Revista

Com as mãozinhas na massa

Aprender a cozinhar, costurar, desenhar, atuar. Aulas especializadas ajudam crianças, desde cedo, a desenvolverem diversas habilidades manuais

Gláucia Chaves
postado em 24/02/2013 08:00
Aprender a cozinhar, costurar, desenhar, atuar. Aulas especializadas ajudam crianças, desde cedo, a desenvolverem diversas habilidades manuaisTirar as crianças da frente do computador ou da televisão parece ser o principal desafio dos pais contemporâneos. Estimular os pequenos com atividades interessantes e divertidas, contudo, pode significar uma pequena vitória na luta contra as distrações eletrônicas. As opções vão muito além da tradicional aula de inglês ou dos treinos esportivos: aula de costura, de teatro, de gastronomia e de histórias em quadrinhos são apenas alguns exemplos garimpados pela Revista para ajudar papais e mamães a ampliar o universo das crianças. E as lições não precisam ser apenas recreativas. De acordo com professores, pais e alunos, os conhecimentos extracurriculares podem ser muito úteis no futuro.

Aprender a cozinhar é uma providência praticamente inevitável ; afinal de contas, nunca se sabe quando se precisará saber ao menos o básico da gastronomia. Começar a domar as panelas desde criança ajuda a ter desenvoltura na cozinha no futuro. Priscilla Batista Brito, criadora de Os Chefinhos, sabe bem disso. A fotógrafa e produtora de eventos conta que aprendeu a cozinhar sozinha, movida por pura curiosidade. Quando completou 18 anos, sua filha nasceu. "Eu a ensinei a cozinhar. Agora, ela já está com 15 anos, mas até bem pouco tempo atrás quebrava ovo junto comigo e gostava de ver as coisas ficando prontas", conta Priscilla. Ela resolveu, então, unir o gosto por cozinha com a afinidade que tinha com crianças. A união dos dois deu origem à oficina de gastronomia.

A oficina funciona em festas de aniversário. Ao ser contratada pelos pais, Priscilla e seus ajudantes providenciam os ingredientes e materiais necessários para ensinar a criançada a preparar cupcakes, biscoitos, brigadeiros e beijinhos. Os participantes ainda têm a chance de decorar suas criações ; momento mais esperado da aula. "Coisas assim são importantes porque a vida anda muito corrida. É muita internet, muito videogame", opina Priscilla. "É uma oportunidade que eles têm de trabalhar todos os sentidos. É um momento lúdico, em que muitos pedem a receita para treinar em casa." Além da experiência sensorial, a professora ressalta que aspectos mais subjetivos, como a autoestima e a independência, também são extremamente estimulados. "Tem criança que nunca quebrou um ovo e, na oficina, vê que consegue. Fica uma coisa menos distante. Eles percebem que também são capazes."

Pilar Paz, 10 anos, teve sua primeira experiência no mundo dos docinhos e cupcakes em março do ano passado. Após ir à festa de uma coleguinha, ela ficou com vontade de ter a oficina em seu próprio aniversário. "Achei muito divertido, porque não é sempre que tenho a oportunidade de fazer um cupcake", avaliou. Além de decorar os bolinhos feitos por ela mesma, Pilar teve a chance de escolher os confetes de chocolates, as balinhas e os demais "enfeites" para o bolo de aniversário ; que não foi feito por ela, mas que ficou exatamente do jeito que ela queria. "Gostei porque me senti mais criativa", justifica. Para a mãe, Kika Pereira, 36 anos, estimular que as crianças participem de oficinas desse tipo ajuda a meninada a acumular bagagens importantes para a vida futura. "São coisas divertidas, mas também importantes e úteis, como costurar e cozinhar", detalha a produtora de eventos. "São conhecimentos que ela terá que ter de qualquer jeito."

Valorização pessoal
Em época de tecnologias cada vez mais modernas e tempo livre cada vez mais escasso, costurar é como nadar contra a corrente atual. O ofício, que já foi comum, mas anda esquecido, contudo, parece estar despertando novamente a atenção das crianças. Durante suas viagens à Europa para visitar a filha, Malu Raffaelli, monitora da arte da costura pela Kids Can Sew, percebeu que esse poderia ser um nicho interessante ; e que já estava sendo explorado por europeus e americanos. Por aqui, a moda das aulas de costura para crianças ainda engatinha, mas ela está confiante: em apenas dois meses, a escola que Malu abriu em Brasília, a Costurices, já tem 10 inscritos.

