Revista

Aperte start na escola!

O videogame não é mais o terror dos educadores. Pelo contrário, o uso de jogos eletrônicos no ambiente de estudos é uma realidade bastante promissora

postado em 23/10/2011 08:00

Samuel e André Gomes compartilham os joysticks: aprendizado que se leva para a vida toda
A pergunta ;Em que você acha que os games te ajudam?; havia sido dirigida para o corretor de imóveis André Gomes, 47 anos. Sem desgrudar os olhos da tevê, para não correr o risco de perder a luta que travava em seu Xbox 360, Samuel, o filho de 8 anos, respondeu antes: ;A gente aprende inglês bem mais rápido.; Rindo, André teve que concordar.
;Vejo quantos jogos existem hoje que estimulam a percepção das crianças. É preciso tomar decisões rapidamente e isso elas levam para a vida;, afirma André, que curte games desde a época do Atari. Os pais gamers não estão mais sozinhos nesse pensamento. Cada vez mais presentes nos lares, nos celulares e nas redes sociais, os jogos eletrônicos agora conquistam espaço nas escolas.

Pesquisas e teses comprovam: eles são benéficos para o desenvolvimento cognitivo de crianças e adolescentes. Mais do que isso, conseguem fazer com que eles redescubram o prazer de estudar. O uso da internet para aproximar os gamers ajuda a criar uma rede que também pode ser aplicada para o conhecimento, desfazendo a imagem errônea dos jogadores como pessoas dissociadas do cotidiano ou violentas.

;Com os games, nós encontramos uma forma de falar com o jovem na escola da mesma forma que ele se comunica fora dela. Assim, conseguimos fazer os alunos se interessarem mais;, explica o professor Luciano Meira, coordenador da Olimpíada de Jogos Digitais e Educação (OjE). Surgida em Pernambuco, a iniciativa já chegou ao Rio de Janeiro e tem provado que o processo de "gamificação" da educação é capaz de renovar o significado da palavra escola.

Na definição de Meira, a OjE é um serviço educacional por meio de games ;conversacionais;. ;Uso o termo porque eles estimulam o diágolo entre aluno e professor, através de equipes que competem entre si em jogos de imersão narrativa que tematizam os conteúdos do ensino fundamental e médio;, descreve.

A olimpíada funciona como uma rede social com jogos, enigmas inspirados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), wikigames ; nos quais são abordados assuntos de séries posteriores, obrigando o aluno a pesquisar além do conteúdo programado ; e jogos de realidade alternativa (os ARGs).

Em pesquisa realizada pela coordenação do OjE, 81% dos alunos afirmaram que essa nova abordagem dos conteúdos os motivou a estudar mais. Outros 26% passaram a pesquisar mais pela internet após jogarem em rede.

O adolescente Allefer Gomes, 15 anos, está no primeiro ano do ensino médio em Cabrobó (PE) e lembra que nunca gostou de videogame na infância. Com o projeto, não só joga muito como tenta convencer os colegas a participarem. ;O estudo não está só na sala de aula e, com os games, nós estamos mais engajados para estudar. Todos ficam mais incentivados;, garante.

A professora Amaralina Miranda de Souza sabe há muito da capacidade dos games no desenvolvimento cognitivo. Com sua equipe da Universidade de Brasília (UnB), ela ganhou, em 2004, um prêmio do Ministério da Educação pela criação do software Hércules e Jiló, direcionado a crianças com necessidades especiais.

;O jogo foi estudado depois em uma tese de doutorado que concluiu que crianças sem necessidades especiais também conseguiam melhor aprendizado. Isso foi a prova de que conseguimos integrar todas elas com uma única ferramenta;, lembra.

Para Amaralina, é preciso levar sempre em conta o potencial do educador em mediar o uso dessas ferramentas. Em nenhum momento o professor pode ser substituído pela máquina. ;Eles têm de ser pensados de forma a favorecer o trabalho de quem ensina. O jogo demanda uma interação para que o que é ensinado se potencialize, sem jamais retirar o professor ou o adulto do processo de ensino-aprendizagem.;

Muitos mestres ainda ignoram as potencialidades da ferramenta, acreditando que pode ser um risco transformar educação em brincadeira. Porém, quando entendem que a diversão torna o estudo mais interessante, baixam a guarda.

