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Dores da vida moderna

Classificada por médicos e dentistas como um mal da atualidade, a Disfunção Temporo-mandibular (DTM) é um termo genérico para os problemas nas articulações da mandíbula. O diagnóstico nem sempre é fácil e, geralmente, só vem depois que o paciente fez uma peregrinação por consultórios

Gláucia Chaves
postado em 09/11/2014 08:00
Classificada por médicos e dentistas como um mal da atualidade, a Disfunção Temporo-mandibular (DTM) é um termo genérico para os problemas nas articulações da mandíbula. O diagnóstico nem sempre é fácil e, geralmente, só vem depois que o paciente fez uma peregrinação por consultórios

A modernidade está adoentada. A lista é extensa: obesidade, depressão, insônia, estresse, câncer, sedentarismo. Outra má notícia: o catálogo só aumenta e, de tempos em tempos, um "novo" problema é alçado ao posto de doença da atualidade. A disfunção temporomandibular (DTM) está entre as enfermidades relativamente recentes do milênio. José Tadeu Tesseroli de Siqueira, cirurgião-dentista, coordenador do Hospital das Clínicas e presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED), explica que o termo é genérico. Assim como a cefaleia, que engloba vários tipos de dor de cabeça, a DTM é o conjunto de dores da boca e da face. Entre elas, as causadas por problemas na articulação que liga a mandíbula ao crânio, chamada articulação temporomandibular (ATM), são as que causam maior desconforto.

As ATMs são articulações situadas em frente aos ouvidos, uma de cada lado do rosto, formadas por músculos, parte esquelética e disco articular. É graças a elas que a mandíbula tem mobilidade para realizar movimentos de abrir e fechar. As complicações da ATM, portanto, são algumas das doenças que fazem parte do conjunto de disfunções chamado DTM.

De acordo com José Siqueira, pessoas com complicações nessa articulação sentem dor na mastigação, na fala ou durante qualquer movimento feito com a mandíbula, além de ruídos quando abrem ou fecham a boca. "A dor pode ser na face, na mandíbula, em um lado da cabeça ou dos dois e em frente aos ouvidos", enumera. A dor, porém, é ardilosa e pode aparecer em locais distantes da boca, como na coluna, no pescoço ou no ombro, o que atrapalha o diagnóstico imediato. Cerca de 60% de todos os pacientes que têm DTM, de acordo com o presidente da SBED, sentem dores em outros locais do corpo e podem ter problemas de dor crônica.

Mas o que causa as disfunções na articulação da mandíbula? Marley César Lacerda Barbosa, ortodontista e especialista em Disfunção Temporomandibular e dor orofacial, explica que a doença é multifatorial. Entre as possíveis causas, estão desarmonia oclusal (ou a "mordida alterada"), alterações musculoesqueletais, lassidão dos tecidos do rosto, traumas, fatores anatômicos e patofisiológicos e até mesmo o perfil psicológico do paciente. "Ansiedade, estresse e hábitos parafuncionais, ou seja, aqueles realizados por estruturas do organismo que não foram feitas para isso, como roer unha, mascar chiclete e morder a bochecha, também são causas", completa.

Embora ainda não existam estudos que comprovem, a medicina suspeita que os hormônios femininos seriam mais suscetíveis a contribuir para o aparecimento da disfunção. "Os novos estudos indicam que a DTM ocorre em quantidade bem maior de mulheres do que homens", reforça Marley. Elas representam 75% dos casos.

Uma vez que as dores nem sempre se manifestam na face, é comum que os pacientes passeiem por consultórios de médicos de diversas especialidades antes de procurar um ortodontista. Neurologistas e otorrinolaringologistas são os mais procurados. É comum que esses profissionais identifiquem a disfunção e encaminhem seus pacientes. Foi o que aconteceu com Patrícia Emanoelle, 36 anos. As dores de cabeça da pedagoga começaram há dois anos. Elas eram, literalmente, "de cabeça", uma vez que ela sentia dores também nos músculos da face. Quando procurou um neurologista, foi encaminhada a um ortodontista especializado em DTM.

Até então, a sigla não significava nada para ela. No consultório, Patrícia recebeu todas as

informações de que precisava para entender que, embora a DTM não tenha cura, o controle poderia devolver a qualidade de vida de que ela tanto sentia falta. Patrícia está na metade do acompanhamento. Ao todo, serão seis meses de exercícios, técnicas de relaxamento e de tônus muscular para a face e bolsas de gel para diminuir o desconforto. Um dos tratamentos mais eficazes, para ela, é feito com agulhas de acupuntura. O especialista "fura" os nervos para liberar o ácido lático acumulado que causa a dor.

Em casa, a bolsa de água quente antes de dormir virou ritual sagrado, bem como a placa de mordida para evitar ranger ou apertar os dentes durante o sono. "Percebi uma melhora grande. Só sinto dores quando estou estressada." Há duas semanas, Patrícia estava tensa. Não demorou para o alerta de que precisava pegar mais leve aparecesse: sem perceber, ela estava mordendo o lado de dentro das bochechas sem parar. Maxilar endurecido e boca e dentes travados também foram sinais de que era preciso relaxar. "Faço os procedimentos que aprendi com o ortodontista e fico bem."

Patrícia está tentando se livrar das dores pontuais causadas pelas preocupações de outras formas. Três vezes por semana, sai para uma caminhada. "Eu me considero uma pessoa nervosa, ansiosa. É um exercício mental tentar relaxar, me cobrar menos. A DTM é apenas um resultado do meu jeito de ser."

Saiba diferenciar


ATM: a articulação temporomandibular (ATM) está localizada à frente de cada ouvido, sendo responsável pelos movimentos da mandíbula. É formada por osso temporal, côndilo da mandíbula e disco articular ; estrutura fibrocartilaginosa semelhante ao menisco do joelho, que tem como função amortecer e amoldar superfícies ósseas. Para localizá-la e sentir seu movimento, basta colocar os dedos à frente do ouvido, abrir e fechar a boca.

DTM: a sigla significa disfunção temporomandibular, doença que engloba o conjunto de condições médicas e odontológicas que afetam a ATM e/ou músculos da mastigação, bem como estruturas da face relacionadas ao complexo maxilomandibular. Pode ser muscular, articular, mista (envolve tanto o músculo quanto a articulação) ou reumatológica (rara e causada por degeneração do disco e da ATM).

DTM articular: causada por alterações nas estruturas ósseas, capsulares (membranas), do disco articular (cartilaginoso) ou do líquido sinovial, que tem função lubrificante.

DTM muscular: causada por excesso de tensão ou sobrecarga muscular. Representa 70% dos casos.

Leia a reportagem completa na edição n; 495 da Revista do Correio.

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