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No amor e nas finanças!

Casamento significa parceria, inclusive na hora de multiplicar os ganhos e dividir as despesas. Especialistas dão dicas de como lidar com o dinheiro na vida a dois

postado em 03/03/2013 08:00
Casamento significa parceria, inclusive na hora de multiplicar os ganhos e dividir as despesas. Especialistas dão dicas de como lidar com o dinheiro na vida a doisO discurso que sela milhares de uniões mundo afora prega o amor "na pobreza e na riqueza". O "para sempre" pode até ser romântico e aparentemente despido de qualquer interesse material, mas não é nem um pouco inteligente. Não dá para falar em casamento sem tocar em assuntos como despesas, orçamentos e planos financeiros. A temática parece fria e desagradável, mas é essencial, inclusive, para a sobrevivência do amor. Afinal, não há romance que resista a dívidas, crises monetárias e privações materiais. O consultor financeiro Álvaro Modernell estima que cerca de 2/3 dos divórcios têm problemas com dinheiro envolvidos. Boa parte deles, por falta de conversa e de planejamento. "Poucos falam de dinheiro no começo da relação. Falta clareza de como serão administradas as finanças ao longo da vida a dois. Na verdade, 80% das decisões financeiras do casal devem ser feitas em conjunto."

O problema é que muitos casais enfrentam um desconforto ao falar sobre o tema. Segundo a psicóloga, especialista em finanças, Cleide M. Bartholi Guimarães, a resistência é resultado de anos de tabu, em que ficou proibido misturar amor e dinheiro. Autora do livro Até que o dinheiro nos separe, ela afirma que os temas, no entanto, são indissociáveis. Na época medieval, por exemplo, o casamento foi criado como uma forma de proteger a herança das famílias. A partir do século 17, a mulher carregava consigo o valor de um dote, o que a fazia valer muito mais pelo dinheiro do que pelas qualidades propriamente ditas. No século 19, o discurso mudou. O amor romântico pregava ilusões como "uma cabana e um amor" e falar de contas era o mesmo que atribuir cifras a uma relação.

Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, ficou mais difícil para o casal não debater o orçamento. Antes, o homem era o único provedor, o que lhe permitia, muitas vezes, controlar o dinheiro da família de maneira autoritária e sem pedir a opinião da esposa. Hoje, isso é quase impossível, especialmente porque elas também pagam as contas, e sem a contribuição feminina ficaria difícil aumentar o patrimônio da família, na maioria dos casos.

A conversa, espinhosa para alguns casais, torna-se assim, praticamente indispensável. "Nosso desafio hoje é justamente superar esse desconforto e aprender a lidar com essas questões. O dinheiro faz parte do casamento, assim como o sexo, mas alguns ainda carregam essa dificuldade de abordar o tema", afirma Cleide. "É importante frisar que conflitos envolvendo dinheiro nem sempre estão ligados a ele, mas podem estar apenas na porta de entrada de uma série de outros problemas, muitas vezes relacionados com amor, poder, controle, dependência, injustiças, comunicação", acrescenta.

Para especialistas em finanças, quanto mais cedo abordar a questão, mais fácil será lidar com a soma de ganhos e de despesas. A psicóloga Cleide Bartholi é defensora de que as primeiras abordagens sobre como cada um ganha e gasta devem começar ainda no namoro. Querer impressionar a candidata e pagar todas as contas pode ser uma furada quando, a longo prazo, o lazer precisará ser dividido, por exemplo. Planos individuais também precisam ser considerados, especialmente se o sonho de um é viajar o mundo e gastar sem contenção, enquanto o do outro é comprar a casa própria e aumentar a poupança. "Outro tema que deve ser discutido antes do casamento é o significado do dinheiro para cada um", acrescenta a psicóloga. Afinal, quando duas pessoas se unem, elas também levam junto as crenças e os hábitos familiares.

Foi o que aconteceu com a jornalista Marília Cardoso, 28 anos. Ela conheceu o marido, o bancário Kauê Khouri, da mesma idade, há oito anos, e logo percebeu que a forma que foram ensinados a tratar o dinheiro era bastante distinta e, se não fosse negociada, seria praticamente incompatível. Ela, controlada, poupadora, daquelas que paga tudo à vista. Ele, esbanjador, gastava mais do que ganhava, queria curtir o hoje sem pensar no amanhã. Impossível unir contas bancárias tão diferentes. "Na casa dele, todos lidavam com o dinheiro da mesma forma."

Marília pegou no pé do então futuro marido. A relação entrou em crise, mas preferiram salvar a união e se enquadrarem. Ela ficou um pouco mais relaxada. Cede um prazer ou outro em benefício do casal. "Eu, por exemplo, não queria fazer uma viajem para Cancun agora, mas acabei aceitando." Kauê também aprendeu a controlar melhor os gastos, embora precise estar sempre vigilante para evitar os excessos. Encontraram artifícios para manter as contas em ordem. Kauê paga as contas da casa. Assim, não ter chance de torrar o excedente. Marília faz o papel de poupadora. Juntos, traçam planos para que o dinheiro seja sempre um aliado. "A ideia não é poupar para sentar em cima do dinheiro, mas guardar para realizar sonhos."

