muita gorjeta generosa já foi parar nas mãos de felizardos funcionários. Pinheiro chegou a juntar US$ 2 mil. ;Guardava um bocado de nota miúda e, depois, trocava tudo por nota de US$ 100;. Mariano, o mâitre, conta que já chegou a ganhar mais que o próprio salário de uma só vez. ;Acho que daria hoje uns R$ 1 mil;, calcula. Foi um hóspede quem deu depois de uma noite inteira de perturbações fazendo pedidos para o room service. Outra especial foram os 500 escudos dados pelo primeiro-ministro português. ;Ele me chamou num canto e disse para eu não dar na mão de qualquer um, trocar com gente de confiança porque o dinheiro tinha algum valor;, recorda-se.

O anexo do Congresso
Manoel Nunes, desde 1963 no Scoth Bar: o funcionário mais antigoGrande parte do movimento do hotel era devido às rodas de políticos que ali se reuniam todos os dias ; ;exceto aos domingos, quando o Senadinho era fechado;, recorda Manoel Nunes da Silva, o seu Manoel, o mais antigo funcionário do Hotel. Ele está lá desde 1963, há mais de 30 como barman do Senadinho, apelido carinhoso do Scoth Bar.
Jornalistas, políticos e empresários estendiam para lá o expediente. ;Quando três políticos se reúnem, só existem dois assuntos: política e mulher;, ri um antigo frequentador, que se misturava aos figurões do Congresso. O uísque era o que mais se bebia, segundo seu Manoel. Os cardápios geralmente ficavam encostados, tamanha a intimidade de todos com o menu.

Os mesmos políticos que batiam ponto no Scoth Bar ; na época, chamado American Bar ; se misturavam à sociedade brasiliense nos famosos bailes que aconteciam nos salões e no mezanino, onde também fica a Casa de Chá, reduto das damas nos fins de tarde. Os gritos de carnaval eram os que tinham os convites mais disputados ; só a nata da sociedade os recebia e eles nunca eram vendidos. Os convidados, grandes nomes das rádios na época, vinham geralmente do Rio de Janeiro e São Paulo em aviões emprestados pela Aeronáutica e se hospedavam de favor num hotel chamado Do Ré Mi, à beira do Lago Paranoá. Nelson Gonçalves e Herivelto Martins já fizeram a alegria de alguns dos bailes. A maioria dispensava o cachê por amizade. Os que cobravam pediam um valor simbólico. O que valia era que a alegria dos cerca de 500 convidados.

Entre os assíduos, seu Manoel se lembra de um específico: o ex-presidente Fernando Collor, ainda na época em que era jornalista e passava horas na sauna. Outros chegaram a morar por um tempo no hotel. Itamar Franco foi um deles. Mas o morador do qual os funcionários mais se recordam é José Alencar, que ocupou a suíte 722, no sétimo andar, durante os anos em que foi senador. Fazia questão de acenar sempre com um sorriso aberto a todos os funcionários. Descia todos os dias para tomar café da manhã no Coffee Shop e deixava gorjetas ;razoáveis;, como se lembra agradecido o mâitre, Mariano. Quando fez o check out, no final de 2002, para mudar-se para o Palácio do Jaburu e assumir a vice-presidência, agradeceu a hospitalidade durante os oito anos em que morou lá no Livro de Ouro. A assinatura é do dia 29 de dezembro.

Tapete vermelho
O ator John Travolta, com o então gerente do hotel, Moacyr FlorentinoTodos os anos, no período em que recebia o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, eram diretores, atores, críticos e cineastas que agitavam os dias ; e longas noites ; num enorme vaivém pelos corredores do hotel. A história do FBCB é indissociável da do Nacional, que desde o início, em 1965, é o anfitrião das estrelas do evento. Apenas em duas ocasiões isso não ocorreu, a última no ano passado. Fernanda Montenegro e Fernando Torres já registraram no Livro de Ouro a satisfação em hospedarem-se ali. E mesmo algumas visitas mais ilustres e não tão lembradas estão guardadas nos arquivos, como a da francesa Catherine Deneuve, a da estrela de Grease, John Travolta e do cineasta Roman Polanski.
Mas não são as histórias contadas nas películas das mostras competitivas que os funcionários lembram primeiro quando falam sobre o festival. ;Antigamente, na época do Festival, a piscina ficava lotada de artistas, todos os dias até amanhecer;, conta o mâitre do Coffee Shop, Mariano Saraiva. As conversas sobre cinema estendiam-se com fartura de uísque e drinques com vodca.

O então gerente geral do Hotel Nacional, Moacyr Florentino, o cineasta Roman Polanski e a atriz Emmanuelle SiegnerO ano, ninguém sabe ao certo, mas o que se conta é que lá pelo fim da década de 1960, a atriz Leila Diniz causou um rebu ali ao protagonizar um striptease na piscina depois de algumas boas doses. Era por volta de 21h30 quando teve início o espetáculo. ;Dizem que todo mundo saiu na janela para ver o que estava acontecendo e foi uma confusão danada aqui;, conta a responsável pela governança, Vera Lúcia de Melo, ou só dona Vera, funcionária do Nacional há 29 anos.
Logo nos primeiros anos, o festival precisou lidar com a mão de ferro dos militares que governavam o país desde o golpe de 1964. Em 1968, o governo censurou a apresentação do filme O País de São Saruê, de Vladimir Carvalho. O público ficou revoltado, e o clima naturalmente acabou pesando. Quem garantia descontração era a própria Leila Diniz, que ao entrar nas salas de cinema, jogava seus sapatos para aos espectadores.

