Revista

Trottoir cibernético

A internet mudou a profissão mais antiga do mundo. Garotas se exibem e são avaliadas como mercadorias na web. Sentem-se mais seguras no mundo virtual, mas não estão livres da violência

postado em 02/09/2011 10:13

Carolina Samorano / Especial para o Correio

É uma quinta-feira, o relógio não marca nem 17h e a sala de bate-papo tem 101 participantes. ;A., se eu for a São Bernardo do Campo, não volto mais. Fico aí com você;, derrete-se um dos usuários. A. é uma das garotas que se exibem pela webcam no chat virtual, parte de um fórum na internet especializado em avaliar o desempenho de garotas de programa. ;A., mostra os seios;, pede outro participante.

Outras meninas revezam a atenção dos marmanjos na webcam. A maioria, garotas de programa em busca de fidelizar uma parte de sua clientela ou de pelo menos arrebanhar uns novatos. No fórum no qual o chat está hospedado, centenas de moças como Ana colecionam resenhas em tópicos com seus nomes, organizados por estado e cidade, todos com telefone e valor cobrado no título do tópico. As mais populares chegam a acumular até 300 resenhas, com riqueza de detalhes. Se a garota corresponde às fotos publicadas na internet, se cumpre o que promete, se faz sexo oral, anal, com ou sem camisinha, se é simpática, se atende ao telefone durante o programa, se conta as horas para se despedir do cliente. As experiências são chamadas pelos usuários de TDs ; test-drives ; e azar o da menina que somar mais TDs negativos do que positivos. Acabam numa black list criada e alimentada pelos usuários do fórum. A performance ao vivo na webcam é só uma maneira de ganhar mais popularidade entre eles.

;Vamos ao TD. Menina baixinha, aparenta seus 24 anos, olhos castanhos, peitos turbinadíssimos, bunda bonitinha, cabelos loiros tingidos;, descreve um dos usuários do fórum, com um currículo de mais de mil mensagens postadas em quatro anos de registro. ;Fui pensando que era um mulherão, mas ela é mignon. Atende num flat discreto, de short e blusinha, com jeito de menininha;, continua, antes de partir para detalhes bem mais picantes do seu encontro com a menina testada e, no caso, aprovada. A maioria das resenhas passa por minúcias do programa. Alguns discorrem o encontro em longos textos, outros preferem critérios mais objetivos, como notas de 1 a 10 em tópicos como ;bunda;, ;seios;, ;rosto;, ;sexo oral;, ;sexo anal; e por aí vai.

Fóruns de discussão como esse viraram espécies de catálogos para um público que usa de critérios elevadíssimos para julgar a qualidade do serviço pelo qual, com alguma frequência, pagam para receber. É só logar, escolher a cidade, a faixa de preço, o tipo (alta, baixa, magrinha, curvas generosas, com ou sem camisinha) e marcar o encontro pelo telefone. Assim como o graduado usuário do fórum e seus semelhantes puderam dar adeus àquela esticada nas chamadas ;zonas;, a exibida da webcam e outras companheiras de profissão fazem parte de uma geração que mal sabe o significado da expressão ;fazer ponto;. Ao que parece, nos últimos anos, a ocupação tida como a mais antiga do mundo encontrou também seu espaço na world wide web. Para eles, a garantia de que o serviço solicitado não vai deixar a desejar. Para elas, a vantagem de conseguir angariar um número muito maior de clientes sem espremerem-se em vestidos curtos pelas esquinas ou submeterem-se à cafetinagem. Do conforto do lar, munidas de um computador pessoal, cobram quanto querem sem dever nada a ninguém ; nas mãos de cafetões, as meninas chegam a abrir mão de até 60% do valor cobrado no programa, que ficam com o seu agenciador.