A experiência com o marido transformou-se em livro. Ela escreveu Você sabe lidar com o seu dinheiro?, em 2004, depois de entrevistar especialistas e casais para criar uma espécie de manual sobre como administrar melhor a conta bancária. "No Brasil, falar de dinheiro ainda é tabu. Os casais têm medo de serem controlados se disserem o quanto ganham", diz a escritora.

Nada melhor que colocar as contas e os projetos no papel. "Não importa quanto se ganha, mas como se gasta", defende Gustavo Cerbasi, especialista em educação financeira e autor do livro Casais inteligentes enriquecem juntos. E isso precisa ser feito em conjunto, afinal, casamento é uma união que inclui planos e investimentos. "Quando tiramos a questão emocional, temos que pensar que o casamento é um negócio. Se o casal separa tudo, convidamos a refletir o que querem construir juntos", propõe Rogério Olegário do Carmo, consultor financeiro pessoal e autor do livro Família, afeto e finanças, em parceria com a esposa, Angélica Santos, psicóloga especialista em educação financeira.

Como cada casal fará isso é questão de acertos. Não há uma fórmula única de sucesso, mas tentativas e erros. O que vai definir como as despesas e os investimentos serão acertados é a rotina e a renda de cada par. Há inúmeras possibilidades. Alguns que preferem somar o meu, o seu e criar o nosso. Outros apostam na divisão dos gastos proporcional à renda e o resto é cada um por si. "O importante é cumprir o combinado: a distribuição do pagamento das contas e o esforço conjunto da poupança. Não adianta um se esforçar mais que o outro. Você não toma uma decisão financeira sem ouvir o outro. Casamento é o contrato de uma convivência em comum", defende Eduardo Coutinho, coordenador do curso de administração e consultor financeiro do Ibmec.

Tudo junto
Casamento significa parceria, inclusive na hora de multiplicar os ganhos e dividir as despesas. Especialistas dão dicas de como lidar com o dinheiro na vida a doisUma das formas de unir o orçamento é somar os rendimentos, literalmente. Há casais que preferem ter uma conta-corrente conjunta, em que se deposita o salário de ambos e a administração da casa é responsabilidade dos dois. O dinheiro é usado para pagar todos os gastos em comum, e as despesas pessoais são previamente acordadas. Eles criam uma espécie de mesada para cada um.

A professora Carolina Barretto, 33 anos, e o economista Wagner Freire, 45, estão juntos há 14 anos. Ela mesma se define como imediatista. Antes, conta, gastava sem culpa, para se agradar e paparicar amigos e parentes. Ele, como bom economista, acha que dinheiro deve ser controlado e os gastos, bem planejados. Assim, desde o início do namoro, ele incentivava a futura esposa a fazer uma poupança. "Ele dizia para guardar entre 20% e 30% do que eu ganhava, independentemente do objetivo", conta a professora.

Desde então, eles definiram que o modelo ideal seria unir as rendas individuais. "A gente não funcionaria se tivéssemos contas separadas", comenta Carolina. Ela preferiu não se preocupar com as contas. Deixa a rotina de matemática para o marido. Ambos retiram uma porcentagem mensal para gastos pessoais. Quando surge um sonho de consumo individual ao longo do caminho, eles definem juntos como começar a poupar para que o desejo se torne realidade.

O resto é meticulosamente planejado. São inúmeras planilhas coloridas nas quais estão previstas as despesas rotineiras e as que virão ao longo do ano. "Tenho uma planilha com 12 categorias de despesas e suas correspondentes subcategorias; além de inúmeras outras planilhas acessórias para controles específicos. A mesma análise se aplica às receitas. Tenho reservas financeiras para inúmeras finalidades, como impostos (IPVA, IPTU e IRPF), viagens de férias, manutenção e serviços com veículos", explica Wagner. Esses fundos, no entanto, só são usados em último caso. A regra é sempre ajustar o orçamento antes de retirar o que foi poupado.

Para esse casal, dinheiro deve ser guardado para emergências. Futuro e presente precisam ser bem planejados. O filho deles, João Francisco, de 5 anos, tinha uma poupança dois anos antes de nascer. Entre eles, até as despesas rotineiras, como salão ou uma ida ao restaurante, são previstas no papel a longo prazo. E assim o casamento segue em harmonia. "Sendo disciplinado e seguindo dicas de como conviver bem com suas finanças pessoais, penso que a vida será mais prazerosa e sem tanta turbulência", acredita Wagner.

A opinião dos especialistas
Unir em uma conta conjunta o salário do casal pode ser uma boa alternativa quando um dos cônjuges é um pouco mais consumista ou desorganizado com as finanças. Nesse caso, o mais controlado administrará melhor os gastos da família e os rendimentos.

O coordenador do curso de administração e consultor financeiro do Ibmec, Eduardo Coutinho, alerta, no entanto, que, nesse tipo de negociação, pode-se perder a liberdade com gastos pessoais. Nesse caso, ele sugere que se verifique o que é despesa individual e o que é despesa do casal para proporcionar bem-estar a ambos.

O ideal é que a conta conjunta seja controlada pelos dois. "Um parceiro que não tem acesso livre ao dinheiro do casal, seja qual for o motivo, não consegue construir sua identidade financeira, por estar submetido ao controle do outro", alerta a psicóloga Cleide Bartholi, especialista em questões financeiras.

Leia a reportagem completa na edição n; 407 da Revista do Correio.


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