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Só a prevenção salva

A cada dois minutos, morre uma pessoa em decorrência de problemas cardíacos no Brasil. Até 2040, esse número vai crescer duas vezes e meia. O estilo de vida estressante é uma das razões que levam a esse dramático quadro

Flávia Duarte
postado em 18/05/2014 08:00
A cada dois minutos, morre uma pessoa em decorrência de problemas cardíacos no Brasil. Até 2040, esse número vai crescer duas vezes e meia. O estilo de vida estressante é uma das razões que levam a esse dramático quadroIncansável, o coração trabalha dia e noite, sem parar. Uma breve interrupção no ritmo de seus 70 a 80 batimentos, em média, por minuto, pode ser fatal. Uma acelerada incomum nesse compasso também pode custar uma vida. Responsável por bombear a todo o corpo o sangue oxigenado, ele é a peça essencial que mantém em funcionamento essa engrenagem chamada corpo humano. Se ele não trabalha, tudo para. Daí a preocupação. Hoje, no Brasil, a cada dois minutos, uma pessoa morre porque o coração não deu conta de desempenhar suas tarefas. Os demais órgãos perecem e mais uma vida que, às vezes, podia ser poupada, se perde.

As estatísticas não são promissoras. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a tendência é de que esse número aumente para 1,5 morte ocorrida em apenas um minuto, até 2050. Em outro cálculo, a OMS apresenta a trágica conta de que até 2040 o número de mortos por doenças cardiovasculares do Brasil cresça em torno de 250%, ou seja, praticamente dobre a cada década.

Não só no Brasil as doenças cardíacas serão a principal causa de morte nos próximos 25 anos. Espera-se que aumente também na China (210%), na Índia (170%) e nos Estados Unidos (70%), por exemplo. Atualmente, as doenças do coração correspondem ao total de 30% de todas as mortes no mundo. Mata mais que o temido câncer, por exemplo, que corresponde a 13% das causas de óbitos gerais. Mas a pergunta é: por que o coração ainda mata tanto?

"Com a urbanização, você muda os hábitos de vida, as pessoas passam a comer mais e a fazer menos exercícios. Temos aumento dos casos de obesidade e dislipidemias (aumento das taxas de colesterol e de triglicerídeos)", aposta o cardiologista Pedro Farsky, coordenador científico das reuniões de cardiologia do Hospital Israelita Albert Einstein. "Falta prevenção, que é uma questão de saúde pública: os fatores de risco não estão controlados", acrescenta o cardiologista Fernando Atik, chefe da Unidade de Transplante do Instituto do Coração do Distrito Federal.

Outra explicação que não pode ser desconsiderada é o fato de que há décadas as doenças infectoparasitárias estão sob controle, com exceção das regiões pobres da África. Isso se traduz em menos mortes por doenças resultantes de falta de infraestrutura, como cólera, tifo, leptospirose, por exemplo, e, portanto, as doenças cardiovasculares ganham destaque entre as causas de morte de adultos. Além disso, com a erradicação de males decorrentes da miséria e com a melhoria de vida, as pessoas estão vivendo mais e, consequentemente, ficam mais vulneráveis ao risco de o coração se desgastar e se tornar mais frágil e doente.

Nessa matemática de viver mais e nem sempre da melhor maneira, quem sente é o coração. Por isso, ele mata tanto. Ao longo da vida, nem todos se preocupam com ele, e, quando dá sinais de complicações, às vezes, é tarde demais. "No Brasil, das mais de 1 milhão de pessoas que morrem por ano, pelo menos 394 mil são por causa do coração. Esse número é resultado de altas taxas de colesterol, pressão alta, aumento dos casos de obesidade. São fatores de risco clássicos, que todos já sabem que representam riscos para doenças cardíacas", alerta Fernando Alves, cardiologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo.



O peso da vida urbana

A cada dois minutos, morre uma pessoa em decorrência de problemas cardíacos no Brasil. Até 2040, esse número vai crescer duas vezes e meia. O estilo de vida estressante é uma das razões que levam a esse dramático quadroO que muitos desconhecem, porém, é que o coração sente os efeitos da vida moderna. "O que as pessoas não têm noção é de que o estresse, a poluição, o fato de pegarem um ônibus lotado, por exemplo, aumentam o risco de doença cardiovascular", acrescenta doutor Fernando Alves. A relação entre a rotina que se leva e a saúde do coração, se é desconhecida por quem enfrenta um dia a dia arriscado, há tempos já foi definida como um moderno fator de risco pelos especialistas.

