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A dona da ideia

Diretora de criação do Instituto Orbitato, Celaine Refosco tem a nobre missão de resumir a brasilidade para os gurus da indústria têxtil mundial

postado em 01/08/2013 08:00
Entrevista//Celaine Refosco A dona da ideia Diretora de criação do Instituto Orbitato, Celaine Refosco tem a nobre missão de resumir a brasilidade para os gurus da indústria têxtil mundial Por Maria Júlia Lledó Você acha que a escolha do tipo de tecido, das estampas e das cores que ornam a sua casa é aleatória? Ou afirma, de pé junto, que as opções apresentadas nas vitrines se assemelham por mera coincidência? Se você faz parte desse grupo, senta que lá vem a história. Tudo o que se fabrica no segmento de cama, mesa e banho está atrelado às tendências ditadas por especialistas e grandes feiras do segmento. Caso da Heimtextil, a mais importante feira internacional de têxteis para o lar, realizada há mais de duas décadas em Frankfurt. Nessa curadoria, o Brasil também é peça-chave. A única brasileira a participar dessa roda é a catarinense Celaine Refosco, diretora criativa do instituto catarinense de moda e design Orbitato (SC). Representante da América Latina na equipe responsável pelo catálogo Trends (Tendências), da Heimtextil, ela conversou com a Revista sobre essa missão. Ciente da responsabilidade, ela aposta na criatividade verde-amarela como diferencial do que está por vir no setor têxtil voltado para o lar. "Falamos de tecidos que vão revestir nossa casa %u2014 roupa de cama, tapete, papel de parede, forro de móveis %u2014, mas sabemos que hoje esse limite entre o que se produz para a casa, para a moda e para o calçado está se tornando tênue", dá o recado. Qual é a importância de ser convidada para participar do catálogo de tendências da Heimtextil? Em 2012, fui convidada para participar. Essa foi a primeira vez que alguém da América Latina entrou na roda. Acredito que esse convite tenha sido não só um reconhecimento pelo trabalho, mas também porque eles viram o Brasil com outros olhos e me sinto bem responsável nesse sentido. Há uma vontade grande de eles (japoneses, ingleses, franceses, holandeses, entre outros) virem para cá. Antes, nós é que queríamos ser chamados por eles. Esse grupo é formado por pessoas de países com visões bem diferentes e não necessariamente complementares. Nos encontramos em março passado, depois continuamos o trabalho on-line até que um dos países, escolhido pelo grupo, fecha o material gráfico e fica responsável por realizar a exposição dessas tendências durante o evento, em janeiro. Nessa exposição, mostramos todo esse processo de pensamento criativo. Os expositores contribuem para que vocês cheguem a uma convergência de pontos de vista? Todos os fabricantes que participam enviam suas amostras e ideias. O consenso está nas conclusões do grupo e dos expositores. Selecionamos aquilo que dialoga para compor a exposição que tem como intenção inspirar visitantes e outros fabricantes. Ao mesmo tempo que é um trabalho sobre tendências que virão, o catálogo e a exposição se relacionam com o que já está consolidado, porque os materiais já existem. E qual é a contribuição da América Latina nessa roda de discussões? Fiz e levei uma pesquisa muito ampla, desde elementos têxteis até referências transversais que abordam o jeito de morar, de se vestir, de viver brasileiro e da América Latina como um todo. Cada um leva suas referências organizadas a sua maneira. Os ingleses, por exemplo, chegam com tudo mais ordenado, enquanto nossa organização é um pouco mais caótica. Mas todos gostam disso. Já os japoneses levam referências palpáveis e apresentam um trabalho amplo e poético. Os americanos já são mais formatados e chegam com uma carta de cores e objetivos traçados. Incrivelmente, os holandeses têm um raciocínio parecido com o nosso. Eles se reconhecem como os "latinos" europeus. Dessa maneira, cada um se apresenta. Eu trouxe tendências que venho observando. Caso da influência da música, da fotografia e de outras manifestaões artísticas brasileiras. Além de outro aspecto que acho que ainda vai dar samba: europeus morando no Rio de Janeiro e que compraram terrenos em favelas. O que significa em termos de hibridismo cultural essa vinda do europeu para cá no século 21?Essa e outras observações servem para discutirmos referências que fazem parte do processo criativo do grupo. Todos anotam as impressões que tiveram das apresentações de cada um para criarmos uma lógica de pensamento e definir palavras-chaves que nos orientam. Como é esse processo até sintetizar todas essas ideias? Em março, quando apresentamos nossas ideias, já saímos com cartelas de cores prontas. Depois, discutimos imagens complementares, como isso vai ser exposto em texto. A exposição do material final vai depender do país que organizará esse material. Neste ano, serão os ingleses. Então, de abril a julho, procuramos os artistas que expressaram essas manifestações/referências, essas tendências sobre a qual falamos e as quais destacamos. Ano passado, por exemplo, eu falei sobre o trabalho de bordado do Ronaldo Fraga, que teve a obra de Athos Bulcão como referência %u2014 havia ali uma linguagem que não se espera do bordado. Então, buscamos os artistas para pedir concessão de direitos autorais a fim usá-los como referências. Esse trabalho vai ilustrar o que estamos pensando em termos de textura, cores e tudo o que diz respeito à superfície de casa. "Todos os fabricantes que participam mostram suas amostras, suas ideias. O consenso está nas conclusões do grupo e dos expositores. Selecionamos aquilo que dialoga para compor a exposição que tem como intenção inspirar visitantes e outros fabricantes" O que vem por aí%u2026 A conclusão geral a que chegaram os designers na roda de discussões aponta para um futuro tecnológico ou uma releitura baseada em referências do passado. Essas duas linhas permeiam uma cartela de cores e de texturas para cada grupo. "Esse catálogo pode servir como diretriz não só para grandes indústrias, mas para artistas e pequenas cooperativas", antecipa Celaine. Com lançamento previsto para janeiro de 2014, o próximo catálogo Trends estará disponível em PDF no site da Heimtextil no próximo ano. Tecnologia digital "Cores brilhantes, de aspecto digitalizado, que aceitam um contraste abrupto e meio-tom. Dá para ver onde uma começa e a outra termina. A textura não é da natureza, mas de novos plásticos, muito importantes para esse grupo, que ainda abrange as impressões digitais e em 3D." Engenharia da natureza "A interferência da tecnologia na natureza. Exemplo: um morango alterado geneticamente pode vir na cor preta. Ou seja, você sabe que é um morango, mas ele sofreu um processo. Algo equivalente ao algodão colorizado. O foco aqui é madeira, pedra, metal, osso. "Há uma pureza material, porém, sempre associada à transformação tecnológica." Craft "O artesanato dialoga com inovação, mas é revisitado. Não se inventa a roda, mas se adapta e se ressignifica o artesanato para as necessidades industriais. Nesse grupo, há um trabalho relacionado à tecelagem, ao tingimento. Esse olhar para trás permite um olhar para frente. Daí vemos surgir coisas novas. A razão de trabalharmos isso é porque vivemos em um mundo muito picadinho. Temos muita sobra, material picado, e a indústria não está preparada para trabalhar com materiais fragmentados. O verbo aqui é reaproveitar."

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