Professora do ensino médio em Pernambuco, Auricélia Pires não era entusiasta dos jogos, até porque só tinha como exemplo as horas que seu marido passava em frente à televisão. Ainda assim, resolveu ser uma das auxiliares dos estudantes nas equipes do OjE. ;Percebi o quanto eles são bons quando vi meus alunos sendo ;forçados; a aprender porque não queriam perder nos jogos. E, para isso, também passaram a nos procurar mais;, conta.

Quando jogar é estar junto
De pai para filha: Wadner e Rafaela se aproximaram graças ao Rock BandOs pais, claro, também têm de perder seus preconceitos. Os que acreditam no potencial educativo têm argumentos que vão além das vantagens cognitivas. O gerente de TI Wadner Moreira Lins, 30 anos, e a filha Rafaela Faulstich Alves, 16, incrementaram o convívio com ajuda do Rock Band, jogo musical que usa instrumentos para simular uma banda. ;Os games nos tornam mais unidos. Eles também me ajudam muito na coordenação motora e aliviam o estresse;, conta Rafaela. Ela explica que, mesmo sem intenção estritamente educativa, vários jogos têm capacidade de ensinar ao mesmo tempo em que divertem.

Ela cita como exemplo Age of mithology, um game de estratégia em tempo real inspirado pelos mitos e lendas dos gregos, egípcios e nórdicos. Questionada sobre quais melhorias uma interação entre os jogos e a escola poderiam trazer, a adolescente é enfática: ;A didática do ambiente escolar é muito rígida. Se os games pudessem ser usados para ajudar nas disciplinas, tenho certeza de que aprenderíamos mais. Até porque todo mundo gosta de jogar.;

Wadner, 30 anos, faz parte da geração que viu nascer os videogames. Para o gerente de TI, a escola deveria enxergá-los como um mecanismo rico em possibilidades. ;A juventude tem dificuldade de seguir uma leitura. Os games, sendo interativos, ajudam a fixar a atenção. Vejo o quanto isso foi vantajoso para minha filha;, frisa.

O promotor de eventos Carlos Alexandre Cavalcante, 30 anos, é um exemplo de que os games podem desenvolver certas aptidões. Graças a eles, quando criança, foi morar nos EUA já dominando o idioma estrangeiro. ;Minha mãe me deixava jogar principalmente RPGs (role playing games), porque eles tinham história e exigiam muita leitura em inglês. No curso, sempre tive aulas com alunos mais velhos. Quando cheguei em Atlanta, já falava tudo;, revela Cavalcante, que hoje mantém um grupo de amigos cujo principal hobby são os jogos de rede, como Halo e Fifa Soccer.

O que eles mais apreciam nesse tipo de competição é a interatividade. ;O elemento multiplayer tem revolucionado os jogos. Você interage com pessoas do mundo inteiro, em diversas línguas, com desenvolvimentos de estratégias em tempo real e isso ajuda a solucionar problemas do dia a dia;, opina o administrador Márcio Santos, 30, outro membro do clube.

Completa o trio o empresário Marcelo Calil, 30. Ele acredita que as gerações que crescem com os games também vão ajudar a mudar a forma com que eles são encarados. ;Falta ainda conhecimento dos pais. Aos poucos, conforme as crianças e jovens vão crescendo com essa mentalidade, isso vai mudar. Quando mais popular, menos o preconceito será barreira;, acredita.


Caminho para a inovação
O projeto Nave, no Rio de Janeiro: núcleo privilegia a cultura digital
Diante das possibilidades sociais e financeiras trazidas pela evolução dos jogos eletrônicos ; a indústria hoje é mais rentável do que a cinematográfica, ultrapassando os US$ 60 bilhões anuais ;, já existem projetos no Brasil que prezam formar, entre os adolescentes, criadores de games.

No Núcleo Avançado em Educação (Nave), uma parceria público-privada focada no ensino, o estudante tem, além das disciplinas tradicionais ministradas em sintonia com a evolução tecnológica, cursos de programação multimídia, jogos e roteiros para web, e conteúdos para televisão digital. ;Somos da geração da cultura digital. A escola não pode dar as costas para essa realidade. O espírito do Nave é esse: usar algo que eles adoram e com a educação;, explica George Moraes, vice-presidente do Oi Futuro, que coordena o projeto. Com o uso da mecânica de games no ambiente escolar, ele afirma, a educação deixa de ser expositiva e passa a ser uma via de mão dupla, tendo o professor um novo papel: o de mentor na solução dos desafios.