A pesquisa canadense, batizada de Interheart, foi um dos maiores estudos feitos na tentativa de identificar as principais razões que potencializam em 90% a chance de ter um infarto agudo no miocárdio. Para o estudo, entrevistaram mais de 12 mil pessoas com histórico familiar de infarto, e mais de 14 mil que não contavam com a mesma sorte, em 52 países, no período de 1999 e 2003. Foram analisados fatores de risco óbvios, como tabagismo, colesterol, diabetes, obesidade, alimentação e consumo de bebida alcoólica, para avaliar quais hábitos tornavam as pessoas mais vulneráveis aos problemas cardíacos.

O diferencial, no entanto, ficou por conta dos pontos psicossociais considerados arriscados. Ocupação profissional, renda, níveis de estresse foram levados em conta. "O Interheart mostra que, até mesmo quando o indivíduo casa-se duas vezes, aumenta o risco de ele ter um infarto", conclui o cardiologista Fernando Alves.

Reconhecendo-se então o perigo, a primeira medida a fazer é amenizá-lo. A questão é que tanto a população minimiza o alerta quanto as autoridades negligenciam as medidas de prevenção. Os números mostram que para evitar a previsão das mais de 23 milhões de mortes por causa de doenças cardiovasculares nos próximos 16 anos, segundo dados da OMS, é preciso mudar os hábitos: manter dieta saudável, fazer exercícios, controlar as taxas, reduzir o álcool e livrar-se do cigarro, para falar o mínimo.

O que se coloca no prato, aliás, tem poder de prevenção. O cardiologista Wing Carvalho Lima, do Hospital do Coração do Brasil, garante que só a escolha dos alimentos certos ; e aí compreende-se com menos sal, açúcar e gordura saturada ; já reduz em 30% as chances de ter um infarto.

Mas o caminho ainda parece ser longo: de 15% a 20% dos brasileiros são fumantes; 12% têm diabetes; mais de 80% da população ainda é sedentária; cerca de 4% a 7% das crianças têm hipertensão e mais ou menos 18% delas estão com sobrepeso. Isso sem falar que entre os adultos hipertensos, apenas 20% fazem controle efetivo do problema. O restante ou não adere ao tratamento ou desconhece que tem o mal.

Na tentativa justamente de criar metas coletivas para controlar esses fatores de risco e prevenir as ocorrências de infarto e AVC no Brasil e nas Américas, a Sociedade Brasileira de Cardiologia elaborou a Carta do Rio de Janeiro, no ano passado. O documento propõe diversas formas de alertar à população e promover o aumento da qualidade de vida. "São políticas de prevenção e de tratamentos para reduzir a mortalidade por doenças cardíacas. As principais se referem ao trabalho em conjunto com as sociedades do mundo todo para reduzir o sedentarismo por meio de campanhas pela tevê; o controle da hipertensão; a redução do consumo do sal e do tabagismo", esclarece o cardiologista Wing Carvalho.

Prevenir, aliás, parece ser a forma mais eficiente de reduzir estatísticas tão pessimistas e preocupantes. "A cultura de prevenção não é adotada como uma política pública de saúde", lamenta a cardiologista Edna Marques, coordenadora da cardiologia da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Algumas iniciativas do governo tentam induzir novos hábitos, como a lei federal que obriga, desde o ano passado, as escolas a oferecerem lanches mais saudáveis; ou as leis estaduais que controlam os locais onde se pode ou não fumar, limitando o fumo passivo e diminuindo, inclusive, o hábito do fumante de levar o cigarro à boca, tamanho cerceamento da liberdade de fumar onde queira. "Há programas de saúde educativos que são eficientes, mas não são eficazes porque não existe um controle e um monitoramento depois de implementados", lamenta o diretor do Instituto Paulista de Doenças Cardiovasculares, Fernando Augusto Alves da Costa, membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Há outras iniciativas, como a campanha "Eu sou 12 por 8", criada pelo Departamento de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia para estimular a população a controlar a pressão arterial e evitar a hipertensão. "Essas são medidas preventivas, que deveriam ser o foco primário. São fáceis e simples de serem adotadas, como estímulo à atividade física, controle da dieta e ações antitabagismo", lista o diretor da Sociedade Brasileira de Cardiologia de São Paulo, Ricardo Pavanello, supervisor da cardiologia do Hospital do Coração (Hcor) e médico do Instituto Dante Pazzanese.


Leia a reportagem completa na edição n; 470 da Revista do Correio.

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