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Desabafo virtual: um apoio real

Mulheres que enfrentam o câncer de mama criam sites para compartilhar a dor e a superação de descobrir e lutar contra a doença. Elas contam que se fortalecem nessa troca de experiências

Gláucia Chaves
postado em 23/09/2012 08:00

Mulheres que enfrentam o câncer de mama criam sites para compartilhar a dor e a superação de descobrir e lutar contra a doença. Elas contam que se fortalecem nessa troca de experiências

Contar problemas para amigos ou parentes próximos é uma prática comum. Quem faz garante que se sente mais leve, como se, a partir daquele momento, parte da carga emocional que o oprime tivesse sido dividida com quem ouve. Quando o problema é muito sério, há quem sinta a necessidade de compartilhá-lo com algumas centenas de pessoas. Por meio de blogs, sites e redes sociais, diversas mulheres espalhadas pelo Brasil inteiro se reúnem para falar do que talvez seja o maior drama já vivido por elas: o câncer de mama. Em seus confessionários virtuais, há de tudo um pouco: dicas para encarar com mais facilidade os efeitos colaterais dos agressivos tratamentos, mensagens motivacionais, reflexões e até mesmo piadas.

Em novembro de 2010, a jornalista Margareth Vicente, 53 anos, descobriu que tinha um nódulo suspeito no seio. Com o resultado da biópsia em mãos, positivo para câncer, o primeiro pensamento foi de que estava tudo acabado. Quase um ano depois, Meg, como gosta de ser chamada, precisou passar por uma quadrantectomia ; tipo de mastectomia em que é removido apenas um quarto da mama. Após quatro sessões de quimioterapia e 33 sessões de radioterapia, ela resolveu colocar o que estava sentindo para fora. ;Comecei escrevendo para mim mesma, como em um diário;, conta. Ela fez uma cobertura completa do que estava vivendo. Registrou com fotos, textos e vídeos toda a luta contra o câncer. ;Estou editando um vídeo que mostra todas as etapas da radioterapia, desde o primeiro dia;, completa, orgulhosa.
Nem todos a sua volta sabiam o que estava acontecendo. Perguntas sobre sua saúde começaram a pipocar entre amigos e parentes próximos. Meg resolveu, então, usar a internet para facilitar o contato com quem não poderia acompanhar tudo tão de perto. Todo o material produzido foi condensado em um blog. ;As coisas são muito rápidas. Uma semana depois da biópsia, já começa o tratamento. Não queria me perder;, explica. Mesmo com todas as justificativas do mundo para se lamentar, Meg resolveu encarar as coisas de maneira mais leve. Nada de lamúrias ou vitimização: para ela, a doença precisa ser desmistificada. ;As pessoas pensam que é um bicho de sete cabeças.;
Para quem visita a página dela, é possível ter uma amostra de como é o mundo pelos olhos de Meg logo no primeiro post. Inspirada na famosa cena da novela Laços de família ( veiculada pela TV Globo em 2000) ; em que a atriz Carolina Dieckmann precisa raspar os cabelos para viver uma personagem que passa por um tratamento contra leucemia ;, ela produziu um vídeo em que aparece cortando as madeixas (com direito à mesma música de fundo, Love by grace, de Lara Fabian). O final, porém, é diferente: em vez do rio de lágrimas derramado por Camila, personagem de Dieckmann, Meg surge sorridente, com a música de Bob Marley garantindo que tudo ficará bem. ;Um dos objetivos do blog é esse mesmo, ajudar as pessoas que também estão com câncer a verem que tudo passa. A ideia é levar otimismo para quem está morrendo
de medo.;
Além de tentar confortar outras pacientes, Meg também procura informar as mais desavisadas. Ela gravou entrevistas com todos os médicos que a atendeu. Segundo ela, eles respondem ;tudo o que toda paciente de primeira viagem quer saber;. Explicações simples e sem termos técnicos. Reportagens sobre o tema e indicações de livros também entram no rol de opções informativas. ;Até seguidoras que não são pacientes entram com dúvidas no blog;, comenta Meg.
A busca por informação, inclusive, é uma das primeiras reações de quem recebe a notícia de que está doente. Anderson Silvestrini, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica e diretor técnico do Grupo Acreditar, diz que a troca de experiências em ambientes eletrônicos é uma poderosa fonte de conhecimento para quem nunca havia pensado em pesquisar sobre o tema.
Desde que feita com informações corretas, o médico é um entusiasta da prática. ;É uma importante fonte de informações para pacientes que acabaram de descobrir a doença;, completa. ;Elas trocam vivências, o que aprenderam, como foram os efeitos colaterais e dão orientações para as outras pacientes lidarem com isso.; O médico salienta, contudo, que nem todos os tratamentos acontecem da mesma maneira, por isso, algumas dicas podem não se aplicar a todas. O importante, no fim das contas, é que as leitoras possam discutir como conviver com uma eventual evolução do mal. ;Mesmo que algumas declarações sejam dramáticas, as pessoas precisam saber que o câncer pode ser incurável e ter como evolução a morte;, avisa.
Feminilidade
Mulheres que enfrentam o câncer de mama criam sites para compartilhar a dor e a superação de descobrir e lutar contra a doença. Elas contam que se fortalecem nessa troca de experiências
Conversar sobre o câncer ajuda a amenizar o peso de algumas crises que podem aparecer ao longo do tratamento. O primeiro e mais dolorido impacto sentido pelas pacientes, segundo Silvestrini, é na feminilidade. ;As cirurgias podem ser mutiladoras e a quimioterapia faz o cabelo cair. Tudo isso influencia no humor delas.;
