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Um mal sorrateiro

Em duas décadas, dobrou o número de diabéticos no mundo. Só uma mudança no estilo de vida das pessoas pode frear o avanço da doença

postado em 08/07/2011 17:32

;Stop Diabetes;, estampa o cartaz gigante postado em frente ao Centro de Convenções de San Diego, sede do 71; Encontro Anual da Associação Americana de Diabetes (ADA), o mais importante do mundo. A frase representa o clamor dos endocrinologistas contra essa epidemia mundial. Descontrolada, a incidência de diabetes dobrou em 20 anos, segundo um estudo da revista científica The Lancet. Hoje são 347 milhões de pessoas com a doença no mundo, um número tão alto que superou projeções anteriores, segundo as quais o planeta teria 285 milhões em 2010. O diabetes mais comum, do tipo 2, é fortemente associado a outra epidemia do século 21, a obesidade combinada à vida sedentária.

A doença pode provocar complicações como distúrbios cardíacos, derrames, danos aos rins e ao fígado e cegueira. Do total de portadores do mal, 138 milhões vivem na China e na Índia e outros 36 milhões nos Estados Unidos e na Rússia. Entre os 199 países analisados, o Brasil ocupa a 119; colocação, com 20 milhões de diabéticos. Todos com predisposição para apresentar distúrbios secundários, como, por exemplo, a retinopatia diabética.
Em todo o mundo, a prevalência de diabete em homens de mais de 25 anos cresceu de 8,3% para 9,8% entre 1980 e 2008.

Para mulheres com mais de 25 anos, saltou de 7,5% para 9,2% no mesmo período. ;Essa é uma das características definidoras da saúde mundial nas próximas décadas;, diz Majid Ezzati, epidemiologista do Imperial College London, que chefiou o estudo apresentado na reunião americana. ;É a epidemia em grandes proporções. Diferentemente dos casos de hipertensão e colesterol alto, não há um bom tratamento para o diabetes;, afirma o cientista. A terapia atual consiste no uso de insulina ou de medicamentos para controle de glicose, alimentação pobre em carboidratos e gorduras e atividades físicas ; por toda a vida do diabético. O prognóstico é sombrio para quem não segue essa regra. Segundo ainda a pesquisa divulgada pela The Lancet, o diabetes mata 3 milhões de pessoas em todo o mundo a cada ano.

Na raiz do problema está o excesso de peso. Porém, para manter o peso em dia não basta eliminar açúcar e doces da dieta. Pesquisadores da Universidade do Texas e do Centro de Ciência Médica de San Antonio (EUA) descobriram que os refrigerantes dietéticos, apesar do sabor doce e da falta de calorias, podem ajudar a aumentar o peso de quem os consome. Esse foi um dos estudos apresentados no ADA e acompanhou 474 voluntários durante 20 anos. Segundo os pesquisadores, aqueles que ingeriam duas ou mais latas da bebida dietética por dia mostraram um aumento de 500% na circunferência abdominal quando comparados aos que nunca consumiam a bebida ou preferiam a versão convencional. A professora Helen Hazuda, que conduziu a pesquisa, disse que as pessoas precisam saber dos perigos que os produtos dietéticos oferecem à saúde. ;Eles podem ser livres de calorias, mas não de consequências;, alerta a cientista.

O endocrinologista Saulo Cavalcanti, presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, participou da reunião de San Diego e voltou convicto das suas teses: o diabetes exige mudanças do estilo de vida. ;Precisamos deixar de ser sedentários, ter uma alimentação mais saudável e preferir alimentos não industrializados. Hoje as pessoas vivem mais e o diabetes é uma consequência natural do envelhecimento;, alerta Cavalcanti.