Brigas entre críticos e criticados também eram inevitáveis. Algumas, como uma entre o cineasta Rogério Sganzerla e o crítico Rubens Ewald Filho, em 1971, entraram para a história do festival. Os dois chegaram a se estapear e a coisa toda terminou com Ewald desacordado, sendo socorrido por Vera Manhães, mãe de Camila Pitanga, que naquela edição concorria ao prêmio de melhor atriz.

Começo, fim e recomeço
Leila Diniz, na piscina do Hotel Nacional: histórias até de um stripteaseTodo esse glamour do Hotel Nacional não se perdeu completamente na história. Dizer que tudo é como antes, no entanto, não é possível. Quando manter o hotel passou a ser responsabilidade dos herdeiros de Tjurs, a pompa, o movimento e o faturamento começaram a diminuir. Cinco dos 10 andares do Nacional chegaram a ser interditados temporariamente para cortar gastos e o quadro de funcionários caiu de cerca de 400 para pouco mais de 200.

;Teve uns tempos que nós, funcionários, não tínhamos nem feijão para comer. Mesmo assim ninguém desanimou de trabalhar;, conta o mensageiro Pinheiro. Foi por aí também que alguns dos hóspedes mais fiéis começaram a rarear seus check-ins. ;Acabou que nem o restaurante era o mesmo. E aí muita gente que estava sempre por aqui parou de aparecer.;
A má gestão somada ao surgimento de novos hotéis e clubes acabou levando o Hotel Nacional a pedir concordata à justiça mineira em 1991, ano em que completaria 30 anos. Nessa época, a rede Horsa estava envolvida numa dívida de US$ 20 milhões, e o Hotel era avaliado em cerca de US$ 21 milhões. ;Vamos superar essas dificuldades rapidamente;, chegou a dizer o gerente do grupo em Brasília na época, Antônio Marques, em uma entrevista ao Correio.

Não superou. Em 1994, a rede Horsa acabou vendendo o hotel e o comando saiu das mãos da família Tjurs para as de Wagner Canhedo, que também era dono da Vasp. Dois anos depois, o nome Tjurs voltaria a aparecer na imprensa por causa do suicídio do neto caçula de José Tjurs, Luiz Cláudio, na frente da noiva, a atriz Ana Paula Arósio. Na época, ele tinha 29 anos e a atriz, 20.

Para os funcionários, os dias que antecederam as negociações foram os mais aflitos. ;A gente não sabia o que ia acontecer com o hotel ou com a gente. Eu tinha dois filhos para criar, fiquei muito preocupado;, lembra Pinheiro. Para alívio de todos, os funcionários foram preservados. ;Ninguém foi demitido e ninguém também quis sair;, conta dona Vera.

A venda, no entanto, não acabou com os problemas. Em 1; de setembro 2007, os 310 hóspedes do Nacional foram despejados por causa de uma confusão do hotel com a Securinvest Holdings S/A. A empresa alegava um calote de R$ 46,5 milhões de parcelas da compra do hotel e conseguiu na justiça uma decisão de reintegração imediata de posse. Por volta das 6h, os hóspedes começaram a receber bilhetes em seus quartos avisando sobre a situação. Pinheiro foi um dos dois únicos funcionários do hotel que conseguiram entrar no prédio para ajudar a descer as malas. ;Nunca vou me esquecer desse dia. Ninguém podia entrar. Nem o café foi servido;, ele lamenta. A confusão foi resolvida e por volta da hora do almoço os hóspedes, confusos, voltaram aos seus apartamentos.

Fernando Torres e Fernanda Montenegro, com a gerente comercial do Hotel Nacional, Madalena Cesar, e a empresária e atriz Joicy de OliveiraHoje ainda é o grupo Canhedo que está à frente do Hotel. Por mais que o DNA dos primeiros anos do Nacional e da obra de Tjurs ainda esteja por ali, conservado na decoração dos quartos e dos salões, no cheiro de madeira e no jazz que ritma os passos no lobby, os anos de ouro passaram. O movimento é quase sempre de conferências e congressos organizados por empresas e órgãos públicos que lotam o mezanino nas horas de coffee break. O Hotel Nacional não é mais o grande centro de decisões políticas fora da Esplanada, mas ainda é lar de alguns deputados e senadores e segue como preferido de fieis hóspedes. O maior movimento é sempre no meio da semana, entre terça e sexta-feira. ;Alguns hóspedes ainda do tempo da Horsa me conhecem e ligam lá em casa pedindo para que eu consiga a eles uma boa suíte;, conta Pinheiro. O Hotel segue tradicional e imponente, embora alguns já não apostem em muito tempo de sobrevida, devido a supostas dificuldades financeiras.

A próxima batalha a ser ganha é adaptar-se a algumas modernidades para receber bem turistas e atletas na Copa do Mundo de 2014. Os carpetes escuros, que acompanham a decoração desde sempre, já estão sendo substituídos por piso antisséptico. A cada 45 dias, 35 apartamentos passam pelo procedimento. As obras são, em parte, motivo para que no lugar de uma bela festa em comemoração ao cinquentenário com damas e engravatados festeiros, como talvez houvesse anos atrás, os esforços estejam concentrados no futuro.

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