Em fevereiro último, uma pesquisa divulgada pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, revelou que, por alto, cerca de 83% das profissionais do sexo hoje conseguem pelo menos uma boa parte de seus clientes via Facebook. O responsável pelo estudo, o sociólogo Sudhir Venkatesh, passou 10 anos debruçado sobre a prostituição de Nova York para chegar a tal conclusão. Para se ter uma ideia da tomada da internet pela prostituição, há oito anos, a mesma porcentagem valia para as formas mais tradicionais: ruas, hotéis e casas fechadas. Em 2007, uma pesquisa feita pela polícia sul-coreana concluiu que a internet já era a principal responsável pela prostituição juvenil no país ; 96% dos jovens presos vendendo seus corpos tinham usado a internet para atrair a clientela. Bares, cafés e cafetões ficaram com os 4% restantes.

;É o que podia se esperar de um mundo contemporâneo;, resume a psicóloga Maria Alves Bruns, líder do grupo de estudos Sexualidade e Vida e autora do livro Garota de programa: uma nova embalagem para o mesmo produto. Para ela, a tomada da internet pelas garotas é o resultado de um processo de independência que vem ocorrendo desde os anos 1980, quando a figura do cafetão começou a perder força. Se antes era ele quem atraía o cliente até a garota e, ao mesmo tempo, protegia-a de ciladas, como violência, a internet hoje exerce a mesma função. ;Ali, ela tem acesso a um outro tipo de cliente, muitas vezes de nível social e econômico mais elevado;, pontua a especialista. Ao mesmo tempo, a troca de informações entre elas por meio dos blogs e mesmo nos fóruns, em áreas reservadas, acaba criando uma espécie de arquivo de clientes caloteiros e violentos, o que as deixa prevenidas contra alguns tipões. ;Mas o processo é natural. Essa socialização é própria e seria inocência imaginar que a prostituição ficaria de fora. Ela vai se mantendo pelas brechas que a sociedade oferece;, conclui Bruns.

A violência, no entanto, acaba tomando outras formas quando o assunto é sexo na internet. Em 2009, Dave Elms, fundador de um dos maiores fóruns virtuais de acompanhantes, o The Erotic Review, acabou preso depois de ser flagrado extorquindo sexo de meninas em troca de impedir a publicação de críticas ruins a seu respeito no site. Em um dos maiores fóruns especializados do Brasil, existe um tópico dedicado somente a dedurar foristas suspeitos de praticar o mesmo tipo de malandragem. Alguns chegam à ousadia de dizer que não se importam em enaltecer no fórum o desempenho da menina assediada, desde que ela lhe pague a modesta quantia de R$ 100.

Satisfação garantida ou;
Cadelão ; é assim que ele assina suas resenhas ; está no fórum há pouco menos de um ano. Chegou depois de procurar um lugar em que pudesse desabafar um estresse causado por um ;mal atendimento;. ;Fui bem atendido no telefone e pensei que ia me dar bem;, conta. ;Só que no meio do ;rala e rola; o telefone dela não parava de tocar e ela sempre atendia. Cortou o clima.; Se tivesse topado com o fórum antes de fechar o encontro com a moça, no entanto, isso provavelmente não teria acontecido. Atender ao telefone no meio da transa ali é falta grave, e quase sempre resulta em um TD negativo. Por isso, lendo as impressões dos colegas foristas antes de pegar o telefone para marcar o programa, fica mais fácil saber que o investimento na menina não vai ser em vão, ele diz. ;Ir com indicação é mais fácil. Nem procuro em outros lugares, tipo jornais. É um tiro no escuro.;

As indicações, no caso, geralmente são postadas num português tão cheio de palavrões, gírias e abreviações, que parece mais uma língua própria, inventada pelos foristas. O escracho, no entanto, é levado a sério pelos mais assíduos. ;Encaro como uma espécie de resenha de serviços profissionais. Ali, temos como estimar se uma relação custo-benefício compensa, como em uma relação profissional qualquer, de um restaurante, uma loja, um médico;, avalia outro forista, identificado como Paniscus. O moço é novato, chegou há dois meses, da mesma forma que a maioria ali: pesquisando num site de buscas impressões sobre algumas meninas. ;É preciso um pouco de crítica sobre o que está escrito por lá;, pondera o usuário. ;Antes de fazer a resenha, procuro levar em conta o lado da garota também. Tem casos de programas medianos que na segunda ou terceira tentativa melhoram consideravelmente. Às vezes, só não era um dia bom.;