No Nave, os jogos estimulam um processo de colaboração entre os estudantes para que os objetivos sejam atingidos. ;A proposta não é só criar um profissional colaborativo, mas também construir uma sociedade mais solidária, que entende o papel do outro;, completa George. O Nave da cidade do Rio de Janeiro (RJ) foi eleito pela Microsoft uma das 130 escolas mais modernas do mundo.

Mas não é preciso estruturas de multinacionais para assegurar o casamento entre games e educação. No Gama, aqui no DF, o estudante de engenharia de software Edson Henrique Lopes da Costa, 21 anos, se juntou a mais dois amigos, Henrik D;oark Rezende e Frederico Tales Bezerra, em um projeto que mudou a forma com que alunos e professores se relacionavam.
Em apenas sete meses, eles idealizaram um jogo educativo que tenta equilibrar diversão e aprendizado para, dessa forma, reconquistar os estudantes. ;A maioria dos jogos ditos educativos ensinam pouco e divertem muito ou o contrário, sem conseguir gerar o efeito esperado. Nossa metodologia quis unir os dois em partes iguais;, conta Edson. O game pensado foi de plataforma, em que os alunos, para passar as fases, precisavam usar os conhecimentos adquiridos em sala de aula.

;O que percebemos é que o aprendizado ajudou em outras áreas do conhecimento, que não envolviam a escola. Melhor cognição, memória, até leitura. Os relatos são de aprovação total;, diz o jovem. Surgido como projeto de conclusão do curso de informática oferecido pelo Centro de Ensino Médio Integrado à Educação Profissional (Cemi), onde o trio de amigos estudava, o game ficou em terceiro lugar na categoria Ciências da Computação na Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia ; Mostratec, em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, ano passado.

Apresentamos o jogo também em São Paulo, onde recebemos diversas propostas, só que da rede privada. O nosso objetivo é o ensino público, mas está faltando apoio;, reclama Edson. O gerente de tecnologias educacionais da Secretaria de Educação do Distrito Federal, Marcelo Pinto de Assis, afirma que não há ainda um projeto específico que envolva games e educação. Segundo o gerente, os computadores distribuídos para as escolas da rede contém o Linux Educacional, uma plataforma do sistema operacional gratuito com foco em aplicação nas escolas, inclusive com games.

O videogame não é mais o terror dos educadores. Pelo contrário, o uso de jogos eletrônicos no ambiente de estudos é uma realidade bastante promissora"Estamos trabalhando na formação do professor para que ele use essas ferramentas em sala, até porque consideramos que os jogos são uma boa forma de melhorar o aprendizado;, afirma. Contudo, não são os games que vão salvar a educação. Mesmo que a capacidade deles em renovar o interesse seja provada, há bem mais necessidades envolvidas. ;Qualquer jogo pode ser usado para fins pedagógicos, mas a ideia não é fazer da escola uma lan house. O game não pode ser uma base, mas um espaço que contribui com o aprender;, afirma Lynn Rosalina Gama Alves, doutora em educação e comunicação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e uma das grandes pesquisadoras da área no Brasil.

Os grupos coordenados por Lynn criaram games que desenvolvem, como benefício imediato, as habilidades cognitivas dos estudantes, colocando-os em ARGs que representam a história baiana. ;Eles precisam administrar problemas, valores, ao mesmo tempo que conhecem mais dos acontecimentos, podendo, inclusive, ressignificar os fatos históricos. É uma forma de melhorar o pensamento criativo;, explica. ;A função do professor, nessa realidade, é liderar conceitualmente o propósito do aprendizado, estimular reflexões. Eles não precisam saber tudo de games, mas sim estar aberto para ouvir os alunos;, completa o professor Luciano Meira.

Conheça alguns projetos inovadores que conjugam brincadeira e educação

Hércules e Jiló
Game criado na Universidade de Brasília para atender crianças com necessidades especiais que hoje também é usado em classes de ensino regular.


Ludo educativo
Desenvolvido pelo Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC) e pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Materiais (INCTMN), pertencentes a USP, Unesp e UFSCar. Trata-se de um jogo de tabuleiro no qual os jogadores avançam à medida que respondem questões de múltipla-escolha de matemática, física, química e biologia.


Olimpíada de Jogos Digitais e Educação
Projeto especial da Secretaria de Educação do estado de Pernambuco que consiste em um serviço educacional que estimula os processos de aprendizagem entre alunos e professores do ensino básico por meio do diálogo e da diversão na web.


Comunidades virtuais e aprendizado
Site desenvolvido pela equipe da pesquisadora Lynn Alves, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) com games feitos por alunos bolsitas.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação