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Cães de aluguel

Comum em São Paulo e no Rio, a locação de cachorros para fazer a segurança de casas ou empresas começa a chegar a Brasília. A prática, porém, é duramente criticada por entidades protetoras de animais

postado em 29/04/2011 12:08

Não é preciso um olhar muito atento para perceber que, cada vez mais, sistemas de segurança com cercas elétricas e câmeras ligadas 24 horas fazem parte da rotina de proprietários de grandes propriedades. A procura por um ambiente cada vez mais seguro, especialmente quando o dono precisa se ausentar por alguns dias, deu origem a um serviço que tem causado polêmica: o aluguel de cães. A opção ainda é novidade em Brasília, mas cidades como São Paulo e Rio de Janeiro já contam com empresas especializadas em segurança envolvendo animais.

O adestrador Fernando Bosco com um dos cachorros que costuma alugar para fazer segurançaSempre que precisa ficar uns dias fora da cidade, Vanderson Fernandes da Silva, 33 anos, não pensa duas vezes: para não deixar a casa desprotegida, o empresário contrata os serviços de um cão de guarda. ;Viajo muito e sempre fico, no mínimo, cinco dias fora. É melhor que deixar a casa vazia;, justifica. Dono de uma empresa de transporte de cargas, Vanderson gostou tanto da ideia que resolveu contratar os cães para defender também o prédio do trabalho. ;O manuseio do material que chega para a empresa é feito no aeroporto, então, o escritório fica sem ninguém.;

Vanderson conta que não chega a ter contato com os cães que aluga. ;Só os vejo quando o dono chega com eles;, conta. Adestrados, os cães, segundo ele, não esboçam reação alguma, nem de violência, nem de festa: apenas obedecem o comando do adestrador. ;O vínculo afetivo dele é com o Fernando, o adestrador. O cachorro vai para a sua casa só para cuidar dos seus bens, é treinado para isso;, completa. Fernando Bosco, o adestrador, concorda. Ele explica que os dois cães envolvidos no negócio são de estimação, não ;máquinas para locação;.

Sempre que leva os cachorros para o local que será vigiado, Fernando se encarrega de alimentar os animais uma vez por dia. ;Sou eu quem levo para o lugar e dou toda a assistência;, descreve. Se o adestrador considera que o local não está propício para receber o cão, ele mesmo faz as adaptações necessárias, como providenciar um lugar para o cachorro dormir adequadamente. ;O mesmo conforto que ele teria no canil tem na casa que vai cuidar;, resume. Os cães são selecionados e treinados desde filhotes.

Para alugar um cachorro, é preciso apenas uma casa espaçosa. ;O lugar precisa ser seguro, fechado, para o cachorro não fugir;, detalha Fernando Bosco. A demanda por esse tipo de serviço ainda é tímida em Brasília. Fernando trabalha há oito anos adestrando cães, mas só passou a alugá-los há dois. O preço varia de acordo com a localização, mas a média é de R$ 30 por dia. ;Os clientes ainda estão meio receosos, pelo fato de ser um animal que só está adaptado a uma pessoa. Geralmente eles querem que outras pessoas tenham acesso à casa, mas não tem como.;

Polêmica e críticas
Mas há quem não se sinta tão à vontade com a prática. Entidades protetoras de animais consideram ilegal o uso de cães por empresas de segurança. O que para alguns é uma forma de empreendedorismo, para outros é uma afronta aos direitos dos animais. Na visão da presidente da União Internacional Protetora dos Animais (Uipa), Vanice Orlandi, a proibição no uso de cães para segurança deve ser total, já que ;o cão não tem como manifestar a sua vontade, como consentir a se sujeitar aos riscos da profissão de segurança, o que não ocorre com uma pessoa que pode escolher;. Para ela, essa questão esbarra em três problemas. O primeiro se refere à natureza do cão. Por ser uma espécie gregária (que vive em bando), o animal necessita da sociabilização ; ao contrário do gato, por exemplo, uma espécie mais independente.

Vanice destaca que, em São Paulo, há casos de empresas em que o animal faz a segurança sem o acompanhamento de profissionais habilitados para a função. Dentre as denúncias feitas pela Uipa, há um caso de maus-tratos contra um rottweiler com câncer em uma das patas. ;Um total desrespeito ao animal;, frisa. Ela explica que, quando inserido em um lar, o cão se identifica com as pessoas da casa, como se fosse parte de uma matilha. ;Isso não ocorre quando o cão é usado para segurança, geralmente em total isolamento;, complementa.

Além da Constituição Federal, da lei dos Crimes Ambientais e das leis estaduais e municipais que proíbem a prática de abuso e maus-tratos aos animais, a Polícia Federal (PF) tem uma portaria sobre segurança privada. Em um dos artigos, a Portaria n.; 387/2006 autoriza o uso de cães, desde que acompanhados por vigilantes habilitados para a condução do animal. ;Mesmo nesses casos autorizados pela portaria da PF, a Uipa é contra o uso de cães em serviços de segurança, independentemente de estar acompanhado ou não;, afirma a presidente.

Organizações Não Governamentais (ONGs) voltadas para a temática animal, como a Associação Protetora do Animais do Distrito Federal (ProAnima), também são contrárias a esse serviço. Segundo a diretora da entidade, Simone Lima, a ideia de alugar um cão vai na contramão da nossa evolução. ;É um desrespeito à guarda responsável aos animais de companhia.; Ela explica que a concepção de cães de guarda está associada a treinamento rígido, o que pode provocar um desvio de comportamento no animal. ;Os treinamentos de modo antiquado e deletério para os animais são combatidos em todo o mundo por especialistas em comportamento canino. No contexto brasileiro, é um dos principais fatores para a transformação de animais equilibrados em animais perigosos;, detalha Simone.

Já para o empresário Flávio Porto, dono de uma empresa de segurança em Porto Alegre(RS), o aluguel de cães é um serviço legal, desde que sejam seguidas as normas que regulamentam a atividade de segurança. Ele explica que os cães sempre colaboraram com o homem nas atividades cotidianas, principalmente quanto às questões de guarda e vigilância.
Empresas de segurança são autorizadas por lei e seguem uma série de normas específicas. ;O cão corresponde à parte ostensiva da segurança, que impõe coação a qualquer pessoa que tente invadir o patrimônio vigiado;, defende o empresário.

;O sistema que ofereço está amparado por uma equipe técnica competente para certificar meu serviço.; Graças a parcerias que faz com veterinários e advogados ambientalistas, Flávio garante que nunca recebeu reclamações quanto aos cuidados com os animais. ;Se a empresa toma os devidos cuidados com o cão, não vejo problemas quanto a isso. Nos Estados Unidos e no Canadá, esse já é uma serviço comum e necessário.;

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