Tem quem leve em conta a diversidade de serviços oferecidos pelas meninas e os que observam higiene, discrição ; perde ponto, por exemplo, a menina que atender num apartamento em que visitantes precisam se identificar na portaria ; ou beleza. ;Acho que, principalmente, ela tem que estar preocupada em satisfazer o cliente;, opina Paniscus. ;Gosto de verificar se tanto a menina quanto o espaço físico são asseados, se usa camisinha e tal. Não sou do tipo que faz questão de quesitos como beijo na boca e sexo oral sem camisinha, como uma boa parte.;

Fóruns como os que Paniscus e Cadelão buscam suas acompanhantes acabaram virando objeto de estudo do físico brasileiro Luis Rocha, da Universidade de Umea, na Suécia. Luis achou que observar as discussões dos fóruns seria a forma mais eficaz de estudar a propagação de doenças sexualmente transmissíveis. Isso porque, segundo ele, focar as atenções no que os usuários diziam sem atrapalhar a dinâmica do site parecia muito mais eficaz do que sair perguntando às pessoas sobre seus parceiros sexuais e o uso de preservativos, o que, além de mais trabalhoso e custoso, poderia gerar respostas mentirosas. ;Nos fóruns, os usuários disponibilizam espontaneamente esse tipo de informação;, resume. Mapeando clientes e acompanhantes ; mais de 16 mil ;, Rocha chegou à conclusão de que, na verdade, essa comunidade tem poucas chances de contribuir para uma epidemia de HIV. No entanto, descobriu outra coisa interessante. ;É o que chamamos de bola de neve;, explica o físico. ;As acompanhantes que recebem boas notas, tendem a atrair mais clientes e, consequentemente, novos clientes satisfeitos tendem a dar melhores notas para as respectivas acompanhantes, o que atrai novos clientes. Já meninas com notas ruins não tinham mais respostas seguidas, o que indicava que não haviam conseguido novos clientes;, detalha.

Querido diário
O último post avisa sobre um sorteio imperdível para quem comparecer ao chat ; o mesmo do início da reportagem ; às 20h30. ;Metade do preço ou o dobro do tempo. Espero vocês lá;, ela avisa. Geralmente, uma hora com L.D., a dona do blog, sai por R$ 300. Quem for contemplado no sorteio, no entanto, paga só R$ 150. L. tem 24 anos, cinco como acompanhante, dois deles angariando a clientela pela internet. Além das resenhas no fórum, ela mantém um blog, no qual publica fotos e conta sobre os encontros com seus clientes, que ela carinhosamente chama de ;namoradinhos;. Ao todo, já conta 1,8 mil visitas por dia no diário virtual, muitos de namoradinhos curiosos para saber o que ela tem a dizer sobre o último encontro. ;Muitos pedem para eu escrever o que achei!”, diz. ;Lá, consigo divulgar melhor meu trabalho, além de poder conversar melhor com os clientes antes de marcarmos um encontro. Muitos acabam virando amigos virtuais.; Mesmo que boa parte da clientela chegue até ela por meio do blog, ela não nega que, vez ou outra, pede uma avaliação positiva nos fóruns para os clientes mais íntimos. ;Antes eu não ligava para isso, mas percebi o quanto é importante ser bem falada nessas comunidades;, reconhece.

