Revista

Mudança de humor

Comentários sarcásticos na internet e perfis de personagens ranzinzas são populares entre os brasileiros. É o mau humor que faz as pessoas rirem. Afinal, estamos achando graça do quê?

Juliana Contaifer
postado em 11/11/2012 08:00

As piadas com os argentinos já não são tão engraçadas quanto antes. São poucos os que ainda riem, às gargalhadas, de anedotas que ridicularizam as louras. A graça agora está no mau humor. Para constatar que o gosto do brasileiro tem mudado, basta prestar atenção ao que faz sucesso ultimamente. A última moda, por exemplo, é uma página no Facebook chamada Gina Indelicada, na qual os leitores enviam perguntas variadas a uma mulher virtual (que tem a aparência daquela mocinha que estampa, há anos, a caixa de palitos de dentes) e esperam, ansiosos, por suas respostas ácidas e irônicas. Mesmo com toda a polêmica que cerca o perfil ; dizem que o dono da ideia ficou famoso ao usar as piadas prontas de outros autores ;, mais de 2 milhões de pessoas já curtiram a página.

Na rede social não faltam exemplos de perfis mal-humorados, considerados engraçados. Procure por Seu Lunga, um caboclo conhecido pela falta de paciência; pela Coruja da depressão; pela Medicina da depressão ; aliás, quase todas as profissões estão representadas em páginas que elencam suas piores características ;, e tem até Clarice (a Lispector) de TPM. No Twitter, o perfil mais famoso do gênero é o @bomdiaporque. Acha pouco? Na televisão, o doutor House é o expoente máximo do mau humor, mas a maioria dos seriados americanos também aposta na ironia como piada. Family Guy, American Dad e outros tantos seguem a mesma receita.

Segundo o cartunista Arnaldo Branco, criador da ácida tirinha Mundinho animal, essa espécie de humor nasceu de ;uma milenar tradição de ódio sublimado através do alívio cômico;, ou seja, sempre existiu a necessidade de externar as coisas ruins do dia a dia e a forma mais fácil, ou saudável, de fazer isso foi transformá-las em piada. E como o humor não tem alvos específicos, essas brincadeiras não trazem grandes consequências para quem as faz ; ainda que sejam de humor negro. ;A gente sempre acha que a piada é com outro;, afirma o cartunista.

Para a Tia Clarice, como é conhecida a mulher por trás da página Clarice de TPM e que prefere não se identificar, as pessoas ;estão cansadas daquele humor óbvio, com piadas batidas e estão preferindo rir das próprias manias, enfim, fazer humor com o próprio estresse;. A ideia para o perfil surgiu a partir das inúmeras frases que as pessoas compartilham e atribuem à escritora Clarice Lispector equivocadamente. Ela decidiu, então, ironizá-las com situações do cotidiano. A página foi criada em março e, de lá para cá, já soma quase 100 mil curtidas. Tia Clarice acredita que as pessoas estão dando preferência às formas de humor menos alegres. ;Elas estão antenadas às tendências mundiais do humor irônico, como o próprio 9GAG (site que reúne imagens com piadas ácidas feitas por internautas do mundo inteiro), que tem milhares de posts brasileiros;, considera.

Fama de azedo

Comentários sarcásticos na internet e perfis de personagens ranzinzas são populares entre os brasileiros. É o mau humor que faz as pessoas rirem. Afinal, estamos achando graça do quê?
Luana Piovani: as respostas sem paciência da atriz global e o relacionamento conturbado com o ex-namorado Dado Dolabella a tornaram uma das famosas mais mal-humoradas do país.

Carolina Dieckmann: a atriz é considerada antipática por muitos que nem sequer a conhecem pessoalmente. Carolina já declarou mais de uma vez que ;o trabalho dela não é sorrir o tempo todo;.


Comentários sarcásticos na internet e perfis de personagens ranzinzas são populares entre os brasileiros. É o mau humor que faz as pessoas rirem. Afinal, estamos achando graça do quê?
Victoria Beckham: é raro conseguir um sorriso da estilista. Em entrevista à revista Interview, a ex-Spice Girl admitiu que parece uma ;vaca mal-humorada; em qualquer foto.

Rafinha Bastos: o comediante ficou conhecido pelo humor ácido e polêmico. Uma declaração sobre o filho da cantora Wanessa Camargo rendeu um processo e acabou causando seu afastamento do programa CQC.


Rabugice demais pode ser doença


O nome da patologia é distimia e é classificada como um transtorno do humor ou da afetividade.
;O indivíduo distímico é aquele que apresenta um humor melancólico persistente, sem correlação clara com eventos ambientais que poderiam suscitar tal estado de ânimo. É como ver a vida em tons de cinza, nada tem muita graça;, explica a psicóloga Ana Gláucia de Queiroz.
Segundo ela, a intensidade dos sintomas não é suficiente para impedir que a pessoa viva em sociedade e, por isso, não pode ser confundida com a depressão. O diagnóstico é complicado, uma vez que não pode estar associado à dependência química, a episódios depressivos e maníacos ou a algum acontecimento pessoal impactante. Para o tratamento, além do uso de remédios para regular os neurotransmissores responsáveis pela sensação de prazer, é preciso acompanhamento psicológico.

