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Bolo é melhor que sexo?

Sob o lema cake is better than sex, grupos de pessoas que se dizem assexuadas se reúnem em fóruns na internet para discutir a polêmica opção. Alguns até namoram, mas sem ter contato mais íntimo

postado em 12/08/2011 12:27

Sob o lema cake is better than sex, grupos de pessoas que se dizem assexuadas se reúnem em fóruns na internet para discutir a polêmica opção. Alguns até namoram, mas sem ter contato mais íntimoO desabafo aliviado de Pocky, como a japonesa se identifica, foi postado num fórum do site da Asexual Visibility and Education Network (algo como rede de educação e visibilidade assexual, em português), mais conhecida como AVEN. Pocky e os demais 30 mil participantes do fórum da AVEN se consideram assexuados ou têm parentes ou amigos que assim se identificam. Por isso, estão em busca de mais informações. Tópicos como o dela, em que as pessoas se apresentam e contam um pouco sobre sua experiência ; ou falta dela ; com o sexo são maioria no fórum. Somam mais de 10 mil, com cerca de 100 mil respostas de seus integrantes, quase todas dando as boas-vindas, dizendo que é bom ter a pessoa na comunidade e oferecendo um pedaço de bolo.

O bolo, ali, tem um significado que vai além de camadas açucaradas, recheio e calda de chocolate. Sob o slogan de ;cake is better than sex; (ou, em português, bolo é melhor do que sexo), os assexuados têm se organizado na rede desde o início dos anos 2000, quando David Jay, na época com 19 anos, fundou a AVEN com o intuito de reunir informações sobre seus pares avessos a sexo e criar um ambiente, mesmo que virtual, em que todos pudessem falar abertamente sobre o assunto, identificarem-se uns com os outros e dividirem seus pedaços de bolo sem enfrentar olhares de reprovação da família ou de amigos. Antes disso, David, incomodado com a sua ;adolescência tardia;, encontrava conforto nas discussões do que deve ter sido a primeira comunidade virtual de assexuados, a Heaven for Human Amoebas (o paraíso das amebas humanas), cujo nome vem justamente do tipo de reprodução das tais amebinhas.

Em tempos de pílulas que prometem libido infinita para homens e mulheres, um grupo que se une e levanta a bandeira da abstinência pode soar quase como uma piada. Mas, para eles, assexualismo nada tem a ver com comédia e, mais do que isso, não é uma questão de escolha, e sim uma orientação sexual, assim como gay, lésbica, bissexual. Baseados nisso e munidos de cartazes que dizem ;LGBTA; e ;it;s ok to be A; (algo como ;tudo bem ser assexuado;), eles têm saído às ruas em passeatas e paradas gays gritando por atenção e pedindo reconhecimento por parte da comunidade gay. A ideia tem até boa aceitação, mas, como tudo o que é polêmico, não poderia passar ilesa pelos mais radicais, que argumentam que, se orientação sexual tem a ver com sexo, obviamente quem não está ligando muito para ele não pode se dizer exatamente orientado a nada.

O assunto só recentemente começou a chamar a atenção de acadêmicos. Aos poucos, estudos de psicólogos e sociólogos, em sua maioria, têm tentado entender qual é, afinal, a alavanca que desliga completamente em uma pessoa o desejo por sexo. Um dos nomes pioneiros no assunto é o psicólogo Anthony Bogaert, professor da Brock University, no Canadá, e especialista em sexualidade humana. Em 2004, Anthony publicou um estudo no qual definiu assexualidade como ;uma falta de atração sexual por qualquer dos sexos, e não necessariamente falta de comportamento sexual;. Em outras palavras, não é porque uma pessoa não gosta de sexo, que não faça sexo. Mas ela pode fazer simplesmente para agradar o parceiro ou sozinha, na masturbação, como quem alivia uma necessidade fisiológica. Mais ou menos como fazer xixi, eles dizem.

Durante a pesquisa, Anthony entrevistou cerca de 18 mil participantes sobre seus hábitos sexuais, orientação, desejos e tudo o mais. Desses, 195 marcaram no questionário a opção que dizia que nunca nessa vida tinham sentido atração sexual por ninguém, o que deu aos chegados em estatísticas o primeiro número com algum embasamento científico sobre o assexualismo no mundo: uma em cada 100 pessoas vive bem sem sexo. Ou, pelo menos, sem sexo com um parceiro. ;O corpo de um assexuado tem as mesmas respostas a estímulos que o de outras pessoas. Só que, quando essa resposta existe, ela é autodirecionada, e não está associada a nenhum parceiro;, tenta explicar a socióloga Elisabete Oliveira, doutoranda no assunto pela Universidade de São Paulo.