Os grupos contam com, no máximo, quatro alunas, que precisam ter, no mínimo, 6 anos de idade. Mães e avós também são permitidas nas aulas. Logo no primeiro dia, as meninas (público majoritário das aulas até então) já aprendem a cozer uma almofada. Malu monitora as alunas o tempo inteiro. Logo, garante, mesmo garotas pequenas não correm risco de espetar o dedo ou cortar nada além dos tecidos. "Elas aprendem a fazer saias, bolsinhas, vestidos para bonecas, customizar camisetas e mais um monte de coisas", enumera a professora. Ela conta que a ideia é que as alunas participem de eventos, desfilando com os modelos criados por elas. "A criatividade é que conta. Elas vão aprender a criar", reforça.

O curso não tem período definido para acabar: conforme a menina treina, melhor fica e pode partir para projetos mais elaborados, como roupas para ela mesma. Mas Malu ressalta que o objetivo não é esse. O que importa é que a atividade seja livre ; e que estimule a individualidade de cada uma. "Ela não tem obrigação de se tornar uma costureira. A aluna vai escolher a renda que quer colocar, os acessórios que usará e como será o projeto final. É uma brincadeira que ensina." De quebra, a professora acredita estar fazendo a sua parte para resgatar valores esquecidos. "Hoje, as meninas estão muito voltadas para o consumismo e não conseguem fazer nada sozinhas. A arte da costura ajuda na concentração, nas atividades da escola e a ter paciência."

Denise Negrado, 40 anos, matriculou a filha, Paola Negrado, nas aulas de costura. O objetivo, de acordo com a funcionária pública, é incentivar a menina a ter habilidades manuais. "Ela tem 9 anos e já consegue fazer muitas coisas. Achei que seria conveniente, e ela está adorando", avalia. Apesar da pouca idade, Paola já sabe que quer ser estilista quando crescer. As aulas, de acordo com a mãe, também servem como uma maneira de a menina descobrir se é isso mesmo que deseja ; e já ir se familiarizando com o mundo da moda. Ao que tudo indica, as duas estão indo pelo caminho correto: logo na primeira aula, Paola voltou para casa empolgadíssima, orgulhosa da almofada e do paninho de boneca com renda nas bordas que aprendeu a fazer. "É um jeito de ela ter foco no futuro, conhecer a profissão e ainda se sentir bem", resume Denise.

Arte desde sempre
Aprender a cozinhar, costurar, desenhar, atuar. Aulas especializadas ajudam crianças, desde cedo, a desenvolverem diversas habilidades manuaisAs aulas de arte e música também fazem sucesso entre as crianças. Por toda a cidade, uma infinidade de iniciativas busca estimular a criatividade dos pequenos por meio do teatro, das artes plásticas e do desenho. O Espaço Cultural Mapati é um desses lugares. O carro-chefe do ambiente são as aulas de teatro infantil. Do cenário do próprio Mapati aos figurinos usados, os miniatores ajudam e participam da criação de tudo. Entre noções de teatro, de dança contemporânea e festas artísticas, Tereza Padilha, atriz e coordenadora do Mapati, diz que a ideia é ensinar a adaptar objetos e a criar de maneira humanizada. "Hoje em dia, estamos muito ligados, mas pela internet. Você não olha no olho. Não que a gente seja contra, mas acho que você tem que saber até onde pode ir com relação à tecnologia."

Com oficinas de artes, pintura e teatro, Tereza frisa que o objetivo é "combater a solidão". Enquanto o mundo parece se afunilar, deixando as pessoas cada vez mais confinadas em seus espaços individuais, ela diz que, durante as aulas, o que importa é reparar no outro. "Ela (a criança) tem que ter a possibilidade de saber o que pode fazer. É necessário que a gente entenda que, sem pessoas, você não vai ser feliz. É preciso ter contato, conversar, sair", enumera. Como ainda estão entendendo o verdadeiro significado da socialização, o teatro, para Tereza, é a oportunidade ideal para ilustrar um conceito que será útil no futuro: o do coletivo. "No teatro, todos dependem de todos. A partir do momento que um falta, quebra-se o trabalho. Aí, a criança entende que ela é importante e que tem um compromisso."

Kika Oliveira, 21 anos, trabalha ensinando teatro para crianças há cinco anos. Para ela, que também é atriz, além de produtora cultural e arte-educadora, não há dúvidas de que o despertar para a arte deve acontecer o mais cedo possível. "A arte é uma divindade. Quando a gente coloca esse respeito para a criança, a gente deixa livre o despertar da criatividade dela", justifica. "É quando ela aprende que só com o corpo e a mente consegue conduzir vários mundos." Não que a televisão deva ser jogada fora ou desligada na presença dos pequenos. A questão, para Kika, é mostrar que há vida além da Disney.

