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Para estar em paz

Lauro Henriques Jr. reúne em livro ensinamentos de grandes mestres na arte do viver. Aceitar os desafios que o cotidiano impõe é uma das lições presentes na obra

postado em 28/12/2014 08:00
Lauro Henriques Jr. reúne em livro ensinamentos de grandes mestres na arte do viver. Aceitar os desafios que o cotidiano impõe é uma das lições presentes na obraO jornalista e escritor Lauro Henriques Jr. sabe que há muitos caminhos para o autoconhecimento e a espiritualidade. Tanto que, em sua série Palavras de Poder (Editora Alaúde), que chega ao terceiro volume, conversou com personalidades que, mesmo que distintas em suas crenças, têm uma busca comum: guiar as pessoas para compreenderem melhor seu lado espiritual. "Há um ensinamento trazido por todos os entrevistados, cada um do seu jeito, que vale destacar: é a importância da aceitação, de entendermos que tudo na vida acontece para o nosso aprendizado", disse, em entrevista à Revista. Em suas palavras, o escritor prova que, não importa o caminho escolhido, há como se encontrar a luz.

Qual é a sua definição de espiritualidade?
A espiritualidade não é uma esfera isolada da vida cotidiana, algo que vivemos somente quando estamos em uma igreja, templo ou sinagoga. A verdadeira espiritualidade é aquela que se manifesta de um jeito prático na vida, sob a forma de mais amor, tolerância, caridade. Um de meus entrevistados diz uma frase que acho perfeita: "Mais vale um ateu que ama do que um crente que odeia e discrimina". Seja em relação ao meu próximo, seja em relação à natureza que nos rodeia, a espiritualidade é aquilo que, em essência, nos religa com a própria vida. Como me disse o escritor Rubem Alves: "O arco-íris, a chuva, o cheiro de café, um bolo de fubá, o sorriso de uma criança ; tudo isso são pulsações do sagrado. É preciso reencontrar Deus no assombro da vida. Para mim, a forma mais alta de oração é justamente esta: a reverência pela vida".

Há a ideia de que a iluminação é destinada a poucos. Esse pensamento atrapalha aqueles que buscam um caminho espiritual?
Essa ideia falsa de que a espiritualidade e a iluminação são milagres destinados a poucos escolhidos é fruto, sobretudo, da exigência de perfeição que temos em relação a nós mesmos. Afinal, como eu posso ser uma pessoa "iluminada", se todos os dias tenho de me preocupar com o horário de chegar ao trabalho, com a escola dos filhos ou as contas a pagar? Se eu parto dessa ideia ; de que para ser uma pessoa espiritualizada tenho de estar isolado das demandas do cotidiano, vivendo num mosteiro ;, realmente parece ser algo impossível. É justamente o contrário. O que as mais diversas tradições ensinam é que, mais do que ser uma "pessoa iluminada", o importante é procurarmos ter "ações iluminadas", ou seja, agir de forma consciente, amorosa, digna. Isso tudo, claro, com a consciência de que somos seres humanos e, como tais, estamos sujeitos a errar. Mais do que exigir de mim a perfeição, procuro fazer sempre o meu melhor. E isso é algo que todos nós podemos fazer.

O que todos os seus entrevistados têm em comum? E em que pontos suas crenças convergem para o bem-estar de cada um de nós?
Há vários pontos em que as diversas tradições e linhas terapêuticas convergem, como a importância da humildade, da compaixão, de cultivarmos um sentimento de gratidão pela vida. Mas há um ensinamento trazido por todos os entrevistados, cada um do seu jeito, que vale destacar: é a importância da aceitação, de entendermos que tudo na vida acontece para o nosso aprendizado ; mesmo uma situação que, a princípio, parece ser um problema, na verdade só acontece para o nosso próprio crescimento e bem-estar maior.

Como aceitar algo difícil?
É uma aceitação que nasce da consciência de que, por trás de todos os eventos, há uma força superior trabalhando para o nosso bem. Uma história que conto no livro ilustra isso: "Havia um rei que só andava acompanhado de seu conselheiro, um sábio que, a todo sucesso ou fracasso do soberano, repetia: ;Tudo o que Deus faz é bom;. Certo dia, porém, numa caçada, o rei disparou sua arma e o tiro saiu pela culatra, decepando-lhe o dedão da mão direita. Revoltado, o monarca ficou ainda mais furioso ao ouvir o ancião lhe dizer: ;Tudo o que Deus faz é bom; ; e, na hora, mandou prendê-lo numa masmorra. Passado um tempo, o rei voltou a caçar, mas, numa das viagens, sua comitiva caiu nas mãos de uma tribo de canibais. Quando o soberano ia ser devorado, os canibais viram que lhe faltava um dedo e o soltaram, pois não comiam pessoas mutiladas. E foi aí, enfim, que o rei compreendeu as palavras do conselheiro. Agradecido, ele mandou libertar o velho mestre, mas algo ainda o intrigava: ;Se tudo o que Deus faz é bom, como Ele deixou que você fosse preso injustamente?;. Ao que o ancião respondeu: ;Majestade, se eu não estivesse na masmorra, também teria sido pego pelos canibais. Só que, como não sou mutilado, seria devorado por eles;.

São 11 entrevistados no terceiro volume. Consegue citar três que mais o tocaram?
Sinceramente, eu não teria como destacar este ou aquele entrevistado, pois a troca com cada um deles foi muito gratificante, transformadora, trazendo diversas lições e aprendizados marcantes. Muitas vezes, o próprio ambiente onde se deu a entrevista trouxe insights e histórias surpreendentes. Por exemplo, durante minha conversa com Rubem Alves, num determinado momento, ele apontou para um quadro na parede ; uma colagem com três folhinhas de árvore ; e disse: "Você vê aquele quadro ali? Pois então, são apenas três folhinhas, sem nenhum valor estético. Mas, se eu te contar a história por trás dessas folhinhas, tudo ganha um novo sentido, a imaginação floresce". Daí, então, ele me contou uma história maravilhosa, de como aquelas folhinhas, na verdade, foram colhidas de um caquizeiro que conseguiu brotar em meio à devastação causada pela bomba atômica em Hiroshima. E o caso é que os japoneses ficaram tão maravilhados com aquele caquizeiro que brotou das cinzas, que ele passou a ser o símbolo de que a vida venceria a morte. E, ali, na parede do Rubem Alves, estavam as folhinhas "netas" desse caquizeiro. Na hora que me contou o caso, seus olhos se encheram de água, e os meus também.

Vivemos em uma época em que há maior busca por espiritualidade e autoconhecimento?
Com certeza. Nós vivemos em um mundo que, basicamente, nos vende uma ideia falsa de que só depois de ter isto ou aquilo é que vou ser feliz, só depois de ganhar tal ou tal coisa é que vou me realizar. Acontece que essa suposta felicidade futura nunca chega, e o resultado, naturalmente, é o acúmulo de frustração e estresse. Agora, o lado bom disso tudo é que, a cada dia, mais e mais pessoas têm acordado dessa ilusão, dessa espécie de sonambulismo consumista, e começam a se perguntar: "O que eu estou fazendo da minha vida? Estou realmente realizando todo o meu potencial amoroso, todo o meu potencial profissional, criativo?". E é justamente o contato com a espiritualidade e o autoconhecimento que traz as respostas para essas perguntas e, com elas, uma vida de mais significado e plenitude.

Leia a íntegra da entrevista na edição impressa

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