Lilian Carla Basqueiras, 42 anos, autora do blog Dos nossos limões, conta que, logo depois que descobriu o câncer na mama esquerda, em 2010, o seio precisou ser retirado. No ano seguinte, foi detectado que a outra mama também tinha células cancerígenas e teve que ser extiparda. Depois, ela recebeu o diagnóstico de câncer de ovário.
Os cabelos dela, claro, foram embora com a ação de tantos medicamentos. Lilian não se abalou, porém. Na cabeça, ostenta agora uma coleção de lenços coloridos. Mas ela sabe que nem todas encaram a nova situação tão bem. ;Infelizmente, tem muito marido por aí que abandona a mulher ou começa a trair, porque a gente fica com a autoestima baixa, engorda, fica careca e mutilada;, enumera. Para ela, o apoio da família foi fundamento.
Lilian demorou cinco meses, depois de receber o diagnóstico, para ter coragem de colocar tudo o que estava sentindo no papel ; ou melhor, na tela. ;A primeira coisa que passou pela minha cabeça foi que eu iria morrer;, confessa ela, que dois anos antes, tinha perdido a mãe por causa da mesma doença.
Passado o choque inicial, decidiu criar um site com uma amiga virtual do Rio Grande do Sul. ;Resolvemos fazer um blog só nosso porque todos os comentários que víamos eram de pessoas muito depressivas;, conta. Com a proposta de oferecer algo diferente, as duas começaram a escrever.
No começo, a ideia era desabafar. Agora, ela diz que o objetivo central é reunir informações, dicas e mensagens motivacionais. Nesse caminho, ela fez novas amizades, com gente que vive o mesmo drama. Agora, eles querem se conhecer ao vivo e um encontro foi marcado para outubro, no Rio.
Lilian ainda não sabe se poderá estar presente, entretanto. ;Descobri que estou com metástase na coluna, ainda não sei se estarei boa para viajar.;
Desmitificar a doença
Luciana Holtz de Camargo Barros é psico-oncologista e presidente do Instituto Oncoguia (portal direcionado a pacientes com câncer). No dia a dia médico, ela diz que é perceptível o movimento de mulheres com câncer de mama na internet. Cada vez mais, essas pacientes aderem ao diário virtual e trazem as discussões para os consultórios. Segundo a médica, as confissões não servem apenas para que elas saibam como proceder durante o enfrentamento do câncer, mas são úteis também para que médicos entendam um pouco mais do que se passa com elas. ;Fizemos até um mapeamento desses blogs, para levantar o que já existe e descobrir o que elas escrevem.; Até agora, ela já listou 80 blogs. Para identificá-los, os médicos até criaram um selo especial.
A médica ressalta que um dos principais objetivos da iniciativa é descobrir se há, de fato, algum tipo de retorno para a saúde delas. Uma coisa, porém, é inegável: a autoestima dá um salto considerável. ;O que a gente percebe é que o paciente com câncer tem o mito de que está sozinho;, completa. ;Ter contato com alguém que está passando pela mesma coisa que você faz diferença, apesar de cada caso ser um caso.; Mesmo quando as blogueiras mostram um lado não tão bem-humorado assim da doença, para o mastologista Farid Buitrago, a troca de informações é importante até para evitar que as mais desmotivadas abandonem o tratamento. Segundo ele, o ato de relatar a evolução de uma doença tão séria quanto o câncer pode sim trazer benefícios à saúde. ;Isso faz com que elas se sintam mais acolhidas, o que melhora a imunidade;, explica.
Ana Michelle de Amo é o contrário do estereótipo da paciente de câncer de mama. Aos 29 anos, ela não se encaixa no perfil mais comum, que é o de mulheres com mais de 40 anos. Mesmo com a quimioterapia e com a radioerapia, ela não perdeu os cabelos. Nem seu blog começou como o da maioria, ou seja, para falar especificamente sobre a doença. ;Eu já tinha o blog antes do diagnóstico, mas ele era sobre decoração e afins;, conta a assessora de imprensa. Quando deu início ao tratamento, ela resolveu continuar usando o espaço para falar sobre os objetos de que gostava, mas também dava novas informações sobre o andamento da doença, para manter amigos, familiares e fãs devidamente atualizados. ;Queria tratar a doença da maneira mais natural possível, então, precisava continuar falando sobre as coisas que falava antes.;
A informalidade, segundo ela, ajudou as pessoas a verem que a realidade não precisa ser tão dramática. ;Sempre escrevi de maneira engraçada, até para o pessoal saber que estava tudo bem, que eu estava de bom humor.; O tratamento também teve momentos mais complicados. Ana, que já tinha enfrentado uma mastectomia, teve que retirar o ovário, que corria o risco de ficar atrofiado. A notícia de que não poderia mais ter filhos, como era de se esperar, impactou a confiança da jovem.
A cirurgia foi em outubro passado, e ela se mantém firme no tratamento. Além de conhecer pessoas novas, Anna acredita que os blogs servem para alertar quem ainda se sente perdido em meio a tantas operações, remédios e consultas. ;Muita gente não sabe que pode tirar o óvulo pelo Sistema Único de Saúde, como eu fiz;, exemplifica. ;Na comunidade do Facebook, colocamos também farmácias em que os remédios estão em promoção e os demais procedimentos que podem ser feitos de graça, mas que não são bem divulgados.;

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