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Reação em cadeia

O conceito de sustentabilidade tem sido usado a torto e a direito. Mas você sabe o que ele, de fato, significa?

postado em 02/06/2011 15:24

O conceito de sustentabilidade tem sido usado a torto e a direito. Mas você sabe o que ele, de fato, significa?A definição no dicionário não deixa dúvidas: aquilo que é sustentável tem a capacidade de se manter com os próprios recursos. De caminhar com as próprias pernas. No entanto, o conceito de sustentabilidade ainda é confuso para a maioria da população brasileira. Erguida pelos ambientalistas como bandeira ;verde;, em prol da preservação da biodiversidade, a ideia ficou restrita ao uso moderado de água, energia e papel, além de outros recursos renováveis e não renováveis. Na prática, ser sustentável é bem mais do que reduzir o tempo no banho ou dispensar sacolas plásticas. Para você ficar por dentro de um assunto que repercute no trabalho, na mídia ou mesmo numa mesa de bar, conversamos com alguns especialistas da área. Afinal de contas, o que é ser sustentável?

Lá no começo
Onda verde, moda verde, economia verde; Ufa! Tudo é ou quer ser verde no século 21. Mas bem antes de ganhar os holofotes, a sustentabilidade estava na pauta da Conferência das Nações Unidas pelo Desenvolvimento Humano. Na época, anos 1970, estava em xeque o tipo de desenvolvimento econômico, de produção e de consumo em massa e a repercussão desse modelo no meio ambiente. O movimento hippie chamou atenção para o assunto e difundiu a preocupação entre jovens e ativistas políticos.
Apenas na década seguinte, em 1987, o relatório Nosso futuro comum, da ONU, deixou claro: a prática sustentável condiz com uma cadeia de ações responsáveis. Sendo assim, o modelo econômico e político dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos deveria mudar para garantir reservas às gerações futuras.

Alguns anos depois;
No Brasil, o assunto sustentabilidade ganhou maior divulgação após a Eco 92. Um dos méritos da conferência internacional foi a costura da Agenda 21, documento que agrega diretrizes para uma nova compreensão da indústria, da agricultura e da desigualdade social.
Consultora em sustentabilidade e ex-diretora do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), a bióloga Beatriz Bulhões vê com otimismo os avanços desde então. ;Não só o terceiro setor como também as empresas privadas incorporaram práticas de responsabilidade social e diminuição de impactos ambientais, adotando investimentos em tecnologia e em ações de preservação da biodiversidade no processo de produção;, destaca. Outro avanço seria a conscientização da sociedade. O que não impediu a banalização da palavra ;sustentabilidade;, aponta a especialista.

Muito além do meio ambiente
Arquiteto e coordenador da Seção de Acessibilidade e Planejamento Sustentável na Câmara dos Deputados, Fabiano Sobreira explica: ;Quando se fala em sustentabilidade, temos quatro aspectos envolvidos ; e o ambiental é apenas um deles. Ainda há a óptica econômica, social e cultural. O que acontece, no entanto, é que acentuamos o foco no aspecto verde, mas desconhecemos se aquilo chamado de sustentável é, de fato, socialmente justo, economicamente viável e culturalmente apropriado;, explica. O desafio, agora, segundo especialistas, promover uma reação em cadeia em diferentes segmentos da sociedade. E a mudança começa com você. ;Basta ter bom senso;, arremata Beatriz Bulhões.

Atitudes sustentáveis:
; Perguntar-se: O que realmente é necessário para se ter qualidade de vida?
; Consumir alimentos, roupas, objetos e cosméticos de forma consciente.
; Evitar todo e qualquer desperdício.
; Comprometer-se com a comunidade onde se vive e com a cultural local.

Olhando além do umbigo
Reaproveitar a água das chuvas e investir em placas de energia solar são algumas soluções difundidas na última década para uma construção ecologicamente correta. No entanto, segundo o professor e arquiteto Fabiano Sobreira, antes de qualquer adereço verde, o projeto precisa estar adequado às características do terreno e da região onde será erguido. Um projeto de arquitetura benfeito, por si só, já seria sustentável. ;Se você projeta de acordo com o vento, o sol, o solo, você vai ter uma construção mais sustentável do que se investisse apenas em captador disso ou daquilo. Uma coisa não anula a outra. O problema é que muitas vezes se confia apenas nesses adereços;, ressalta.

Ou seja, um projeto sustentável garantiria desde o desempenho térmico natural (iluminação e ventilação) até o uso de materiais da região. Por exemplo, se a ideia é construir numa vila de pescadores, no sertão do Brasil, ou num centro urbano, o primeiro a se perguntar é: Quais as condições do local? E que tecnologia se encontra ali? Que técnicas eles dominam para construir? ;Não adianta trazer o elemento mais verde, de última tecnologia de um país, e colocar no sertão se ali não aproveitamos a cultura local. Primeiro você olha o entorno, vê o que se oferece, e começa a tomar decisões;, explica.

