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A vida que se conjuga

Parece contraditório, mas estabelecer o vínculo do casamento logo após a adolescência exige uma dose a mais de maturidade

postado em 20/07/2014 08:00
Parece contraditório, mas estabelecer o vínculo do casamento logo após a adolescência exige uma dose a mais de maturidade
Decidir o momento de trocar alianças faz parte de uma etapa do casal, não importa a idade dos noivos. Quando os pombinhos são jovens, contudo, é comum ter como feedback uma certa descrença ou até mesmo sarcasmo por conta de pessoas mais maduras. "Não é a mesma coisa que namorar", "vamos conversar de novo daqui a um ano" ou "você vai desperdiçar os melhores anos da sua vida" são comentários maldosos, porém, comuns. Independentemente do que os outros digam, o importante é ter certeza do que se quer. "É comum que jovens tenham mais sensação de certeza do que as pessoas mais maduras, pois quanto mais conhecemos da vida mais sabemos de tudo o que pode dar errado %u2014 é a tal da benção da ignorância", compara a psicóloga e terapeuta de casais Marisa de Abreu.

"A única vantagem (de se casar jovem) seria poder comemorar bodas de ouro sem rugas", brinca a psicóloga. Brincadeiras à parte, a especialista pondera que, talvez, esses jovens tenham convicção de já terem encontrado a pessoa certa %u2014 logo, "perder tempo" seria desnecessário. Maduros ou não, todos precisam se preparar, psicológica e financeiramente, para a mudança de vida. "Quem vai dizer quem está certo será o tempo", conclui a especialista.

Pensar na parte prática da vida ajuda a entender se o momento é o ideal para trocar alianças. Saber que os gastos vão aumentar ajuda a "clarear os aspectos emocionais" do novo arranjo, segundo a psicóloga Marisa de Abreu. Ter em mente que a relação em si não será mais a mesma também evita futuros aborrecimentos. "A convivência diária muda muito a forma como nos relacionamos com o namorado que víamos apenas no fim de semana", completa Abreu.

Encontrar a pessoa certa é uma sensação maravilhosa, mas nem sempre é o romantismo que impulsiona o casório precoce. Lorena Noronha, psicóloga e terapeuta de casais, diz que a maior parte dos nubentes mais jovens que recebe em seu consultório resolveram casar por conta de gravidez indesejada. "Existe também o fator de querer sair da casa dos pais", completa. Muitas vezes, ela diz, fica difícil pagar a conta da ;brincadeira de casinha;. "Ter uma casa própria não é a mesma coisa que brincar de casinha, e casar não é o mesmo que ter um namorado", justifica Noronha.

Uniões entre pessoas na faixa etária de 20 a 24 anos já foram mais populares, é verdade, mas dizer que os mais jovens não querem saber de compromisso é mero clichê. Carolina Cardoso, 20, e Luís Felipe Marinho, 21, por exemplo, estão juntos há três anos, sendo um ano de namoro, um de noivado e um de casamento. Eles se conheceram por meio de uma amiga em comum e começaram a namorar. A ideia de se casar surgiu durante uma viagem, na qual passaram uma semana juntos.

"Percebemos que gostamos da experiência %u2014 ficar juntos o tempo inteiro e compartilhar todos os momentos. A partir dali, começamos a nos planejar e preparar as nossas famílias", completa Carolina. No início, todos os parentes acharam a decisão precipitada. Para a mãe da noiva, tudo não passava de uma fase que não deveria ser levada a sério. Com o tempo, porém, o plano do casamento começou a amadurecer e a ganhar credibilidade entre os familiares.

O lado financeiro ainda preocupa. Atualmente, Carolina está se dedicando aos estudos, enquanto Felipe, que trabalha com telefonia empresarial, segura as contas da casa. "Nosso plano é eu me formar primeiro e, depois, ele investir na educação dele", conta Carolina. Ela acredita que manter o casamento, mesmo começando tão jovem, é possível. "Meus pais se casaram com 20 anos e estão juntos até hoje. Na época, era normal. Hoje, as pessoas acham que casais de 20 anos são crianças", observa. Segundo ela, o salário de Felipe é suficiente para sustentá-los sem precisar da ajuda da família.

Ambos citam como maior benefício do casamento a intimidade do casal e a independência em relação aos pais. "Hoje em dia, tomamos nossas decisões e pensamos em conjunto. Mas tudo tem que ser feito com planejamento." Os projetos incluem comprar uma casa e ter filhos. "A gente já está juntando dinheiro para isso. Quando a Carol começar a trabalhar, a situação vai ficar bem melhor", diz Felipe.

Parece contraditório, mas estabelecer o vínculo do casamento logo após a adolescência exige uma dose a mais de maturidade
Casa para quem casa
Buscar a autonomia financeira antes de subir ao altar também é uma dica valiosa. Ter dinheiro suficiente para não depender mais da família evita discussões e os famosos "pitacos" que quem está bancando a coisa toda pode se sentir tentado a dar. "É como diz o ditado: ;quem dá dinheiro, dá palpite;", completa a psicóloga e terapeuta de casais Marisa de Abreu. Se você é jovem e casado, não se desespere: tenha em mente que a vida financeira tende a melhorar com o tempo.