Sem açúcar, com afeto
Alice Ferracciolli sempre foi magra e cuidou da alimentação, mas em 1982 teve diabetes gestacional. A doença voltou em 2008Chico Buarque tem lugar cativo na seleção musical de Alice Ferracciolli, mas na vida ela decidiu contrariar o título de uma das músicas do compositor. Desde 2008, ela vive sem açúcar. ;Bani este alimento quando recebi o diagnóstico de diabetes. Doce só se for com adoçante;, diz a coaching e especialista em Programação Neurolinguística. Com essa atitude, ela segue uma alimentação normal, com arroz, feijão, macarrão, frutas e verduras. ;Nas refeições, tomo o cuidado de escolher apenas um tipo de carboitrado. Nunca misturo arroz com batata e evito carnes gordas. Nas festas, dispenso o bolo e saboreio os salgadinhos;, conta risonha. Na celebração dos seus 59 anos, na segunda-feira, só entrou doce diet, feito com adoçante. Alice adota esse equilíbrio na vida diária: bancária aposentada, hoje trabalha com o que gosta, faz longas caminhada e vive em harmonia com a doença.

O diagnóstico do diabetes surgiu por acaso, durante os exames de rotina. A taxa de glicose estava em 128 unidade por miligrama de sangue, indicando o distúrbio metabólico. ;Sempre fui uma pessoa magra, gosto de alimentos saudáveis. A doença surgiu de surpresa;, conta. Porém, ela faz parte do grupo de risco. Durante a primeira gravidez, de gêmeos em 1982, ela teve diabetes gestacional. Perdeu os bebês e as taxas de glicose voltaram ao normal. O corpo sempre magro, com o peso em torno de 60kg, considerado razoável para uma mulher de 1,63m de altura. Em 2008, em um período de estresse, engordou e o ponteiro da balança marcou 75kg. Um exame confirmou: Alice sofre de diabetes tipo 2.

;Passei a me cuidar, com acompanhamento médico periódico, uso medicação específica, controlo o peso e bani o açúcar;, conta. A recompensa é a manutenção da taxa de glicose no sangue dentro dos níveis considerados normais. Em maio, exames de sangue revelaram que o índice está 86 mg/dl, semelhante ao de uma pessoa sem o distúrbio. Ela dá a receita. ;Precisamos ter a coragem de cuidar da nossa saúde, mudar os hábitos de vida e tomar remédios, caso seja necessário;, ensina a coaching.

Primeiro, o susto. Depois, o aprendizado
Everton Moreira só descobriu que era diabético devido a um infartoO empresário e publicitário Everton Moreira, 63 anos, recebeu alta do Hospital Brasília na segunda-feira e voltou para casa, em Águas Claras, depois de seis dias de internação. Cardíaco e com um stent no coração, ao sentir um mal-estar e a boca seca ligou para o seu cardiologista. Seguiu a orientação e foi para o hospital. Fez bem. A taxa de glicose dele estava em 515 mg/dl, bem acima do limite de 100 mg/dl, que define se uma pessoa tem ou não diabetes. ;Precisei tomar insulina em caráter de urgência para não ter complicações renais;, conta Everton.

Como a maioria dos doentes, ele descobriu estar com diabetes por acaso. Em outubro, ele teve um infarto e fez uma angioplastia para colocar um stent, uma espécie de mola que abre a artéria coronária liberando a passagem do sangue. Na ocasião, os índices de glicose giravam em torno de 180/190 mg/dl. Em março, ele se descuidou e os índices subiram até atingir a faixa dos 500. ;Estou sob supervisão médica. Irei tomar os remédios indicados para controle da glicose. O médico avisou que, se eu não me cuidar, talvez tenha que tomar insulina novamente, só que desta vez pelo vida toda;, revela o empresário. Ele tem motivos de sobra para se tratar. O pai dele era diabético e morreu devido a complicações da doença.