A maioria das garotas que atende em flats, tem perfis em redes sociais e tópicos nos fóruns cobra entre R$ 150 e R$ 300, até 10 vezes mais do que as poucas meninas das ;zonas; que contam com resenhas nos fóruns. ;Essas meninas geralmente têm acesso a academias de ginástica, não economizam em cirurgias estéticas, investem em produções fotográfica. É um padrão muito diferente do que aquele que você encontra nas ruas, nas meninas chamadas de ;baixas meretrizes;;, analisa o sociólogo Rogério Araújo, autor de Prostituição ; Artes e manhas da profissão. E, por padrão, entenda tanto de beleza quanto de conforto e clientela, segundo Araújo.
L.M., uma das acompanhantes mais populares nos tópicos de Brasília, mantém perfil em seis sites diferentes de garotas da cidade, cada um deles custando entre R$ 200 e R$ 1 mil por mês. Fora isso, também alimenta um blog, muito mais com fotos sensuais e discussões sobre técnicas de massagem e sexualidade na terceira idade, por exemplo, do que relatos minuciosos sobre os encontros com seus clientes. ;Esse tipo de coisa ;Bruna Surfistinha; já ficou batido;, justifica. As fotos, feitas por um profissional, precisam ser atualizadas de tempos em tempos, porque ;foto nova atrai mais gente;. Além de tudo isso, L.M. divide com outras duas meninas o aluguel de um apartamento em área nobre para receber a clientela com conforto.
A garota fica de olho em tudo o que pipoca sobre ela nos fóruns. ;Se pinta uma resenha positiva, o telefone toca sem parar;, conta. ;Ao mesmo tempo, se o cara diz que chegou até você pelo fórum, rola um nervosismo, porque você sabe que ele tem expectativas altas e, vamos combinar, química é uma coisa que rola com alguns e com outros não. Tem gente que eu quero beijar e gente que não rola, até por causa da higiene;, entrega. No blog (;uma terapia;), L., ao contrário da xará também blogueira, não tem nenhum comentário. ;As pessoas me xingavam. Diziam que eu era feia, gorda, que era ridículo eu procurar alguém que quisesse pagar para transar comigo. Tranquei a parte de comentários como uma forma de me proteger, mas ainda recebo muitos e-mails;. O próximo passo é instalar um contador diário na página. O que está lá, já soma 297 mil visitas.

Em um fórum qualquer
Se os seios de R. são como indicam a foto sensual postada no seu perfil numa rede social, se Taís cumpre mesmo tudo o que promete no blog ou se o valor cobrado por M. está à altura do serviço entregue. Tudo isso é debatido nos fóruns especializados em avaliar garotas de programa.

4 de março, 16:46
Assunto: B.F.

Quando saí com ela, me disse que seu nome era Kethy. Uma morena bonita, de 1,80m, cabelos lisos e pretos, corpo definido. Gostei do que tive em meus braços. Gosta de conversar e gosta muito de sexo. Ela não reclamou de nada, apenas disse que não queria fazer sexo anal.

29 de dezembro, 00:15
Assunto: M. (R$ 250)
Depois de dois desbravamentos péssimos, tive o prazer de desbravar uma deliciosa morena que encontrei aqui no fórum. Liguei hoje cedo e marcamos. É muito gostosa, como parece nas fotos, que, por serem caseiras, não levam nenhum tratamento de Photoshop, o que acho bom. Já começamos na ;pegação;. Beijos intensos, nada de ;bitoquinhas;. Ela tem uma sintonia boa, se entrega na transa, sem neuras nem frescuras. Foi barba, cabelo e bigode. Altamente recomendada.

Não te lembra alguém?
Quem nunca ouviu falar da menina que virou best-seller com os relatos de suas aventuras como garota de programa, foi atriz e roteirista de filmes adultos, lançou um filme biográfico este ano e, por fim, alcançou um lugar entre os participantes de um reality show? Bruna Surfistinha foi provavelmente uma das primeiras garotas de programa no Brasil a se aproveitar das facilidades cibernéticas. Virou celebridade na internet ao lançar um blog que funcionava como uma espécie de diário virtual de seus dias na prostituição. Em 2006, ainda sob os holofotes virtuais, teve a vida revelada no livro O doce veneno do escorpião ; O diário de uma garota de programa, do jornalista Jorge Tarquini, que vendeu mais de 300 mil cópias. Em fevereiro, chegou aos cinemas a adaptação do livro, com Deborah Secco no papel principal. No fim do mês de março, o filme já havia levado 2 milhões de pessoas aos cinemas e arrecadado R$ 17 milhões em bilheterias. Atualmente, a ex-garota de programa participa da quarta edição de A Fazenda, na Rede Record.

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