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A poltrona molenga que ganhou o mundo

Ao longo do ano, vamos contar histórias de objetos que se tornaram ícones de consumo, seja no design, seja na moda, seja em outras áreas capazes de despertar nossos desejos

Juliana Contaifer
postado em 19/01/2014 08:00

Sabe aquele objeto que você sempre quis ter em casa? Esta semana iniciamos uma série sobre desejos de consumo. E, para começar, nada melhor que um ícone nacional. Criada em 1957 pelo arquiteto carioca Sérgio Rodrigues, a cadeira Mole até hoje faz sucesso como um dos grandes ícones do design moderno.

Ao longo do ano, vamos contar histórias de objetos que se tornaram ícones de consumo, seja no design, seja na moda, seja em outras áreas capazes de despertar nossos desejos

- Na década de 1950, a maioria dos produtos de design tinha projetos minimalistas ; os pés palito eram os grandes destaques da época ; e pretendia que o cliente se sentasse comportadamente, de forma elegante. A Mole revolucionou os padrões, convidando qualquer um a se esparramar confortavelmente em uma poltrona robusta, feita de madeira.

- Quando foi criada, a Mole ficou quase um ano na vitrine da loja, sem nenhum comprador. Os mais críticos costumavam dizer que a poltrona parecia uma cama de cachorro.

- É conhecida internacionalmente como poltrona Sheriff. Em 1961, para participar do Concurso Internacional do Móvel em Cant;, na Itália, Sérgio Rodrigues precisou fazer algumas mudanças no design inicial, incluindo mais algumas curvas. A poltrona ganhou o prêmio e passou a ser produzida por uma empresa italiana.

- A famosa poltrona existe em três modelos. A Mole, original; a Sheriff, levemente modificada para o concurso italiano; e a Moleca, desmontável.

- A poltrona faz parte do acervo permanente do Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, e do Museum of Modern Arts (MoMA), em Nova York. Volta e meia, aparece em uma mostra de decoração, como na Casa Cor Brasília deste ano.

- Quer ter uma para chamar de sua? É possível encomendar uma poltrona Mole, e o preço depende do material e do tecido escolhidos. Em Brasília, a poltrona de couro envelhecido pode chegar a R$ 18 mil, enquanto a de couro nacional sai por um pouco mais de R$ 16 mil. A cadeira base, sem o tecido, custa quase R$ 11 mil. As originais, produzidas em 1957, podem chegar a R$ 50 mil.

- O arquiteto carioca Sérgio Rodrigues, 86 anos, criou a poltrona para o fotógrafo e amigo Otto Stupakoff, em 1957. A ideia era fabricar um móvel no qual os visitantes de seu estúdio pudessem ficar confortáveis e à vontade.

- Além do Brasil, a poltrona Mole pode ser encontrada nos Estados Unidos, na França, no Canadá, na Estônia, na Índia, na Itália, em Singapura e no Uruguai.


Com a palavra, Sérgio Rodrigues
Ao longo do ano, vamos contar histórias de objetos que se tornaram ícones de consumo, seja no design, seja na moda, seja em outras áreas capazes de despertar nossos desejos"É uma poltrona superpreguiçosa. Na época, eu tinha na cabeça a ideia de fazer uma peça que pudesse ficar em qualquer ambiente, que não fosse uma cama nem um colchão, mas bem confortável. Quando o Otto Stupakoff me pediu uma peça para o estúdio dele, imaginei um apartamentinho bem pequeno e pensei em um sofá que não fosse parecido com uma cama ou um sofá-cama, mas que fosse tão confortável quanto. A poltrona Mole começou sendo, na verdade, um sofá (para dois lugares). Na hora de pagar, o Otto disse que não tinha nenhum dinheiro, mas ofereceu uma fotografia de caráter internacional para o lançamento do sofá. Eu topei, e, como o estúdio dele não tinha um fundo infinito, dei a ideia de levarmos a peça para a praia. Naquela época, havia pouca gente no Leblon e, quando a maré estava baixa, a areia ficava plana, maravilhosa. Colocamos lá o sofá e o Otto foi arrumar a câmera. Mas demorou tanto que o mar veio com força total e molhou o sofá inteiro. Mesmo assim, ele foi inaugurado com sucesso.

Na época, era moda ter o sofá e as poltronas combinando. Muita gente pedia e resolvi fazer um sofazinho de um lugar, que virou a poltrona Mole. Mesmo assim, a poltrona ficou um ano na vitrine sem nenhum comprador. Eu acreditava nela, mas os meus sócios pediram para colocá-la no fundo da loja. Foi quando ela foi comprada pela diretora do Museu de Arte Moderna do Rio. Eu fui ver onde ela ia ficar, entrei em uma galeria de arte, com peças perfeitas da Bauhaus, e lá estavam as minhas poltronas. Foi quando eu comecei a acreditar no sucesso delas. Depois disso, o Roberto Marinho comprou mais duas para o seu iate. Eu nunca imaginei que ia ganhar prêmios ou que a poltrona fosse ficar famosa. Eu só queria algo confortável.

O nome da poltrona surgiu, na verdade, dos operários da fábrica. O protótipo estava sendo feito e eu recebi uma ligação logo cedo dizendo que o conde estava dormindo no sofá e roendo os pés daquela poltrona molenga. Não entendi nada. Eu tinha um sócio que era conde na Itália, mas ele não ia estar roendo o sofá, né? Quando cheguei lá, descobri que o cachorro que ficava vigiando a fábrica é que se chamava conde. E a poltrona continuou sendo chamada de molenga, mole.

A poltrona se tornou símbolo do design brasileiro porque o sucesso continuou lá fora. Depois de ganhar o Concurso Internacional do Móvel em Cant;, na Itália, o pessoal dizia que era a única peça brasileira que não era um rabisco tropicalista. Era uma peça que tinha valor. Eu sempre dei muita atenção ao acabamento da madeira, desde quando fazia brinquedos na infância."

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