Revista

A brasília, com carinho

Textos, poemas, opiniões, desenhos, fotos. Eis as homenagens dos nossos leitores para a capital

postado em 21/04/2013 08:00

Textos, poemas, opiniões, desenhos, fotos. Eis as homenagens dos nossos leitores para a capital

Algo genial de Niemeyer
Ele não sabia se seria definitivo quando foi para Brasília. Mas foi. Culpa de Maísa, uma artista plástica brasiliense, amiga de uma amiga da família, que passara férias em Belo Horizonte e o arrebatou em um súbito bem-querer.

Foi trecho de ida sem volta. Em um mês em férias na capital, desfrutou de um grande amor não vivido em 33 anos. Quando ansioso, tinha o cacoete de coçar seus charmosos, mas poucos cabelos lisos grisalhos. A frequência do gesto acusava sua paixão. Edgar estava duplamente hipnotizado, encantado, tomado: por Maísa e por Brasília. Não conseguiria se separar da pele negra de olhos cor-de-folha-seca e cabelos volumosos, do corpo libidinosamente sólido e da conversa instigante que o fascinaram ainda em Belo Horizonte. E como não morrer de amores pela cidade após andar de mãos dadas no Pontão do Lago, respirar o ar de uma caminhada no Parque da Cidade, fazer um lual no Complexo da República ou assistir ao esplêndido e vermelho céu de um pôr do sol na Ponte JK?

Não teve jeito, como em qualquer paixão, Edgar não perdeu tempo. Em uma só tacada propôs sua amada em casamento e também anunciou procurar apartamento na cidade para comprar. Comprar um imóvel numa cidade que não temos raízes é mais forte do que um pedido de casamento! Significa apostar em nós ; eu e você ; e nas novas sementes a serem plantadas: histórias, afeto, família, poetizava ele em sorriso carinhoso a ela, chorosa, aceitando o noivado.

A família de Edgar não acreditou muito de primeira. Só viu seriedade na coisa quando ele voltou à cidade apenas para fazer suas malas, juntar pertences e documentos para mexer seus pauzinhos na firma e se transferir para Brasília. Alguns familiares tentaram dissuadi-lo da ideia, outros deram força. Para ele, tanto fazia. Estava em um estado de veneração, admirava os gestos e a fotogeneidade de Maísa, pensava nela até mesmo quando estava com ela. Um milhão de planos; decidido por completo.

Não foi fácil para Edgar conseguir a transferência como pensava. Havia um monte de ressalvas e uma espécie de período de experiência, como se fosse um estágio probatório na firma de Brasília. Todavia, os dias passavam e Edgar começava a compreender melhor a cidade. Amava a arquitetura, os verdes canteiros, a lógica de organização dos endereços ; embora o alfanumérico ainda lhe causasse estranheza ; e via charme no respeito dos motoristas às faixas de pedestre. Em BH, chamamos esses caras, que atravessam as faixas de pedestres, de suicidas, contava rindo a Maísa, que o fitava por cima dos óculos com o meio sorriso de quem não vê graça em uma piada, mas feliz pela risada de seu igual.

Contudo, para tanto sentimento por um lugar que não lhe pertence, haveria uma contraposição justa. Edgard odiava as tesourinhas. Era velado, deixava ninguém saber, mas odiava. Odiava. E se sentia burro por ter a percepção tardia do elementar a qualquer um que é turista e depois passa a morar na cidade. Ser turista é igual a ter amante: não existe defeito na relação, sentenciava um amigo de longa data ao qual ligava com frequência para contar as novidades. Porém, Edgar também se casara com Brasília, que, perfeitamente imperfeita como qualquer outra cidade cosmopolita, era uma aos passageiros e outra, completamente diferente, aos motoristas.

Ele estava acostumado ao trânsito caótico de uma grande cidade como Belo Horizonte, com seus inúmeros cruzamentos e ladeiras a perder de vista, por isso, os engarrafamentos nas quadras comerciais, Rodoviária e Setor Bancário Sul não o comoviam. Entretanto, morando em um apartamento nas 300 da Asa Sul, e trabalhando no Setor de Autarquias da mesma Asa, ele precisava, inevitavelmente, usar as tesourinhas para cortar o Eixão. Nos primeiros dias, ligou ao escritório várias vezes para saber como chegar. Toda vez que entrava em uma direção, parava na mão contrária, ou acima do Eixão. A volta para casa era ainda pior. Às vezes, tinha de retornar e voltar muitas quadras para encontrar outra tesourinha, parando em lugar ainda mais distante. Um dia, teve de ligar para Maísa buscá-lo. Ele, acostumado ao próprio senso de direção apurado, jamais imaginou ter sua masculinidade afetada. Mas afetou. Marcou no fundo de sua virilidade ter de ligar para a noiva para não chamar um taxista para ir à frente, guiando.