Além dessa primeira subdivisão entre quem curte masturbação e preliminares e quem não quer nem ouvir falar, assexuados têm outros tipos de classificações usadas nas apresentações que fazem de si mesmos nos fóruns: românticos e arromânticos, e homossexuais, heterossexuais ou bissexuais. Um assexuado romântico, por exemplo, está aberto a relacionamentos, desde que sexo não esteja no pacote. Beijar na boca, curtir um cinema, um vinho e deitar num gramado para admirar as estrelas, tudo bem. Já a segunda classificação serve para dizer com quem ele gostaria de compartilhar tudo isso. É quase simples. ;Um assexuado pode ser também gay ou lésbica;, resume Elisabete. Portanto, para esse grupo, amor e sexo estão separados não por um fio, mas por um enorme muro de concreto. ;Existe uma diferença clara entre atração romântica e sexual;, argumenta Anthony Bogaert, autor do tal estudo. ;Você pode estar muito atraído por alguém no sentido romântico da coisa, sem sentir nenhuma atração sexual.;

Distúrbio ou opção?
Sob o lema cake is better than sex, grupos de pessoas que se dizem assexuadas se reúnem em fóruns na internet para discutir a polêmica opção. Alguns até namoram, mas sem ter contato mais íntimo

A discussão é ampla, as respostas são muitas e, por enquanto, parecem apontar para todas as direções ao mesmo tempo. Mas uma questão importante, segundo o psiquiatra Alexandre Saadeh, especialista em transtornos sexuais e membro do Projeto Sexualidade, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo, é diferenciar a assexualidade natural da assexualidade como sintoma de um problema maior. Ou seja, saber quando ela é, na verdade, um sinal de que outras coisas não vão bem. ;Muitas vezes, a assexualidade é um sintoma a mais dentro de um quadro psiquiátrico, como transtornos de personalidade, depressão ou esquizofrenia;, aponta. Nesses casos, tratando o problema principal, a vida sexual tende a voltar aos eixos.

Um caso típico de transtorno que vira e mexe é taxado de assexualidade é o Desejo Sexual Hipoativo, mais conhecido como DSH, que se caracteriza pela baixa ou ausência total de desejo erótico e que atinge principalmente mulheres. Para a psicologia, o comportamento sexual se divide basicamente em três fases: desejo, excitação e orgasmo. O DSH afeta a primeira fase e, por isso, acaba comprometendo todas as outras e pode ter origem hormonal, psicológica ou, por consequência, de uso de medicamentos. Isso, segundo o psicólogo Ralmer Rigoletto, poderia explicar, por exemplo, por que as estatísticas sobre assexualidade pendem mais para o lado das mulheres. ;Na verdade, existem mais mulheres com DSH e que não sabem que sofrem da disfunção. A confusão é comum. Ainda assim, não se pode descartar as questões culturais, educacionais e religiosas que interferem no comportamento.;

Relativamente comum também, de acordo com os especialistas, é a falta de apetite sexual quando o sexo, para a pessoa, está ligado a algum medo específico. Pode vir de um trauma, como abuso sexual na infância ou estupro, ou de outros fatores, como uma gravidez indesejada ou o medo de contrair alguma doença sexualmente transmissível. Luciana, por exemplo, não esconde que esses receios pesam na sua sexualidade. O risco de a camisinha estourar e trazer de brinde uma criança faz a escritora arrepiar. ;Minha vida já é bastante complicada sem sexo. Imagine então com ele. Acidentes acontecem.;

Japão já encara como problema
Seja lá qual for a origem, fato é que a falta de interesse sexual já tem causado dor de cabeça por aí. No Japão, terra de Pocky, a garota assexuada que foi apresentada no início da reportagem, o governo anda preocupado com a não renovação de sua população. Tudo porque, ao que parece, seus jovens resolveram ir na contramão do mundo e não andam lá muito interessados em sexo. Uma pesquisa divulgada no início deste ano pelo Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar japonês revelou que mais de um terço ; 36%, precisamente ; dos japoneses com menos de 20 anos se diz pouco interessado ou enojado pelas relações sexuais. O estudo foi feito com 3 mil jovens entre 16 e 19 anos que se descreveram como ;indiferentes ao sexo;. Esses jovens casais com vida sexual pouco agitada são os chamados ;herbívoros; por lá.