Atenção ao diagnóstico
O diabetes é um distúrbio traiçoeiro, silencioso. A doença fica de tocaia durante anos e anos até surgirem os primeiros índices de alteração nas taxas de glicose no sangue. Essa fase, antes do diagnóstico definitivo, é chamada de pré-diabetes e afeta aquelas pessoas que têm risco de desenvolver o distúrbio metabólico. Fazem parte desse grupo quem é obeso, sedentário, tem mais de 45 anos, tem colesterol alto e hipertensão, e histórico de familiares diabéticos. Entre as mulheres, devem se cuidar as que apresentaram um quadro de diabetes na gravidez ou de ovários policítiscos. ;A obesidade é o principal sinal amarelo. Nos obesos, o pâncreas trabalha mais, produzindo uma maior quantidade de insulina. O órgão fica sobrecarregado e não consegue produzir o hormônio adequadamente;, esclarece o endocrinologista Ruy Lyra, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes.

Segundo o médico, quem tem diabete tipo 2 foi pré-diabético um dia, ao ressaltar a importância de se esclarecer a população sobre como ocorre o distúrbio. Na fase de pré-diabetes, há irregularidade nas taxas de glicose e ausência de sintomas. Ela é diagnosticada quando a taxa de glicemia de jejum (mínimo de oito horas) encontra-se entre 100 e 125 mg/dl e/ou quando o valor de glicemia na segunda hora do teste, chamado de curva glicêmica, está entre 140 e 199 mg/dl. Lyra afirma que mesmo na fase sem sintomas são necessários alguns cuidados, como a prática de exercícios físicos e uma alimentação balanceada. Pacientes com glicemia de jejum maior que 126 (em pelo menos duas medidas, em dias diferentes) ou com teste de tolerância à glicose acima de 200 são considerados portadores de diabetes.

De olhos bem abertos
Para Fernando Roboredo, a retinopatia diabética foi um choque;Ao receber o diagnóstico, a pessoa nega a doença, não aceita que está com diabetes e não se cuida. Só assume o problema quando aparecem as complicações;, afirma o funcionário público Fernando Roboredo, 42 anos. Como uma pessoa na casa dos 40 anos, sentiu a visão turva, pensou que era vista cansada e procurou um oftalmologista. O especialista foi enfático: você não tem problema de visão; você corre o risco de ficar cego pois está com retinopatia diabética no olho esquerdo.

Fernando reconhece o seu descuido: ;O diagnóstico foi feito em 2006, mas não levei muito a sério;.
Com o risco de ficar cego, a situação mudou. ;Tomo diariamente a medicação para estabilizar as taxas de glicose, estou me exercitando e tentando evitar massas e alimentos gordurosos;, diz Fernando, fanático por pizza e churrasco. ;Preciso mudar o meu estilo de vida e ensinar hábitos saudáveis aos meus dois filhos;, garante. Depois do susto, a visão está boa. Em maio, ele fez aplicação de laser nos dois olhos. E no esquerdo recebeu a injeção do medicamento Lucent para reparos na retina. O custo foi alto. A terapia com o Lucent custa em torno de R$ 3 mil a R$ 4 mil e ele precisou negociar o custeio pelo plano de saúde.

O homem de aço
Mesmo com diabetes, Jean Floriani mantém os treinos de triatlo: glicemia sob controleNadar 3.800 metros no mar, em seguida pedalar 180km em bicicleta e finalizar com uma maratona de 42km. Essas são as metas do triatleta Jean Floriani, 36 anos, participante das provas do Ironman desde 2010. Para atingir o seu objetivo, ele treina diariamente. Tudo seria muito fácil se Floriani não tivesse que enfrentar obstáculos nesse percurso: ele é portador do diabetes tipo 1, ou infantil, o que necessita de injeções diárias de insulina.

A doença foi descoberta em 1999, quando ele cursava a faculdade de educação física. ;Os sintomas, excesso de sede, urina excessiva e visão turva, surgiram de repente e precisei ser internado;, conta o triatleta e empresário. Floriani sempre gostou de esportes e quando se iniciou no triatlo passou por alguns momentos de descontrole da glicose. Em 2007, porém, começou a se consultar com uma endocrinologista que mudou seu tratamento. ;Eu fazia medições apenas umas quatro vezes por semana, agora faço os testes várias vezes ao dia e sempre antes de iniciar um treino;, conta.

