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Quem tem medo do volante?

As mulheres tendem a ser mais inseguras na hora de tirar a carteira de motorista. Nada que uma dose de paciência não resolva

postado em 29/05/2011 10:37

Engarrafamentos, buzinas, xingamentos, balizas, estacionamentos cheios e garagens apertadas. Não é difícil entender por que algumas pessoas começam a suar frio só de entrar no carro. O medo de dirigir é um dado real, que chama a atenção inclusive do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF). O órgão está preparando uma pesquisa sobre o assunto. Embora os dados ainda não estejam disponíveis, os técnicos avisam: nove entre 10 vítimas dessa fobia são mulheres.

;A maioria dessas mulheres declara que não passou por um acidente ou experiência traumática no trânsito. Normalmente, o que elas temem são as críticas. É o medo de fazer alguma coisa errada, de deixar o carro morrer e atrapalhar o fluxo;, observa Janaína Ribas, proprietária de uma autoescola. Atenta a essa demanda, ela criou o curso Mulher entende mulher, cujo diferencial é a paciência.

A empresária tem até uma teoria a respeito: a culpa é dos homens. ;Antigamente, eles não deixavam que as mulheres assumissem o papel de motorista para não perder status. E isso ainda é uma realidade;, especula. Fato é que o preconceito ainda é latente e, vez ou outra, vem à tona na forma de chavões do tipo ;mulher no volante, perigo constante;. Acontece que os números não corroboram essa percepção. Por exemplo, dos acidentes com morte registrados em 2009, 88,5% tinham homens como condutores.

De qualquer forma, o estrago na autoestima feminina está feito. ;Já tive alunas que entravam no carro e desabafavam, começavam a chorar. As reclamações são sempre as mesmas: é o marido que duvida da capacidade da mulher, essas coisas. A gente se torna uma psicóloga;, conta a instrutora de direção Merirubia Amaral. Ela observa que o pior para as motoristas é ter de aguentar um homem como copiloto. ;Como ele não tem o controle do freio e da embreagem, começa a pressionar, a fazer críticas.; O resultado é que muitas tiram a carteira, mas jamais a usam.

A servidora pública Maria José Leite, 49 anos, se encaixa nessa categoria. Ela tem habilitação há dois anos, e nunca dirigiu. ;Não sei se é medo ou se não gosto mesmo. Fico agoniada com muitos carros;, conta. Para se locomover, Maria José depende dos familiares ou da carona dos amigos. Quando não encontra quem possa levá-la, apela para o táxi. ;Já sou sócia do radiotáxi, todo mundo me conhece;, revela.

Apesar de normalmente ;se virar; para chegar a seus destinos, a servidora já teve de abrir mão de planos por falta de autonomia. ;Há alguns dias, houve a festa de aniversário de uma grande amiga, em Águas Lindas, e tive que faltar. Meu marido não ia querer me levar, e o táxi ficaria muito caro;, lamenta. A servidora, porém, não se acomodou. ;Vou contratar o instrutor que me ajudou a tirar a carteira ; ele é bastante paciente. Daí vamos rodar Brasília inteira, e, quando ele disser que estou pronta para dirigir, saio às ruas sozinha. Quando eu começar, não tem pra ninguém;, empolga-se.

Já Mariselma Marques, 38, tentou tirar a carteira pela primeira vez em 2005. Sem sucesso. ;Eu tinha muito medo de trânsito, era muito dependente do meu marido e meu instrutor não tinha paciência, então larguei o processo;, diz a microempresária, que sofre de fibriomialgia e teve de aprender a lidar com esse mal crônico também no volante. Dentro do carro, ela suava e sentia braços e pernas endurecidos. ;Eu ficava desesperada com ônibus, tinha medo de subir no meio-fio e de bater em poste.;

Na primeira vez em que dirigiu ao lado do marido, discutiram. Ele gritou e Mariselma, nervosa, perdeu o controle do veículo e quase bateu. ;Procurei ajuda e acabei encontrando na minha instrutora uma amiga e confidente. Ela já entendia quando eu estava sentindo dor, e fazia uma aula personalizada. Por exemplo, quando tive que usar tala, fizemos pouca garagem.; Quando soube que havia passado no exame do Detran, Mariselma foi às nuvens. ;Nunca achei que conseguiria. Agora ofereço carona para quem quiser.;

Mariselma é a primeira de suas cinco irmãs a tirar carteira e, agora, serve de inspiração para a família. ;Já fui ao mercado, levei minha filha à escola e também a sogra para passear. Agora ela diz que dirijo melhor que meu marido, e que, desde que tirei a carteira, estou mais confiante;, conta. A microempresária ainda escuta algumas buzinadas no trânsito, mas leva na esportiva. ;Estão buzinando porque estou bonita;, brinca.

Detran oferece ajuda

Atualmente, o Detran realiza um curso para quem tem medo de dirigir, mas as aulas não têm a pretensão de extinguir o temor ; a ideia é mais oferecer um alento. Trata-se de uma dinâmica de grupo dividida em seis dias, totalizando 24 horas de atividades. ;No curso, explicamos que o medo não é uma coisa única. Várias pessoas vivem essa realidade e estão ali a fim de superá-la. As pessoas acabam motivando umas às outras e viram amigas;, explica Marcelo Granja, diretor de Educação de Trânsito do Detran;DF.

Nas reuniões, uma psicóloga orienta os presentes a descobrir a origem do receio. Trabalha-se a conduta defensiva que todo motorista deveria ter, de modo a tranquilizar o motorista. São ensinadas também noções de primeiros socorros e de legislação de trânsito.

O último dia de aula é realizado em um carro estático. ;Lá, o aluno pode passar as marchas, ligar e sentir o veículo, mas ele é suspenso e não sai do lugar. É ótimo para pessoas que têm trauma de algum acidente ou nunca entraram em um carro. Ali são explicadas as funções do painel, como se sentar corretamente, pequenas instruções que dão segurança ao condutor;, esclarece Marcelo.

No fim, cada aluno faz uma lista de metas a cumprir e volta 30 dias depois para contar sua experiência para o grupo. ;Tem gente que vem dirigindo para essa última aula;, comemora o diretor.

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