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Memória de tecido

Museus do mundo todo abrigam vestimentas e acessórios em seus acervos. O advento de casas e galerias específicas para a exposição de peças de moda está criando um novo tipo de turismo

postado em 22/07/2011 22:29
Quanto vale a jaqueta que Michael Jackson usou em Thriller? Quem a arrematou acha que US$ 1,8 milhão está de bom tamanho
Quem gosta de moda fica de olho nas vitrines, certo? Não necessariamente. Hoje em dia, os fashionistas, além de visitar lojas de roupas, frequentam livrarias, cinemas e até museus para descobrir novidades. A indústria e as escolas de moda estão se organizando e criando um acervo interessante, que abrange do século 18 à produção contemporânea. Roupas icônicas, documentos importantes, imagens históricas e uma vastidão de acessórios emblemáticos. Esse material tem sido analisado e usado nos mais diversos formatos para contar a história da moda no Brasil e no mundo.

Essa catalogação transformou a roupa em uma moeda de troca. E muito valiosa por sinal, com preços semelhantes aos de obras de arte. O vestido branco usado por Marylin Monroe no filme Quanto mais quente melhor, por exemplo, foi vendido no mês passado por US$ 4,6 milhões ; cifra que o transforma no vestido mais caro da história. Em outro leilão, a jaqueta vermelha de Michael Jackson usada na gravação do clipe Thriller saiu por US$ 1,8 milhão. Já o chapéu triangular nude da princesa Beatrice, usado este ano no casamento do Duque e da Duquesa de Cambridge, foi arrematado no eBay por US$ 130 mil, quase uma pechincha. Todos esses itens são parte do imaginário coletivo e, eventualmente, estarão disponíveis para apreciação em algum museu.

Um ícone para todo o sempre: vestido usado por Marilyn Monroe é hoje o mais caro do mundo
;A moda é parte da nossa cultura, ela nos ajuda a entender a identidade do nosso tempo. Fazer um registro escrito ou documental nos ajuda a descobrir quem fomos, quem somos e para onde vamos como sociedade;, explica João Braga, historiador de moda. No Brasil, ainda estamos na fase de coletar material e organizar, mas, nos Estados Unidos e, principalmente, na Europa, já há livros, museus e filmes que fazem um registro precioso da história antiga e contemporânea da moda. Esse material acabou ganhando importância, influenciando diretamente o mercado fashion. Desde o surgimento de tendências até a reestruturação de marcas famosas.

É o caso da mostra The golden age of couture: Paris and London 1947 ; 1957, organizada pelo museu Victoria and Albert no fim de 2007. A exposição tinha uma série de vestidos do Christian Dior da época do new look: saias rodadas de cintura marcada. O estilista Marc Jacobs foi à exposição e fez uma pesquisa intensa sobre a vida do estilista. Quando lançou a coleção de inverno da Louis Vuitton, em março de 2010, Marc colocou um monte de vestidos rodados e cinturados. Surgia assim o revival dos anos 1950, que dominou as passarelas até recentemente. Foi também por conta de uma exposição que a marca Mugler reapareceu. A grife do estilista Thierry Mugler estava inativada desde os anos 1990. Uma roupa sua foi colocada na exposição Superheroes: Fashion and fantasy, organizada pelo The Costume Institute. A cantora pop Beyoncé viu a peça e foi atrás do aposentado Mugler. Ele criou 72 figurinos para Beyoncé e para os músicos e bailarinos que a acompanham. Com o sucesso das roupas, Mugler decidiu reativar a sua maison, colocando Nicola Formichetti, o stylist da Lady Gaga, à frente da criação.

Beyoncé se encantou com uma peça de Thierry Mugler vista em uma exposição. Resultado: o estilista retornou à atividade e produziu uma coleção inteira para a cantora e seu staff
Ainda muito recente, a história da moda brasileira não tem exercido influência direta nas passarelas. Faz apenas 15 anos que temos um calendário de eventos organizado. A bibliografia sobre a moda no Brasil vem surgindo aos poucos, para suprir a falta de texto nos cursos das faculdades especializadas. Há um crescente número de dissertações sobre o assunto, mas, fora do ambiente, acadêmico, são poucas as obras de fôlego, com ambição de traçar um panorama abrangente da indumentária em nosso país. ;Essa falta de registro histórico atrasa um pouco a formação da nossa identidade de moda. Consequentemente, dificulta a nossa inserção no mercado exterior. Para vender um produto que seja a cara do Brasil, precisamos saber quem somos;, analisa João Braga.

Um acervo estruturado facilitaria a busca por referências e o processo criativo dos estilistas. Nele, poderiam constar as mais diversas peças, desde os vestidos de Carmen Miranda, passando pelas vestimentas dos escravos, até uma roupa da última coleção de Alexandre Herchcovitch. O mercado editorial é primeiro a se lançar nesse nicho. Além de livros, já temos alguns documentários que reconstituem essa trajetória e, agora, há um movimento para se criar um museu da história da moda no Brasil.

;Todos esses projetos são antigos, mas só agora o país está economicamente estável e querendo investir nas áreas de criação;, explica João Braga. Por muitos anos, a ideia era fazer o tal museu em São Paulo. Mas o projeto acabou sendo adiado diversas vezes por falta de verba. No último Fashion Rio, Paulo Borges, diretor criativo do evento, anunciou que um museu de moda brasileiro seria montado na Casa da marquesa de Santos, no Rio de Janeiro. Para divulgar o projeto, Paulo Borges montou uma pequena exposição entre as salas de desfiles. Ele trouxe um quadro da marquesa ; célebre amante de Dom Pedro I ; e outros objetos icônicos da moda brasileira, como um chapéu do Chacrinha, a meia de lurex usada na abertura da novela Dancing days e uma roupa de Carmen Miranda.

Panorama brasileiro
Museus do mundo todo abrigam vestimentas e acessórios em seus acervos. O advento de casas e galerias específicas para a exposição de peças de moda está criando um novo tipo de turismoA mais nova empreitada para fazer um registro da moda brasileira partiu do jornalista de cultura Luís André do Prado, um dos autores do livro História da moda no Brasil: das influências às autorreferências (Pyxis Editorial). Ele sempre foi amigo de profissionais que trabalhavam com moda e começou a sentir falta de bibliografia. Quando estava fazendo a biografia sobre a atriz Cacilda Becker, conheceu alguns estilistas que vestiram ela e a pesquisa, naturalmente, se expandiu. O passo seguinte foi convidar o professor de história da moda João Braga para assessorá-lo na empreitada.

A ideia inicial era falar sobre a moda e a indumentária desde o descobrimento do Brasil até os dias de hoje. Mas a pesquisa ficou tão extensa que eles acabaram limitando o recuo no tempo, abrangendo do Império em diante. A dupla reuniu fotos, videos e depoimentos de personalidades e especialistas. A grande jogada do livro, porém, foi contextualizar os fatos de moda com a realidade cultural, política e social de cada período. Assim, o livro esmiuça, por exemplo, a Primeira República, a Era do Rádio e os Anos Dourados.

Com o livro foi lançado um documentário, editado a partir das pesquisas realizadas pela dupla. Esse material também vai ser organizado e montado como um museu virtual. Faz parte dos planos ainda um segundo volume, dessa vez com material que remonta à chegada das caravelas portuguesas no continente.


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