O investimento em casas ou apartamentos sustentáveis pode, eventualmente, ser maior do que o dispensado em projeto sem essa preocupação. No entanto, segundo o especialista, a economia a longo prazo e o impacto ambiental serão outros. ;Você pode até ter tido um custo final maior, mas conseguirá ver a economia na conta de luz, água, energia e na qualidade de vida, em até cinco anos. Na verdade, se bastasse a consciência da importância de uma cadeia sustentável, a decisão de investir nesse tipo de projeto já valeria;, defende.

Beleza de dentro para fora
Ainda falta uma certificação que garanta aos cosméticos brasileiros um atestado de sustentabilidade. Pelo menos na visão da Associação Brasileira de Cosmetologia (ABC). De acordo com João Hansen, membro do conselho consultivo da ABC, ainda é bastante complexo definir quais ações definiriam a sustentabilidade dentro do ramo de cosméticos.
;Estamos falando de uma cadeia produtiva que envolve matérias-primas, embalagens e o processo produtivo dos cosméticos. Nela, existem diversas oportunidades de ações sustentáveis, mas isso ainda varia de uma empresa para outra;, explica. Hansen frisa que muitas dessas atitudes não são vistas pelos consumidores e dá como exemplo a semana contra o desperdício, prática realizada periodicamente na empresa de cosméticos onde trabalha. O período envolve a premiação de funcionários que não deixaram sobras no almoço da empresa. ;Aqueles que não desperdiçam comida, recebem um cartão que se converte em doações de alimentos para instituições de caridade;, exemplifica.
Preocupada com esse selo verde para os cosméticos, a nova direção da ABC já trabalha na elaboração de uma certificação. Mas, segundo Hansen, ainda não foram definidos quais aspectos deveriam ser levados em conta para determinar o que seria uma empresa sustentável.

Certificação verde
Alguns selos nacionais e internacionais servem como bússola para consumidores tomarem conhecimento sobre o processo de produção e distribuição de um produto, seja ele uma barra de cereal ou um carro. Sem invalidar a iniciativa da certificação, o antropólogo Fábio Vaz Ribeiro de Almeida faz um alerta para a prerrogativa de um consumo consciente do ponto de vista ambiental, social e cultural. Coordenador executivo do Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN) ; empresa sem fins lucrativos que trabalha, atualmente, com 80 projetos de comunidades, sindicatos de produtores rurais, associações comunitárias de quilombolas e povos indígenas do Cerrado, voltados para o uso sustentável da biodiversidade ;, Fábio defende a inclusão dos pequenos produtores. ;Como o processo de certificação inclui custos administrativos e de marketing, o pequeno produtor não consegue pagar por um selo verde. Por isso, é preciso estar atento: a certificação é válida, mas ainda atende a poucos;, pondera. Entre alguns selos reconhecidos no país, estão:

Madeira
O conceito de sustentabilidade tem sido usado a torto e a direito. Mas você sabe o que ele, de fato, significa?FSC
É o selo verde mais reconhecido em todo o mundo, com presença em mais de 75 países. Atualmente, os negócios com produtos certificados geram negócios da ordem de US$ 5 bilhões por ano em todo o globo. FSC é a sigla em inglês para Forest Stewardship Council, ou Conselho de Manejo Florestal.
(Fonte: WWF ; Brasil)

Produto Orgânico
O conceito de sustentabilidade tem sido usado a torto e a direito. Mas você sabe o que ele, de fato, significa?AAO
Certificado pela Associação de Agricultura Orgânica (AAO), o selo garante que o produto alimentício que o exibe foi feito de acordo com a Norma de Produção Orgânica. Hoje existem 9.700 produtores orgânicos cadastrados no Ministério da Agricultura.

O conceito de sustentabilidade tem sido usado a torto e a direito. Mas você sabe o que ele, de fato, significa?IBD
Empresa brasileira que atua nas áreas de inspeção e certificação agropecuária de processamento e produtos extrativistas, orgânicos e biodinâmicos. Desde 1990, está presente também em países da América Latina, Europa e Ásia. Possui 13 certificações diferentes, a depender do gênero do produto.

Arquitetura
O conceito de sustentabilidade tem sido usado a torto e a direito. Mas você sabe o que ele, de fato, significa?Leed
Idealizado e gerenciado pelo Green Building Council (USBBC), instituição criada por representantes da indústria da construção nos Estados Unidos, o selo batizado de Leadership in Energy and Environmental Design tem por objetivo certificar edificações que apresentam comprovado desempenho ambiental. Ferramenta internacional, o Leed é criticado por especialistas por não contextualizar as construções no ambiente de cada país avaliado. No mundo, o selo se difundiu como um franchising e já prosperou no Brasil com a criação do Green Building Council Brasil, cujo primeiro selo foi anunciado em 2008.

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