No dia seguinte, bem cedo, pegou um táxi para a Feira dos Importados. Lá, o rapaz comprou rapidamente um GPS de fácil instalação e voltou ao Plano Piloto. Mal saiu de casa para testar sua nova aquisição tecnológica, sob o pretexto de ir ao mercado, e o dispositivo apagou. Só pode ser sacanagem, berrou socando o volante. Por grandessíssima ironia, o navegador pifou justamente em uma tesourinha. Será possível, essa desgraça põe medo até em GPS?, indagou ao aparelho apagado. Foi a gota d;água. Naquele dia, voltou para casa batendo a porta do carro, chutando o pneu e espatifando o GPS no chão.

Subiu, abriu a porta no supetão e começou a cuspir asneiras e desatinos para Maísa sobre a cidade, os amigos, o trabalho, o mundo. Maísa pintava um quadro e, sensata, falava pausadamente, pedia calma. Como Edgar persistia em atirar para todos os lados, sobrando inclusive para ela, a moça começou a retrucar, levantar a voz, gesticular demais. Quando ambos estavam fora de si, o celular de Edgar tocou providencialmente. Era o departamento de recursos humanos da sucursal de Belo Horizonte. O funcionário explicou que, por uma dessas razões incompreensíveis do destino, além de muita burocracia, ele não conseguiria efetivar seu cargo na cidade, a menos que abdicasse de toda sua gratificação, quase metade do seu ordenado.

Forçado a voltar a Belo Horizonte, Maísa, por muito amor, deixou Brasília e foi junto com ele. Hoje, ela, bem familiarizada à cidade, tem organizado uma exposição sobre a cultura candanga por lá. Já Edgar, de volta ao cotidiano e ao trânsito louco da capital mineira, faz questão de falar das belezas e da arquitetura da Brasília de Juscelino aos amigos nas mesas de boteco. Em Brasília, você não precisa cortar bairros inteiros ou ir até o fim de uma avenida pra achar o retorno de outra avenida, como em muitas das grandes cidades brasileiras! Há algo genial de Niemeyer nas vias de lá chamado tesourinha...
(Fernando Ramos)

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Destino
Desembarco da aeronave e, sem demora, já estou em suas asas.

Brasília impressiona!
De um lado, a suntuosa simplicidade dos prédios de seis andares, que nos servem de batedores no Eixão, fazendo crer que, voando nele, somos pássaros livres, reconhecidos em nossa autoridade cidadã;

De outro, o extenso azul que se descortina, nos levando, ao dia, a comemorar com o sol a nossa chegada e, à noite, a brindar com a lua a nossa estadia.

Talvez, seja o único lugar em que o sol estenda a mão para a lua, no fim de tarde, sob a cumplicidade do maior céu do país.

Ao chegar em Brasília, queremos assisti-la.

Ver a cidade que mais vezes entra em nossa casa, no cotidiano, sem dela fazer parte ou ser vizinha. Como se tivéssemos sentados em nossa sala, em qualquer rincão do país, diante da televisão, acompanhando os jornais e as notícias do Planalto

Central, tendo no fundo da tela um monumento que simboliza a origem da informação.

Os niemeyers que se erguem aos nossos olhos, alicerçados entre riscos de Lucio Costa, convidam-nos a outra viagem, a do Brasil republicano. E logo que percebemos isso, Brasília nos envolve em um espírito cívico que nenhum outro lugar oferece.

Aqui trabalham aqueles que vertebram o estado brasileiro, os que, sendo nação, constituem o governo pela ordem democrática ou pelo destino.

Da crença sobre a visão de Dom Bosco à crença da realização de Juscelino, vão-se parque e lago. O Sarah e o Paranoá! Nestas águas, do sul e do norte, a nascente do sonho civilizatório brasiliense; naqueles verdes, a sustentabilidade saudável dele.

Brasília, 53 anos, onde os brasileiros se encontram, respeitando as diferenças, consolidando identidades.

Para percorrermos o nosso caminho.

Para cumprirmos o nosso destino, orientados pelas tesourinhas que, pedagogicamente, nos conduzem ao endereço desejado: a superquadra nossa (SQN) ou a superquadra sua (SQS), caro leitor, a imensa quadra de terra que dá lugar à capital do Brasil!
(Professor Ronaldo Teixeira)

"Nossas tesourinhas não cortam, unem."

(Marcus Marconi)

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Às tesourinhas!
Essa maravilha da engenharia
Contemporânea, este ícone
Arquitetônico de quem os vê
Fica até atônito.
Essas incríveis tesourinhas
Que parecem
Até asas de borboletinhas
Ou qualquer outro desenho de criança
E que nas imagens aéreas nos encanta
E não há outra semelhança.
A genialidade deste e a funcionalidade
De quem os fez
Proporcionou aos usuários
A acessibilidade de vez.
Lucio Costa deveria estar
Iluminado com áureas infantis
Ao projetar as tesourinhas
Tão emblemáticas e tão sutis.
É lindo de se ver e saber
Que na nossa capital federal
Tal projeto, não há outro igual.
Parabéns, Brasília!
Dos candangos heróis.
Parabéns Brasília!
Das eternas e únicas tesourinhas
Que se enchem de orgulho todos nós.

