Revista

Por uma capital sem fronteiras

Onde você mora? Em Samambaia? Em Sobradinho? No Guará? Ou simplesmente em Brasília?

Juliana Contaifer
postado em 23/11/2014 08:00
Onde você mora? Em Samambaia? Em Sobradinho? No Guará? Ou simplesmente em Brasília?O brasiliense se habituou a enxergar um abismo entre a sede do poder e as cidades que gravitam ao redor. Mais do que uma constatação, é um sentimento difuso e ambíguo, uma relação tensa entre centro e periferia. Existe o enfado de se deslocar ao Plano só para trabalhar ou estudar, mas existem também as amizades, o encanto com monumentos e jardins. O projeto humanista de Lucio Costa convida ao diálogo, mas as consciências precisam estar abertas como o horizonte.

"Percebemos que existe uma compreensão do Plano como um lugar das decisões políticas e um fascínio com a beleza, a arquitetura e até a limpeza da cidade em comparação com as cidades-satélites", conta Cristiane Portela, coordenadora adjunta do projeto Desvelando Brasília, do câmpus de Planaltina da UnB. O objetivo do projeto é provocar a reflexão do estudante que mora nas cidades do DF para a relação com o centro e a história da cidade, e o resultado vem em forma de três filmes ficcionais ; escritos, dirigidos e protagonizados por 65 estudantes entre 15 e 18 anos e moradores de Planaltina, Gama e Ceilândia. As produções serão lançadas em dezembro próximo.

"Brasília recebe gente de todos os estados, e essa ligação entre vários locais é muito importante. Moro em Valparaíso (GO) há mais de 20 anos, mas trabalho sempre no Plano e tenho muita paixão por essa cidade", conta o músico e compositor Tiago Gasta, 34 anos. Ele conta que a distância de cerca de 40km que separa sua casa do miolinho de Brasília não é um obstáculo. Em vez disso, Tiago enxerga continuidade, como se fosse uma só cidade esparramada, sendo Valparaíso um bairro um pouco afastado. "Em cerca de 40 minutos, eu chego no Plano, é rápido para mim. A distância é o engarrafamento", afirma.

Ao chegar no Plano Piloto, Tiago se sente brasiliense. Transita entre as asas do avião de carro, de ônibus, de bicicleta ou a pé, sabe onde ficam as coisas. "No centro, estou em casa, é minha área também. Não é só uma relação de trabalho, tenho muitos amigos e parentes espalhados pela capital", conta. Com o olhar fresco, o músico conta que o que mais chama atenção no centro da cidade é o céu, exuberante a qualquer hora do dia, e que só em Brasília tem tantas cores. "Fora a arquitetura, que encanta o mundo inteiro."

O músico explica que a relação sentimental com Brasília aumentou ainda mais com a receptividade dos moradores do Plano Piloto ao seu trabalho. Recentemente, Tiago foi até convidado para tocar no Clube do Choro, um sonho antigo e uma grande honra. "Devo tudo a Brasília, a cidade é muito importante para mim. O carinho com o trabalho é enorme, tenho total devoção pela capital. O Plano Piloto me ajuda muito, e eu pretendo retribuir com arte, devolver essa atenção em substância para a cidade", afirma.

Segundo Tiago, Brasília é uma excelente fonte de inspiração para seu trabalho, que alia música a poesia. Sem muita preocupação com a gramática, o músico tenta desconstruir e brincar com as palavras para atribuir novo significado a elas. E a cidade tem muitas características que servem de combustível para as composições. "Não só as belezas e os pontos bacanas do Plano Piloto, mas também o cotidiano da cidade e a parte política, que faz parte do dia a dia do brasiliense", conta. Um tema recorrente é a chamada lei do silêncio, que levou vários estabelecimentos com música ao vivo a fechar as portas. A canção Quem desligou o som é o seu protesto.

Além do céu, o que chama muito a atenção do morador das áreas metropolitanas é a imponência dos monumentos da cidade. "A primeira coisa que me chama atenção é a arquitetura. É muito bonita, eu fico olhando e pensando como conseguem fazer as curvas com concreto. A Ponte JK, que fica entre São Sebastião e o Plano Piloto, parece flutuar", conta Isaac Mendes, 28 anos. O produtor cultural afirma que se sente muito inspirado pela cidade e pela paisagem única. O céu amplo e o fato de enxergar o horizonte a todo momento são bons combustíveis para o trabalho criativo.

Para Isaac, a construção da ponte começou a encurtar distâncias simbólicas. "Acho interessante entender que o lugar tem uma história belíssima e foi criado por pessoas parecidas conosco. O morador de São Sebastião é imigrante e tem tudo a ver com o candango. Mesmo assim, ainda encontro uma Brasília fria, pouco acolhedora. E enxergo uma relação disso com o uso do cimento e a quantidade de espaços livres", afirma. Ressalva feita, o produtor cultural se considera brasiliense. E ponto.

Leia a reportagem completa na edição n; 497 da Revista do Correio.

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