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Do palco para o coração

Denise Fraga sabe que a risada é um atalho para o incômodo, para fazer pensar. Na corda bamba do drama e da comédia, a atriz construiu uma carreira sempre de altos

postado em 08/12/2013 08:00

Denise Fraga sabe que a risada é um atalho para o incômodo, para fazer pensar. Na corda bamba do drama e da comédia, a atriz construiu uma carreira sempre de altosNão era para Denise Fraga ser atriz. Não fosse o acaso, talvez nunca as mulheres vividas por ela na ficção, seja na tevê, no teatro ou no cinema, tivessem ganhado vida. Nem as moças reais de histórias surreais interpretadas por ela em Retrato falado, antigo quadro do Fantástico, nem a Dora em O auto da compadecida, nem a Vera no longa Hoje. ;Eu era muito tímida e jamais pensei que seria atriz um dia. Eu nunca achei que essa profissão fosse para nós, pessoas comuns;, conta a atriz. Denise só entrou no curso de teatro porque a faculdade ; ela cursaria belas artes ; começava em agosto. Nada sério, só um hobby, algo para preencher o tempo livre nas férias forçadas entre o vestibular e o início das aulas. Quando se deu conta, estava trancando a faculdade porque já conseguia conciliar os ensaios com a universidade.

;Eu tranquei com aquela coisa assim de ;um dia eu volto;. Nunca mais voltei. Chegou uma hora em que eu tive que escolher;, lembra. Ainda bem. Tivesse voltado talvez não pudesse hoje encher o peito para falar com tanta paixão da profissão que acabou encontrando meio sem querer. ;Eu me sinto muito sortuda de ter encontrado uma profissão que eu amo e que me permite viver dela. É tão raro hoje encontrar uma profissão que você realmente goste;;, reflete, com a mesma doçura que imprime a todas as suas personagens.

Depois de quatro anos afastada da tevê aberta, Denise está de volta ao horário nobre com A mulher do prefeito, minissérie cômica em que vive Aurora, ex-primeira-dama transformada em prefeita depois que o marido, interpretado por Tony Ramos, se vê obrigado a deixar o cargo. Embora seja um desafio, Denise garante que o casamento entre humor e política deu certo. ;Acho que humor afia a faca. Ele consegue falar de coisas muito profundas sem minimizar o assunto;, analisa. O projeto da minissérie é uma parceria dela e do marido, o diretor Luiz Villaça. Os dois já haviam unido forças em 3 Teresas, série do canal GNT, e também no filme Do lado de cá. ;A gente aprendeu a trabalhar junto, a encontrar o caminho do meio, nem o que ele quer nem o que eu quero;, conta.

Na próxima semana, a atriz desembarca em Brasília com a peça Chorinho, de Fauzi Arap, em que interpreta uma moradora de rua. Ela contracena com a atriz Cláudia Mello. Suas personagens, que a princípio se rejeitam, engatam um diálogo ao mesmo tempo cômico e profundo, sobre relacionamento, convivência e problemas do cotidiano. A remontagem da peça ; em cartaz pela primeira vez em 2006, com Cláudia Mello e Caio Blat nos papéis ; foi iniciativa da própria Denise. ;Eu queria algo que fosse simples, fácil de colocar em cartaz. E o Fauzi sugeriu Chorinho.; Da sua carreira no teatro, ela puxa de memória, essa talvez seja a peça com maior retorno da plateia. ;O texto é tão forte que, quando a peça estava em cartaz em São Paulo, a gente ouvia muito as pessoas dizerem ;nossa, tinha vontade de pegar um papel para anotar o que vocês estavam dizendo;.; A obra fica em cartaz na cidade entre 6 e 8 de dezembro, no Teatro Brasil 21 Cultural. Por telefone, a atriz conversou com a Revista sobre trabalho, projetos e a parceria com o marido na vida e nos sets.

Você acha que existe ainda algum tipo de preconceito com a comédia, como se ela fosse uma arte menor que o drama?
Todo mundo acha que a comédia é uma coisa nata da pessoa, como se a comédia não fosse um trabalho, fosse uma natureza. Geralmente, sobre ator dramático, a pessoa fala ;nossa, ele é muito bom ator, um ator maravilhoso;. Quando é um bom comediante, a pessoa fala ;nossa, ele é muito engraçado;. E, para mim, a comédia é uma coisa musical, matemática, nem acho que eu sou engraçada na vida. Tenho um prazer enorme em fazer comédia e pensar naquilo que pode ser engraçado e partiturar o texto de uma forma engraçada. E acho que não é questão de preconceito, acho que é mais desconhecimento. A comédia é muito musical mesmo. Às vezes, você está em cena e vê que não vai dar, as pessoas não vão dar risada, porque está fora do tempo cômico, sabe? Os chamados grandes atores podem até fazer comédia, mas eles precisam ter drama no currículo.