;A assexualidade parece ser vivenciada desde os primeiros anos de vida. Não é algo que possa mudar com o tempo;, argumenta o psicólogo Anthony Bogaert. Assim, em tese, nada de errado com a opção dos herbívoros da Terra do Sol Nascente em deixarem a vida sexual em segundo plano mesmo no período de sua vida em que a libido deveria estar saindo pelos poros ; exceto pela questão populacional do país. No entanto, a quantidade de adolescentes e pré-adolescentes saindo do armário como assexuais nas redes sociais dedicadas ao tema tem deixado alguns especialistas um tanto reticentes. ;Quando se fala de adolescência, toda afirmação categórica pode ser considerada precipitada, porque muito ainda vai acontecer em termos de experiência e descobertas;, salienta o psicólogo Ralmer Rigoletto, especialista em saúde sexual.

Além disso, esconder-se sob o assexualismo pode ser uma espécie de fuga de uma situação com a qual o jovem não sabe ainda como lidar. ;Muitas vezes um rótulo pode servir como máscara para esconder dificuldades com o sexo, comuns nessa idade;, complementa Alexandre Saadeh, do Hospital das Clínicas. Como conseqüência, a maioria desses jovens não vai manter a etiqueta de assexual na testa até chegar à fase adulta, segundo acredita Rigoletto. ;E é natural. Arrisco dizer que muitos deles nem vão precisar de ajuda profissional para isso;, conclui o especialista. Até lá, haja bolo.

A arte imita a vida
A assexualidade já foi abordada algumas vezes na ficção, ainda que de forma velada, em personagens que não demonstram lá muito interesse na coisa.
Sob o lema cake is better than sex, grupos de pessoas que se dizem assexuadas se reúnem em fóruns na internet para discutir a polêmica opção. Alguns até namoram, mas sem ter contato mais íntimo


Sob o lema cake is better than sex, grupos de pessoas que se dizem assexuadas se reúnem em fóruns na internet para discutir a polêmica opção. Alguns até namoram, mas sem ter contato mais íntimo

Sob o lema cake is better than sex, grupos de pessoas que se dizem assexuadas se reúnem em fóruns na internet para discutir a polêmica opção. Alguns até namoram, mas sem ter contato mais íntimo


Assexualidade on-line
A internet é um grande e importante ponto de encontro de assexuados e curiosos do mundo inteiro em blogs e fóruns dedicados exclusivamente ao tema.

AVEN
www.asexuality.org
O site da Asexual Visibility and Education Network tem espaço para tira-dúvidas de novatos e amigos ou parentes de assexuais, informações sobre pesquisas e um fórum, onde os recém-assumidos recebem as boas-vindas, participam de jogos, como o ;melhor que sexo;, discutem a assexualidade e desabafam as dúvidas e dificuldades.

Refúgio Assexual
www.assexualidade.com.br
O site é quase uma versão brasileira da página da AVEN, com informações, dúvidas mais comuns aos assexuais e fórum com tópicos variados sobre o assunto.

Asexy Beast
www.theonepercentgroup.blogspot.com
Identificada como Ily, a autora é uma jovem moradora da Califórnia, nos Estados Unidos. No blog, Ily conta experiências, divulga fotos de encontros da AVEN e aborda temas não relacionados à sua assexualidade, como a escolha da carreira.

Assexualidades
www.assexualidades.blogspot.com
O blog em português é assinado pela socióloga Elisabete Oliveira, doutoranda no tema pela Universidade de São Paulo. Discute a assexualidade de forma um pouco mais distante, a partir principalmente de pesquisas acadêmicas já publicadas.

Asexual Curiosities
www.asexualcuriosities.wordpress.com
Assinado por um garoto inglês de 20 anos, o blog funciona como uma espécie de diário com experiências pessoais e discussões sobre assexualidade.

Eu, assexuado
O que rola nas comunidades e fóruns na internet sobre assexualidade? Protegendo as identidades, coletamos algumas confissões e impressões deixadas no mundo virtual.

;Apenas não gosto de sexo. Não me imagino com um homem me penetrando! Não gosto das posições, do cheiro nem dos sentimentos que se têm quando se faz sexo.;

;Sexo para mim é um ato abaixo da condição humana, coisa animalesca, repugnante.;

;Sexo não me faz falta. Já namorei algumas vezes e tive relacionamentos longos, mas fazer sexo era uma coisa horrível. Não é nojo, nem nada. Mas, para mim, não quero.;

;Se eu pudesse tomar uma pílula e voltar a ser quem eu era, tomaria. Acho que me sentia muito mais vivo quando tinha libido. Não tenho problemas hormonais ou biológicos, então talvez a vida tenha apenas sugado toda a libido de mim.;

;Não entendo por que algumas mulheres enlouquecem se os maridos não transam com elas pelo menos uma vez por semana. Sempre quis envelhecer com alguém, só que não na cama.;

;Passei a maior parte da minha vida vendo, lendo e ouvindo sobre sexo, mas nunca tive muita vontade de experimentar. Não era um problema até a faculdade, quando comecei a namorar e percebi que sexo era algo esperado.;

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