Outra medida foi cuidar melhor da alimentação e abandonar os excessos. Segundo Floriani, o diabetes não compromete seu desempenho. ;Quando estou com a glicemia controlada, minhas condições são iguais aos de um não diabético;, garante.

PARA SABER MAIS
; Há dois tipos de diabetes, além do gestacional: o 1, de nascença e a tipo 2, adquirido. O tipo 1, conhecido como diabetes mellitus, caracteriza-se pela dependência da insulina. O tipo 2 surge como consequência de uma produção insuficiente de insulina ou resistência do organismo à sua ação.

; O diabetes tipo 1 é diagnosticado em geral durante a infância enquanto o 2 se desenvolve ao longo da vida madura, e está geralmente associado à obesidade, sedentarismo, dislipidemia e hipertensão arterial. O tratamento envolve educação alimentar, exercício físico regular, algumas vezes medicamentos e o autocontrole das taxas de açúcar no sangue. O gestacional, afeta mulheres grávidas e desaparece depois do parto. Essas pacientes podem desenvolver a do tipo 2 no futuro.

; Quando a doença está sem controle e tratamento, o paciente pode apresentar muita sede, aumento da vontade de urinar, muita fome, má cicatrização de ferimentos, cansaço e má circulação das pernas. Para controlar a doença, os médicos recomendam o uso de insulina, quando necessário, e de medicamentos para controlar a taxa de glicose. Os pacientes também devem adotar a prática regular de atividades físicas e adotar uma dieta isenta de açúcar e pobre em gordura e carboidratos (arroz, batata, macarrão, pizza, mandioca)
Fonte: Sociedade Brasileira de Diabetes

Promessa de cura
Em duas décadas, dobrou o número de diabéticos no mundo. Só uma mudança no estilo de vida das pessoas pode frear o avanço da doençaOs endocrinologistas garantem: o diabetes não tem cura. ;É possível controlar a evolução da doença e evitar complicações;, afirma o médico João Lindolfo Borges, pesquisador e professor da Universidade Católica de Brasília. Mas há quem pense diferente e publique as suas ideias. É o caso do doutor Gabriel Cousens, autor do livro A cura do diabetes pela alimentação viva, da Editora Alaúde. Cousens defende que muitos dos problemas de saúde que acometem a atual sociedade poderiam ser evitados com a adoção de uma dieta restritiva, à base de alimentos de origem orgânica e vegetal.

O método revelado nas páginas é o Programa de 21 Dias do Tree of Life. ;O objetivo é baixar os níveis de açúcares no organismo de pessoas que sofrem de diabetes do tipo 1 e 2 em até 80%, mediante uma dieta orgânica, vegana, rica em sais minerais, com pelo menos 80% de alimentos vivos e com 15% a 20% de gorduras vegetais apenas (sem gordura animal);, afirma Cousens. A dieta é ainda rica em fibras, pobre em glicose e insulina, bem hidratada e individualizada.

Numa primeira fase, Cousens aplicou o programa em 11 pessoas portadoras de diabetes. A ideia era esperar que as pesquisas avançassem. Mas, em virtude dos excelentes resultados obtidos com os primeiros pacientes, o médico decidiu escrever o livro. A publicação traz 85 receitas elaboradas segundo os princípios da alimentação viva e vegana. São sugestões de entradas, saladas (incluindo os molhos), sopas, biscoitos e pães, queijos, cereais e sobremesas, além de orientações sobre como montar o cardápio ideal. No café da manhã, por exemplo, Counsens ensina que é preciso optar entre uma salada, uma sopa ou um suco de vegetais. A recomendação, para os primeiros sete dias, no entanto, é para que se ingira um copo de suco verde em jejum. Para o lanche da manhã e o da tarde, está liberada a ingestão de meio litro de suco de vegetais. No almoço, salada ou sopa, guarnecida de uma opção de entrada e biscoitinhos com patês. E, completando o ciclo do dia, o jantar, que, basicamente, segue o mesmo princípio do almoço.

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