O que não quer dizer que a comédia tenha uma mensagem mais superficial, não é?
É, eu acredito que a comédia seja um grande veículo de reflexão. Eu acho que, por meio do humor, você consegue dizer muita coisa. Consegue dizer de forma bem-humorada e isso não minimiza a ideia ; muito pelo contrário. O humor é revolucionário nesse sentido, né? Como se você amaciasse a carne do sujeito para dar uma flechada nele. De uma forma branda, você está dizendo coisas duras. Com Chorinho é assim. Com um humor irônico, você consegue fazer com que as pessoas, depois de rirem um monte, saiam do teatro com um nó na garganta. E esse terreno me interessa muito. Eu gosto de saber que os espectadores foram lá, se divertiram, deram risada, mas saíram do teatro com a pulga atrás da orelha.

Você ficou um tempo fora da tevê aberta e está de volta com A mulher do prefeito. Daqui para frente, pretende alternar entre tevê e palco? O que você está planejando?
Bom, eu tenho vários projetos. A gente vai fazer uma segunda temporada do 3 Teresas, na GNT ; isso está praticamente certo. Devo fazer o quarto longa-metragem do Luiz Villaça no ano que vem, que tem o título de Do lado de cá. Somos eu e o Domingos Montanger (ator). É sobre um casal que se separa e ele vai morar do outro lado da rua. É uma coisa de comédia cotidiana, essa pegada de 3 Teresas que a gente gosta. E eu continuo viajando com Chorinho nos intervalos.

Remontar Chorinho foi uma iniciativa sua, não?
Um dos motivos que eu queria ter o Chorinho é porque é uma peça que a qualquer momento a gente poderia colocar em cartaz. É uma produção que somos eu a Cláudia (Mello) em cena e um banco de praça. E talvez seja, entre as peças que fiz, a que eu mais sinta o poder da palavra. É impressionante. Quando falei com o Fauzi (Arap, autor e diretor da peça), queria alguma coisa que falasse justamente do convívio, do trato humano, porque eu acho que a gente se trata muito mal sem necessidade. Eu queria falar um pouco sobre isso, sobre a dificuldade das relações, de como a gente se esquiva do convívio. O Fauzi é meio um mestre nosso, uma espécie de guru, uma pessoa que a gente respeita muito.

A primeira montagem tinha o Caio Blat no papel que hoje é interpretado por você, que é o do morador de rua. Faz alguma diferença ter duas mulheres no palco, a mensagem da peça muda?
Na verdade, ser uma mulher criou algo até melhor, porque fica uma coisa espelhar. A princípio, são duas pessoas que se rejeitam. Ela é uma moradora de rua nessa praça e essa senhora vai todos os dias lá cuidar das plantas, até que um dia ela fala: ;Por que a senhora não me cumprimenta, a senhora vem aqui todos os dias?;. A partir disso, elas começam a ter uma relação, enfim; Mas o que é legal é a maneira simples com que o Fauzi escreve, as pessoas riem muito, mesmo falando de coisas muito profundas. É esse lugar aí que eu gosto, que é o humor a serviço da emoção, da reflexão, de um lugar mais embaixo, sabe?

Você e seu marido (Luiz Villaça) são grandes parceiros profissionais;
A gente está feliz porque voltou a trabalhar junto. Este ano, a gente fez projetos que foram muito intensos, que foram 3 Teresas e, depois, A mulher do prefeito, que a gente está terminando as gravações e que também foi muito legal. Depois, temos mais uns dois projetos pela frente.

Trabalhar juntos nunca atrapalhou a relação de vocês? Trabalho e família não acabam meio misturados?
Não; A gente aprendeu a discutir, a achar um lugar. Aprendeu também a brigar. Não concordamos em tudo. A gente discute, mas a gente chega em lugares. Isso que é o mais legal da parceria, de qualquer parceria, é exatamente esse lugar do meio que fica entre as duas partes, que eu acho que é o lugar mais legal. Conseguir o caminho do meio, nem o que eu acho, nem o que ele acha. É por isso que continuamos trabalhando juntos.

Você está no ar como a Aurora, em A mulher do prefeito, que acaba virando prefeita. Uma pessoa como ela funcionaria em um cargo de poder na vida real?
Ela assume a prefeitura primeiro por amor ao marido, por lealdade. Depois que ela assume e coloca as pessoas no Pintanguão, ela se sente comprometida com essas pessoas que estão lá, e ela precisa resolver esse problema. Então o que mantém ela na prefeitura é o compromisso. Primeiro com o marido e, depois, com essas pessoas. O que me fascina nessa personagem é essa disponibilidade para o outro, para resolver o problema. Acho que isso a gente gostaria de ter em qualquer governante. A gente sabe que não é fácil e a Aurora bate muito a cabeça, ela não é do meio, erra muito, mas também, por essa disponibilidade de fazer o que der e vier, ela acerta muito.

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