Rir por quê?
Comentários sarcásticos na internet e perfis de personagens ranzinzas são populares entre os brasileiros. É o mau humor que faz as pessoas rirem. Afinal, estamos achando graça do quê?
O professor de sociologia Christie Davies viajou o mundo para entender o humor em vários países. Na década de 1990, o britânico veio ao Brasil. ;Reparei que os brasileiros contavam muitas piadas sobre os portugueses estúpidos ; em parte, por não entenderem direito o que diziam e porque a maioria dos imigrantes lusitanos é bem pobre. Depois, começaram a falar sobre as ;loiras burras;. Esse tipo de humor durou quase quarenta anos, mas todos os ciclos de piadas envelhecem;, aposta Davies, em entrevista à Revista.

Porém, o Brasil sempre foi conhecido pela alegria. Será que estamos ficando mais mal humorados e isso acaba refletindo no jeito que fazemos graça? Para o cartunista Arnaldo Branco, o fato é que sempre fomos reclamões. ;A diferença é que hoje os instrumentos para a disseminação desse tipo de humor são mais eficientes e as piadas surgem minutos depois na internet;, afirma. Já a Tia Clarice acredita que a mudança de ponto de vista é uma tendência das grandes cidades, por conta do estresse. ;As pessoas preferem ironizar as situações do cotidiano e rir do próprio mau humor que toma conta da sociedade.;

Há pontos de vista diferentes, porém. Para a socióloga Mariza Veloso, estamos, na verdade, ficando é sem humor mesmo. ;Falta a alegria natural, estamos ficando menos espontâneos;, afirma. A causa disso seria que falta interação entre as pessoas e, grande parte, por causa das redes sociais e toda a tecnologia de comunicação. ;Essa individualidade dificulta a sociabilidade e os rituais de interação, o que pode causar essa falta de humor.;

Outro ponto de vista tem a psicóloga Ana Gláucia de Queiroz. Para ela, a preferência pela piada maldosa nas redes sociais é um reflexo do que o brasileiro vive todo dia, mas que não significa uma mudança na sociedade. ;Há uma predominância da ironia e do sarcasmo que denuncia o estresse e o peso de se viver na era pós-moderna, mas não tenho percebido as pessoas mais mal humoradas. Acho que há uma acentuada dificuldade de gerenciar as emoções e os relacionamentos;, considera a psicóloga. Ana Gláucia afirma que esse desgaste é causado não só pelo cotidiano corrido e cheio de afazeres, mas também pelo fato de vivermos em uma era digital, que emite estímulos incessantes. ;Quem pode estar feliz e bem-humorado face a uma rotina extenuante, que aliena o humano de necessidades biológicas básicas, como o respeito aos ciclos e biorritmo de cada indivíduo?;, questiona.

Mas, afinal, por que está mais fácil rir de problemas, que, aparentemente, não têm a menor graça? O estudante Yuri Alencar, 23 anos, por exemplo, sempre preferiu o humor mais irônico. ;Gosto porque foge daquele velho estereótipo do politicamente correto, que jamais mexe nas feridas da sociedade;, explica. Ele acrescenta que passou a se interessar ainda mais pelo assunto com a explosão do YouTube e a febre de páginas de conteúdo ranzinza no Facebook.

Para Yuri, o humor americano tem influência forte nessa mudança do perfil brasileiro, uma vez que considera que o stand-up comedy, criado nos Estados Unidos, é a principal referência do estilo. ;Exemplo disso é o Rafinha Bastos, que, mesmo abusando de suas piadas mal humoradas, é uma das personalidades mais influentes no Twitter. Alguns grupos de teatro, como G7 e Melhores do Mundo, também usam esse tipo de humor com temas adaptados à realidade brasileira;, opina o estudante. Fã de seriados como Family Guy, Simpsons e South Park, Yuri acredita que os humoristas da atualidade se formaram assistindo aos programas e foi aí que a ironia tomou conta do humor brasileiro.

;Acho que estamos passando por um período do politicamente correto e esquecendo que a sociedade é repleta de preconceitos enrustidos. O crescimento desse tipo de humor é uma saída nessa bolha do supercorreto, que só fala daquilo que a maioria da sociedade está acostumada a escutar. Nosso humor continua o mesmo, só mudaram os alvos dos comediantes;, considera Yuri.

O melhor na internet
http://www.oesquema.com.br/mauhumor/ (Blog do cartunista Arnaldo Branco)
Kibeloco ; http://kibeloco.com.br/
Charges ; http://charges.uol.com.br/
Não Salvo ; http://www.naosalvo.com.br/
9GAG ; http://9gag.com/

No Facebook:
Clarice de TPM (facebook.com/ClariceDeTPM)
Coruja da Depressão (facebook.com/corujadadepressao)
Cão da Depressão (facebook.com/caodadepressao)
Gina Indelicada (facebook.com/GinaIndelicada)
Seu Lunga (facebook.com/OficialSeuLunga)

No Twitter:
@bomdiaporque
@nairbello
@Ocriador
@realMORTE

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação