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Pequenos sobreviventes

Crianças com poucas horas e anos de vida também podem sofrer derrames. O diagnóstico é complicado, mas o tratamento e o monitoramento permitem que elas superem o drama do AVC

Gláucia Chaves
postado em 28/10/2012 08:00

Crianças com poucas horas e anos de vida também podem sofrer derrames. O diagnóstico é complicado, mas o tratamento e o monitoramento permitem que elas superem o drama do AVC Quando Arthur Bruno Meneghetti nasceu, sua pele estava arroxeada. A não ser pela mão que abria e fechava repetidamente, o letárgico bebê quase não se movimentava. Seus olhos se reviravam de vez em quando. A mãe, Paula Meneghetti, ficou preocupada. ;Comentei com a enfermeira que achava que ele tinha nascido com tique;, relembra a auxiliar administrativa, de 37 anos. Paula falou também com um pediatra, mas o médico não identificou nenhum problema no recém-nascido. Mãe e filho foram para casa, mas o comportamento incomum continuava. Uma consulta com uma neuropediatra revelou o diagnóstico correto: Arthur havia tido um Acidente Vascular Cerebral (AVC) no momento em que veio ao mundo e sofria com convulsões constantes desde então.

Três anos e oito meses após o episódio mais desesperador de sua curta vida, Arthur está bem. Para garantir que não tenha problemas futuros, ele faz avaliações periódicas com fisioterapeutas e fonoaudiólogos. O menino tomou anticonvulsivante para eliminar o risco de novas convulsões (a medicação foi suspensa há um ano).

Ele teve um AVC do tipo isquêmico, em que os vasos sanguíneos ficam obstruídos e deixam de irrigar os tecidos cerebrais. O derrame afetou o lado esquerdo do cérebro do garoto, mas, até agora, Arthur não apresentou nenhuma limitação. ;Ele anda, fala, brinca, escuta e enxerga perfeitamente;, enumera a mãe. Um quadro bem diferente do que foi previsto pelos especialistas procurados na época. ;A primeira consulta foi horrível. O médico me disse que ele nunca seria normal, que não andaria nunca;, desabafa. ;Só me preocupo quando ele começar a estudar;, acrescenta.

Não é qualquer profissional que está apto a detectar um problema tão fora da realidade infantil quanto o derrame. Geralmente associado a maus hábitos característicos dos adultos, como sedentarismo, alcoolismo ou tabagismo, o AVC em crianças ainda é um tema pouco discutido e estudado. Os motivos que levaram o pequeno Arthur a passar por isso, por exemplo, ainda não foram descobertos, mas provavelmente o fator genético teve um papel importante nessa história.

Rubens Gagliardi, vice-presidente da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), explica que a hereditariedade é um dos principais desencadeadores do quadro. Com tão pouca idade, outras razões que levam ao derrame são sutis: cardiopatias, trombofilias (problemas na coagulação sanguínea), artropatias (doença nas articulações causada por infecção), varicela e anemia falciforme são alguns exemplos.

Sandra Ávalos, 43 anos, nem sabia que uma criança poderia sofrer um derrame, ainda mais nos primeiros minutos de vida. A técnica em marketing só descobriu isso quando teve Ana Beatriz, há sete anos. ;Ela nasceu com uma cardiopatia gravíssima;, completa. Segundo a mãe, a menina tinha quatro veias ;invertidas; no coração: o sangue, em vez de ser bombeado para o órgão, ia direto para o pulmão. As convulsões só foram descobertas dias depois do nascimento, depois de uma tomografia. Sandra correu para a internet, mas não encontrou muitas informações sobre a condição da filha. ;Não achei quase nada falando sobre AVC em crianças;, desabafa. ;Fiquei mais preocupada ainda, porque o dela foi do tipo hemorrágico, que é o mais perigoso.;

A veia rompida deixou uma cicatriz no cérebro da garota, que ficou com dificuldade para se expressar. ;O derrame afetou mais a fala porque o AVC dela foi no lado esquerdo (do cérebro);, explica. Assim como outras mães de crianças que passaram por um derrame, Sandra foi desenganada por muitos médicos. ;Ouvi que ela não falaria uma palavra sequer;, relembra a mãe. A opinião dos pessimistas, contudo, não abalou a vontade de ver a filha melhor.

;Hoje ela fala frases curtas. Não é uma coisa que se cura de uma hora para outra.; As poucas, mas valorizadíssimas, palavras que a menina diz são resultado de sessões constantes de fisioterapia, idas ao fonoaudiólogo e terapia, tanto para a mãe quanto para a filha.

Se não fosse a insistência de Sandra em descobrir por que a filha recém-nascida não chorava, só dormia, talvez, Ana Beatriz não estivesse viva. ;Os médicos me falavam que ela estava cansada, mas que o comportamento era normal;, descreve Sandra. Antes de a cardiopatia da menina ser descoberta, ela recebeu diversos outros diagnósticos, de meningite a hipertensão pulmonar. Mas Sandra não guarda ressentimentos. Prefere comemorar as pequenas conquistas da filha, que evolui um pouco mais a cada dia. ;Ela vai ao banheiro sozinha e já consegue pintar dentro das figuras, sem colorir o papel inteiro;, orgulha-se. ;São progressos que parecem poucos, mas que para a gente são grandiosos.;


Leia a matéria na íntegra, na edição impressa da Revista n; 389

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