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A (quase) ciência da solucionática

De onde vêm as grandes ideias? Até pouco tempo atrás, a criatividade era uma espécie de dádiva, coisa de sortudo. Agora, é quase uma obrigação profissional

postado em 07/12/2014 08:00
De onde vêm as grandes ideias? Até pouco tempo atrás, a criatividade era uma espécie de dádiva, coisa de sortudo. Agora, é quase uma obrigação profissionalSer criativo. Trata-se hoje de uma habilidade exigível, tanto que não há constrangimento em mencioná-la no currículo. Como pôde uma qualidade de definição tão, digamos, escorregadia virar um critério de recrutamento? Isso se explica, em parte, pelo fato de a ciência há anos promover um cerco para desvendar o combustível da mente imaginativa. Esta reportagem mostra quais mecanismos já estão mapeados e, sobretudo, que ferramentas são usadas por profissionais da criação.

"Criatividade é quando você faz algo novo e útil. É tão simples e, ao mesmo tempo, não é, porque tem sempre quem ache que basta criar uma coisa nova. Daí que surge, por exemplo, aquela ideia do gênio incompreendido", esclarece Fábio Zugman, especialista em criatividade e administração, autor do livro O mito da criatividade (Editora Elsevier) e Criatividade sem segredos (Editora Atlas). "A grande questão é conseguir criar alguma coisa que seja aprovada e reconhecida como útil por outras pessoas", continua.

John Kounios, especialista em psicologia cognitiva e professor da Universidade de Drexel, nos Estados Unidos, vê o pensamento criativo sob outra perspectiva. "O que é novo para uma pessoa pode ser familiar para outra e o que é útil para alguém pode não ser para outros", justifica Kounios, que é estudioso em criatividade e autor do livro The eureka factor, sem tradução em português. "A definição que acho ser a melhor é a de que criatividade é a habilidade de quebrar uma situação familiar em pedaços e rearranjá-los de maneira pouco óbvia. Palavras podem ser rearranjadas para formar um poema ou um romance. Notas musicais formam músicas, e assim por diante", diz.

Tudo isso, dizem os estudiosos, é meramente fruto de treino. Só não é criativo quem não quer ou quem não estudou o suficiente para isso. "O que acontece é que algumas pessoas conseguem fazer ;conexões soltas; com mais facilidade ou enxergar relevância na informação alguns graus distantes do óbvio. Por causa disso, elas têm maior quantidade de estímulos e podem brincar com um espectro maior de conexões", frisa Todd Henry, consultor sobre criatividade para empresas e autor do livro Criativo por acidente: como ser criativo quando mais importa (Editora Alta Books). "Alguém com menos estímulos ou mais inibido é menos propenso a apresentar novas combinações. Porém, com treino, qualquer um é capaz de incrementar sua capacidade de brincar com ideias", continua.

"A criatividade é uma habilidade e, como qualquer outra, pode ser aprendida", provoca Zugman. E completa: "Esse é um dos mitos, de que pessoas criativas são diferentes. É como academia. Algumas pessoas são mais fortes do que outras, mas se eu começar a frequentar uma academia, vou ficar mais forte. Assim como se eu começar a ter aulas de piano, posso não me tornar o melhor pianista do mundo, mas vou aprender a tocar piano. Mas é claro que, se você está apenas começando a pintar, vai se achar inferior ao se comparar com Picasso".

É sobre essa aprendizagem e as engrenagens cerebrais responsáveis por criar as tais conexões que a maioria das pesquisas sobre o assunto versa. A Revista conversou com pessoas que dependem de ideias frescas a cada dia. Elas falaram sobre processo criativo e táticas para abastecer o repertório de referências. Aparentemente, é preciso deixar as ideias fluírem e abrir a mente para outras línguas, viagens, filmes, livros, fazer amizades. E se dar o direito de sonhar acordado e até ser um pouquinho maluco.

Criando campanhas
A criatividade existe para resolver problemas. É assim que Raphael Pontual, diretor executivo de criação de uma agência de comunicação, encara o que acabou virando sua profissão. "Eu tenho uma visão diferente dessa coisa, porque todo mundo acha que trabalhar com criatividade é brincadeira, é superlegal. Eu encaro como um trabalho como qualquer outro. Só que, aqui, a gente precisa ser criativo todos os dias", diz o designer, transformado em publicitário meio ao acaso e, hoje, responsável por uma equipe que entrega cerca de 30 trabalhos por dia. "Tem gente que só funciona sob pressão. Tem gente que, pressionada, espana. Já vi gente que só consegue pensar no escuro. E tem dia que não sai nada de jeito nenhum e aí a gente chama reforço. Também respeitamos isso. Se não saiu, não saiu." Ele reconhece que acumular referências pode ser importante para abastecer o repertório criativo dentro de uma agência, mas tem lá suas ressalvas.

"A pessoa que tem referência demais pode ou ter raiva do mundo, do tipo que acha que todo mundo faz coisas geniais menos ela, ou ter referências erradas, para o público errado, ou ainda só conseguir criar coisas que já foram feitas", diz. Sua mente incansável conseguiu colocar em prática, com a ajuda de colegas, projetos como o Babydoll de Nylon, o "menor, mais ridículo e menos promissor bloco de carnaval do Brasil" e que veio a se tornar um dos principais de Brasília, e o Parcão, um espaço dedicado ao lazer dos animais no Parque da Cidade. "Eu nunca paro quieto. Mesmo quando eu não estou fazendo nada, invento besteiras, tipo essas. Mas o que eu acho mais legal de Brasília é que ela é uma cidade em construção, então tudo o que você cria pode virar realidade. As pessoas reclamam que aqui não tem nada, mas também não fazem nada. E esses dois projetos nasceram também de problemas, de necessidades. A de não ter o que fazer no carnaval, e a de não ter um lugar legal onde eu pudesse soltar meus cachorros para que eles corressem", conclui.

Leia a reportagem completa na edição n; 499 da Revista do Correio.

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