Para a psicóloga Lorena Noronha, saber quando é a hora certa de se comprometer depende muito mais da maturidade do próprio relacionamento do que da idade do casal. "Casamento não é uma cerimônia ou um papel que se assina", compara. "É um status relacional, uma intimidade entre duas pessoas que sentem vontade de dividir a vida juntos." Se a falta de dinheiro no começo da vida conjugal é um problema, uma conta bancária mais gorda também pode ser fonte de atritos. Segundo Noronha, é comum casais jovens procurarem a terapia de casal justamente quando começam a ter mais independência financeira. "Um dos dois acaba querendo mais independência de modo geral, e, às vezes, essa liberdade não inclui o parceiro ou os filhos."

Com mais dinheiro no bolso, a vontade de ter roupas melhores, de sair para locais diferentes e/ou só com os amigos pode abalar o relacionamento. "Muitas vezes, o casamento ia muito bem, até um deles entrar na faculdade e querer ir a festas", exemplifica Lorena Noronha. Outro ponto em que os mais jovens costumam escorregar, segundo a psicóloga, é não saber lidar com o fato de que a maioria dos amigos ainda estão solteiros %u2014 logo, não têm a mesma rotina dos casados. Resultado: quem quer sair sozinho se sente preso, enquanto quem quer ficar em casa se sente deixado de lado. Os efeitos colaterais são estresse, ciúme, insegurança e sensação de prisão.

Para driblar as intempéries futuras, uma alternativa é cultivar a cumplicidade desde o primeiro momento de relacionamento. Pelo menos, é a estratégia usada pelo casal Kevin Franklin Carvalho, 21 anos, e Thatiane Cristina de Gusmão da Silva Carvalho, 25. Os dois se conheceram há cinco anos, em uma festa a fantasia. À época, os dois faziam parte de uma ONG evangélica, que organizou uma viagem de 10 dias a Itaperuna (RJ) para implantar uma filial. "Quando voltamos de viagem, vimos que estava acontecendo algo mais", resume a autônoma.

Uma amiga em comum deu um empurrãozinho e, um mês após essa viagem, os dois estavam namorando. O relacionamento seguiu a toda velocidade: dois anos e meio separaram o namoro do noivado, decidido em fevereiro de 2013. "Não queria dor de cabeça, queria me envolver logo com alguém sério", declara Thatiane. Os preparativos tiveram que acompanhar a velocidade do casal. O problema era o dinheiro: enquanto Kevin ainda era um estagiário com apenas três dígitos no contracheque, Thatiane não trabalhava. O patrocínio dos pais também estava vetado.

A alternativa foi empreender: surgia a Casando com Bombom, uma miniempresa especializada em chocolates personalizados. Todo o dinheiro arrecadado com a venda das guloseimas foi destinado ao casório. "Íamos entregar os chocolates na casa das pessoas, então, era comum dar meia-noite e ainda estarmos trabalhando", conta Kevin. Além de cortar drasticamente supérfluos, como idas ao cinema ou ao restaurante, o casal apoiou-se em um rígido controle de gastos: desde fevereiro de 2013, quando noivaram, 70% do já curto salário de Kevin ia para a "poupança-casamento".

O lema dos preparativos era: multiplicar dinheiro. Para isso, além da empresa de chocolates, os dois fizeram bazar e trocaram o chá de panela por chá dos noivos, em que o casal recebe dinheiro no lugar de presentes. "Todo mundo adorou, porque muita gente tem dificuldade em escolher coisas para casa", completa Thatiane. No fim de toda essa odisseia financeira, os dois conseguiram juntar R$ 20 mil e se casaram em abril deste ano. "Ganhamos muita coisa também, como o vestido de noiva e o terno", pondera Thatiane. Os utensílios domésticos também entraram na lista de presentes. "Nosso plano era se casar e não ter dívidas %u2014 e conseguimos isso", comemora.

Hoje, os recém-casados ainda estão se habituando a contas e tarefas domésticas. A empresa está parada, Kevin é bancário e Thatiane continua na ONG. "Muitos disseram que eu ia acabar com a minha vida ao me casar cedo, que eu tinha que aproveitar antes", diz Kevin. "Mas sempre pensei: o que posso aproveitar solteiro que não posso aproveitar casado? Tenho certeza de que ela é a pessoa certa, por que não casar?". Para ela, o que contou como momento decisivo, além do exemplo dos próprios pais, foi o preparo emocional. "Tudo foi muito bem esclarecido, nada ficou nas entrelinhas. Quando nos casamos, sabíamos o que iríamos enfrentar."

Leia a reportagem completa na edição n; 479 da Revista do Correio.

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