(Carla Duarte)

;Acho que Brasília mereceria uma iluminação digna como Paris, Varsóvia, já que, durante 12 horas, a capital mergulha na escuridão, o que poderia dar um outro estatuto de beleza e atrair turistas e trazer orgulho à população. Hoje a visão noturna é triste.;
(René Louis Pic)

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Brasília utópica/distópica
Brasília,
visualizada por
místicos e revolucionários,
é ícone da ruptura
do passado colonial;
utopia de uma nova sociedade
mais humanitária e igualitária,
e expressão singular da
arquitetura modernista,
minimalista,
onde só o essencial é traçado.

Raiz
dos Guayases,
Brasília acolhe tribos
de todas as nações.
É cidade porto e cidade parto
de uma nova civitas,
eclética em seitas
que a todos abriga
esotéricos e racionais.
Sonho/realidade erguido
a partir de uma encruzilhada
por peregrinos que consolidaram
a etnologia tupiniquim, orgulhosa
de sua genialidade e miscigenação
de múltiplos matizes, enriquecida
por mosaicos culturais globais.

Ao sopro inicial
em um 21 de abril,
primeiro dia de Touro,
signo de terra e de realização,
consolidou-se após
o arrojo inicial do Carneiro,
que crê nos sonhos impossíveis
e a tudo enfrenta
para os concretizar.

Sua
mitologia é do novo,
do pragmático e do imaginário
arquitetônico fundidos na criação
de uma realidade monumental
inspirada no tarô egípcio e
na cabala hebraica,
subvertendo o óbvio
que a tantos confunde
por só reconhecerem como belo
a miragem das urbis convencionais.
A esses, o cerrado, inusitado,
assusta,
enquanto aos que admiram sua
originalidade,
Brasília encanta.

Indo além do convencional de
moradia, trabalho e circulação,
Brasília é espaço vivo,
alterando continuamente
sua topografia e
estabelecendo novas topologias,
urbanas e humanas,
na entropia em que está inserida.

Lúdica,
Brasília assume novas direções no
fluxo continuo dos processos sociais
transformadores de planos pilotos
que são desfeitos
para outros serem criados
mas preservando sua insígnia
futurista, mesmo repetindo
cartesianos passos pretéritos,
posto que,
se por mitos foi concebida,
por humanos é forjada,
e destes se retraem
as asas do arrojo
para saltar no desconhecido
de novas alvoradas.

Interiorização
e equilíbrio
nos convidam Brasília.
Suas largas vias e
horizonte amplo
purificam o ar e remetem
os corpos ao movimento e
as mentes a olharem
a plenitude do
Planalto Central.
Suas tesouras não cortam,
unem caminhos.

Anos,
décadas, séculos e milênios
terminam e iniciam,
e a vida segue seus passos
construindo um novo futuro.
Nesse pulsar eterno, Brasília,
com sua magia plural,
como somos em nosso painel de
diversidade geográfica, cultural,
étnica e religiosa, continuará a
abrigar renovadas auroras, em um
convívio utópico/distópico a ser
(re)construído.

(Roberto Rodriguez)

Pássaros do Outono
Textos, poemas, opiniões, desenhos, fotos. Eis as homenagens dos nossos leitores para a capitalE hoje pela manhã saí a caminhar pelas quadras da Asa Sul, e de repente estava entre as árvores órfãs de suas folhas, que, agora, secas, desmaiam ao chão e as deixam nuas e solitárias, porém cientes de sua missão cumprida, certas de que acolheram as folhas, os frutos e os pássaros; ficam tristonhas e solitárias, sem dúvida, mas, na certeza de que é temporário como tudo na vida.

Dou-me conta de muitos pássaros do outono rumo a via láctea, e eles tem me chamado a atenção desde o primeiro dia do outono, voam alegres, apressados e destinados a um novo rumo... é também efeito da natureza.

Pássaros que buscam um novo céu; pois com sua liberdade já moram no céu; leves, não carregam mochila, nem cartão de crédito, nem celular, nem óculos escuros, nem mesmo o endereço de sua nova morada. A eles apenas o que Deus lhes deu, as asas para voarem, o bico para colher seu alimento e o lindo cantar para impressionarem quem passa... eu fiquei apaixonada por todos eles!

Vivam os pássaros do outono, seres simples, leves, desprendidos e assertivos em sua missão de vida! A simplicidade. E é nesta estação que eu vou tentar imitá-los.
(Ana Suely P. Lopes)

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