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A dor e a delícia da vida sem empregada

O custo para manter um funcionário doméstico aumentou e, com isso, surge, aos poucos, uma nova cultura no país. Cinco famílias contam os arranjos, nem sempre fáceis, para manter por conta própria o lar organizado

Renata Rusky
postado em 26/10/2014 08:00

O custo para manter um funcionário doméstico aumentou e, com isso, surge, aos poucos, uma nova cultura no país. Cinco famílias contam os arranjos, nem sempre fáceis, para manter por conta própria o lar organizadoA aprovação da lei que amplia os direitos das empregadas domésticas, em abril de 2013, causou expectativas diversas. Os mais radicais acreditam, inclusive, que a profissão entrará em extinção nos próximos anos. Pesquisa feita pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) constatou queda de 8,1% no número de ocupados do setor no mês de abril em relação a março daquele ano. O dado sugere que muitas famílias substituíram as domésticas por diaristas, devido ao aumento do custo do serviço. Na prática, no entanto, o que se vê é que, por falta de tempo, de energia ou de habilidade, as tarefas domésticas continuam delegadas a terceiros. Empregadores acabaram fazendo acordos com as empregadas que já tinham ou, de fato, contrataram diaristas ; que vão até duas vezes por semana a casa e com quem não têm relação trabalhista permanente.

Na realidade brasiliense, a ajuda com os serviços da casa ainda é considerada indispensável. São poucas as famílias que cuidam sozinhas das tarefas domésticas, mas elas mostram que dá para viver assim. A situação exige esforço, colaboração e convivência com alguns incômodos. Em alguns momentos, é preciso deixar o descanso ou alguns programas de lado para colocar a mão na massa e trabalhar em casa durante a folga. Dispostos a isso, com uma rotina bem estabelecida e boa vontade ; independentemente de trabalhar fora, do tamanho da casa, da quantidade de moradores ;, é possível dividir o trabalho e evitar que alguém fique sobrecarregado.

Além da questão de preço, alguns profissionais acreditam que a relação típica entre brasileiros empregados e empregadores também incentiva que muitos prefiram se virar sozinhos dentro de casa. Para Margareth Carbinato, advogada trabalhista, presidente do Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo e autora do livro Paz para empregados e empregadores, não há, por parte dos empregadores, o entendimento de que o empregado doméstico não deve ser encarado como parte da família. "Dos dois lados, deve-se entender que se trata de uma relação meramente profissional, devendo existir cobranças das duas partes em relação a direitos e deveres."

Questão de organização
Há dois anos e meio, quando a psicóloga Vanessa Soublin, 36 anos, viu-se sem empregada depois de mais de 10 anos com funcionárias dentro de casa, foi um choque. "Eu não sabia nem fazer arroz." Hoje, a história ganha tom de brincadeira, e a família ; Vanessa mora com o marido, servidor público, e as duas filhas, Ana Beatriz, 9 anos, e Carolina, 7 ; ri das peripécias e dos aprendizados na jornada. Casada há 13 anos, ela conta que contratar alguém para ajudar com as tarefas de casa e com o cuidado das filhas quando trabalhava em tempo integral foi uma prioridade nos velhos tempos. Houve um período em que, além da empregada responsável pela manutenção da casa, as meninas tinham uma babá. Os anos se passaram, prioridades foram revistas e a dinâmica da casa hoje funciona de outra maneira: melhor, todos garantem.

"Quem tem empregada vive a dor e a delícia disso", resume Vanessa. Das delícias, a psicóloga se lembra das pessoas carinhosas que passaram pela vida da família ; e que quase viraram parte dela ;, do sossego de chegar do trabalho e encontrar tudo no lugar e a comida feita. Das dores, a perda de uma funcionária querida, objetos que sumiram de casa e nunca foram encontrados, alguns traumas que ficaram pelo caminho. A decisão de abrir mão de ajuda externa em casa veio acompanhada de mudanças na rotina. "Primeiro, comecei a perceber que, de repente, estava trabalhando para pagar alguém para cuidar da minha casa por mim." Abdicar de trabalhar em tempo integral todos os dias da semana para ter mais tempo para as meninas e para os afazeres domésticos foi o passo decisivo. Hoje, adaptada à nova vida, jura que jamais voltaria atrás.

"Minhas amigas brincam que têm inveja porque posso trabalhar só meio período. Mas digo para elas que é meio trabalho e meio salário." O que ela deixa de ganhar por trabalhar menos horas não é exatamente o que economiza com o salário e os benefícios de uma funcionária. "É claro que eu estou muito feliz com a economia, mas não é só o lado financeiro. É saber o que exatamente está acontecendo dentro do próprio lar. Casa é uma coisa tão pessoal; Não me acostumaria de novo a ter uma pessoa aqui dentro."

Os ajustes foram bem mais do que financeiros. Incluem, por exemplo, chegar do trabalho cansada, às 18h, e se ocupar do jantar, do almoço do dia seguinte, da roupa suja, da mochila e da lancheira das meninas. E ainda ensinar a importância da ajuda mútua dentro de casa ; cada um arruma sua cama, organiza os sapatos e ajuda na louça ; e a aprender a cozinhar arroz, mesmo que no micro-ondas. "Passei por várias fases de adaptação", lembra Vanessa. "No começo, era bem estressante, pensava: ;Estudei muito para ficar o dia todo lavando louça;. Depois, descobri que é uma questão de organização."

Além disso, os padrões de exigência diminuíram. "Às vezes, eu tirava uma folga e ficava o dia todo fazendo a mesma coisa em casa. Hoje, não. Se ficou alguma coisa para trás, deixo para lá, faço depois. Aprendi a flexibilizar. Porque o serviço da casa nunca acaba", ensina Vanessa. As roupas, por exemplo, antes passadas minuciosamente, às vezes, nem veem o ferro. A comida também foi ganhando sabor, mas ainda não chegou à perfeição. "Cozinho, mas as meninas perguntam se o que elas vão comer é carne, peixe ou frango", ri a psicóloga.

O marido também entrou mais em cena. As meninas se juntaram ao mutirão. Às terças e quintas-feiras, dias em que Vanessa trabalha o dia inteiro, o pai busca as duas no inglês e, depois, deixa na escola. O almoço é a sobra do jantar. "É muito cansativo! A gente descansa cinco minutos", reclama Ana Beatriz, a mais velha. As duas juram que lavam os sapatos e juntam os brinquedos. E, como ninguém precisa ser superherói, a família mantém uma diarista uma vez por semana para cuidar da limpeza mais pesada. Mas, acostumada com os furos e com os serviços imperfeitos, Vanessa aprendeu a não deixar nada acumular nem mesmo para a faxineira.

O que mudou com a PEC das Domésticas?
A Proposta de Emenda à Constituição n; 66/2012 chegou a ser chamada de "segunda Lei Áurea" ao assegurar direitos trabalhistas básicos aos trabalhadores domésticos. Sem regulamentação, no entanto, questões como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), o seguro-desemprego, o seguro contra acidentes de trabalho e o auxílio-creche seguem pendentes. Veja o que já está valendo.

  • Pagamento de salário mínimo.
  • Reconhecimento de eventuais convenções e acordos coletivos de trabalho.
  • Intervalo para refeições de, no mínimo, uma hora e, no máximo, duas para jornadas superiores a seis horas, e descanso mínimo de 15 minutos para as inferiores.
  • Jornada máxima de 44 horas semanais, o excedente deve ser pago como hora extra.

Leia a reportagem completa na edição n; 493 da Revista do Correio.

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