O despertar, de acordo com Kika, é quase literal. Certa vez, a moça conta que uma aluna, de apenas 4 anos, relatou que, após a aula de teatro, estava sentindo a própria mão como "nunca tinha sentido antes". Além da expressão corporal, para a orientadora, entender que a criatividade não precisa de subterfúgios é o maior ganho das crianças. Kleyton Santos Lima, 28 anos, é músico e também trabalha com as crianças no Mapati. Para ele, aulas extras e artísticas também servem para que crianças moradoras de apartamentos possam ter contato com colegas da mesma idade, em ambientes mais livres. Tão livres que o monitor precisou adaptar suas aulas para tentar acompanhar tanta criatividade junta. "A proposta era que eu tocasse violão para eles brincarem de roda, mas eles não se adaptaram. Até que um dia eu comecei a fazer coisas com caixinhas de leite e eles gostaram. Agora, fazemos arte com objetos. Faço para eles e eles pintam e levam para casa."
Aprender a cozinhar, costurar, desenhar, atuar. Aulas especializadas ajudam crianças, desde cedo, a desenvolverem diversas habilidades manuais
Desenhos animados e revistas em quadrinhos fazem parte da vida de muitas crianças. Aprender a desenhar os personagens preferidos ; ou, quem sabe, arriscar dar vida a um novo ; pode ser uma opção tentadora para os pequenos. Gilberto de Almeida, 10 anos, faz parte do clube dos que querem descobrir o mundo dos traços e das linhas. Ele ainda está na terceira aula, mas conta que se sente motivado ao olhar os desenhos feitos por colegas mais avançados, emoldurados e pendurados nas paredes do Oficina de Arte. "Gosto de desenhos estilo japonês, mangá, anime. Não quero ser desenhista, mas acho que isso vai me ajudar a criar brincadeiras e desenhos para meus primos e para um filho que eu tiver no futuro."

Cléber Campos, 12 anos, já frequenta as aulas de histórias em quadrinhos há mais tempo que Gilberto. O menino, contudo, está animadíssimo com a própria evolução. Ele conta que começou em junho de 2012 e já criou alguns personagens. "Sempre quis aprender a fazer meus próprios desenhos, não só ficar imitando os dos outros", justifica. Cada novo personagem que faz vai parar no seu perfil do Facebook. A quantidade de "curtidas" e os comentários que recebe o estimulam a desenhar cada vez mais. "Acho que melhorei muito. Antes, só desenhava bonecos de palito. Acho ótimo quando faço um desenho legal e todo mundo fala que ficou bom."

Além das aulas de história em quadrinhos, o Oficina de Arte oferece oficinas de musicalização, teatro, artesanato, cerâmica, caricatura, charge, mangá e mais uma infinidade de opções, todas artísticas e voltadas para crianças. Mas os pequenos não estão lá apenas para desenvolver o traço ou criar imagens bonitas. Iane Almeida, professora de artes e desenho, explica que todas essas atividades também são boas para desenvolver outros aspectos importantes das crianças, como a coordenação motora. Seu próprio filho, Igor da Cruz, 8 anos, é a prova disso. Se antes o garoto apresentava limitações motoras, depois que começou a frequentar as aulas de desenho e artes plásticas, consegue uma maior autonomia com objetos como tesoura, pincel e lápis, por exemplo.

Iane dá aulas de artes há 10 anos. Para ela, o desenho é uma ótima maneira de começar a introduzir a realidade artística para os pequenos. "Todas as crianças começam a se expressar com desenhos. Então, quando elas adquirem confiança no traço, independentemente de técnica, veem que estão evoluindo." Quando encontram um espaço em que suas criações são valorizadas por terceiros, além dos pais ou dos próprios professores, as crianças tornam-se mais ativas e confiantes. "Hoje vivemos em um mundo de imagens. Quando você começa a compreender a imagem, prestar atenção, tem mais capacidade de leitura do mundo, de entender o que acontece ao seu redor."

A participação dos pais, consequentemente, torna-se mais intensa. Ao perceberem seus filhos empolgados e felizes, a tendência é quererem participar. "Alguns pais perguntam onde conseguir determinado lápis, pincel, porque notam que os filhos estão melhorando e querem estimular ainda mais", completa. "Aí, a gente instrui sobre o que fazer em casa, que tintas podem ser usadas, essas coisas." O reflexo normalmente vem em forma de elogios na escola regular, segundo a professora. A concentração e o cuidado que as crianças têm ao fazer seus desenhos na oficina são transferidos para o restante das atividades escolares ; e, não raro, resulta em notas melhores. E em crianças mais felizes.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação