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Conheça os representantes da sociedade alternativa do século 21

Eles se curaram da "normose", a doença da normalidade. Abriram mão das expectativas projetadas pela sociedade para trilhar o próprio caminho. Sim, é possível

Juliana Contaifer, Gláucia Chaves
postado em 30/08/2015 08:00

A sociedade alternativa de hoje não é bem como aquela cantada por Raul Seixas nos anos 1970. Não há "banho de chapéu", mas sim conversas sobre espiritualidade, ativismo político, vida saudável, xampus naturais, comidas orgânicas, meditação e massagem. Os novos hippies tampouco se escondem em Arembepe (BA): estão nos apartamentos da Asa Sul, nas casas do Lago Norte, nos salões de festas de Águas Claras, nas chácaras de Planaltina.

Brasília apresenta uma dicotomia interessante. De um lado, é a capital do poder, dos concursos, dos espaços setorizados. De outro, é mística, cheia de diversidade, altamente arborizada ; características que convidam as pessoas a experimentar vivências "desburocratizadas". Quem dá esse passo fora da zona de conforto não costuma se arrepender. E, melhor, nem precisa deixar a família, botar o pé na estrada e se isolar em uma "comunidade".

"Hippie" e "bicho-grilo" são palavras gastas e até pejorativas, mas quem realmente desencanou nem se importa com os rótulos. Enquanto designarem aqueles que se conectam com a natureza e com os animais, que prezam o respeito ao próximo, que rejeitam as imposições de uma sociedade que só pensa em consumo e que, no fim das contas, só querem viver em paz e com amor, não há problema.

Com frequência, quem foge do padrão imposto amadurece a espiritualidade. Por conta desse contato consigo mesmo, faz escolhas mais conscientes. Alguns param de comer carne ou de consumir produtos industrializados, outros descobrem na medicina alternativa a cura para os males da vida moderna. Tudo isso enquanto vivem em harmonia com a sociedade. É uma questão de equilíbrio.

Os alternativos de hoje têm em comum a busca por uma vida mais natural, mais esclarecida, menos amarrada a padrões, deveres e compromissos. Priorizam as experiências e os sentimentos em detrimento das posses. Vivem livres.

Exercitando o desapego

Nas palavras do filósofo indiano Jiddu Krishnamurti, não é saudável estar adaptado a uma sociedade que está doente. "Quem está bem hoje em dia, quem tem muito dinheiro, é concursado, tem a família bonitinha, essa pessoa está ótima para a sociedade. Mas se a sociedade é adoecida, essa pessoa é também. O mais saudável para mim é não seguir essa sociedade. Acredito que, da maioria das coisas que a sociedade fala para mim, a solução está no extremo oposto", explica o psicólogo Erik von Behr, 25 anos.

Ele sente que o "hippie" incomoda: é uma pessoa que não está "produzindo" para a sociedade de consumo. Assim são os outsiders em geral. "As pessoas tentam te puxar de volta e não porque estão preocupadas. Sinto que elas se enxergam no lugar do outro e isso as incomoda. Incomoda porque elas bem queriam estar nesse lugar. Ficam bravas porque não se permitem ter e viver essa liberdade."

Estudioso da filosofia desde criança, Erik conta que sempre se sentiu um pouco diferente por ser ligado nos ensinamentos orientais. "Em 2013, tive uma experiência espiritual de duas semanas e me veio essa consciência. Não consegui mais sair dela. Virei vegetariano e parei de beber", lembra. Hoje, o vegetarianismo já evoluiu para o crudivorismo, e o psicólogo não come mais quase nada que seja cozido, só frutas e vegetais. Não ingere mais nenhuma bebida alcoólica, só toma banhos frios e não frequenta boates.

Ultimamente, segue a filosofia minimalista e tenta eliminar o que não foi usado por mais de 40 dias. "Quanto menos você possui, melhor. Quanto mais coisa a gente carrega, bens materiais e até em termos de psique, mais nosso HD fica lento. Quando a gente vai limpando isso, abre espaço para o novo. É difícil desapegar, a gente tem muito medo de perder as coisas, mas quando perde, percebe que não é tão ruim assim", conta. Para o psicólogo, baseamos a nossa identidade nas coisas que temos e não no que somos. E dá medo criar outra identidade sem bens materiais: ser você mesmo.

É claro que a transição não vem sem alguns cortes, algumas perdas. Erik lembra que se afastou de alguns amigos no processo, mas a compensação veio de forma maravilhosa. Conheceu gente nova, acorda cedo todas as manhãs, o dia rende melhor. "É uma decisão da qual não me arrependo de jeito nenhum. É normal acabar se isolando um pouco, mas logo se encontra quem pensa parecido", garante.

O psicólogo conta que muita gente diz que ele virou hippie, mas Erik acredita que o movimento hippie de verdade, da contracultura dos anos 1960 e 1970, já passou. O "novo hippie" é mais pé no chão, sai do sistema, não concorda com várias coisas, mas participa de manifestações, participa de campanhas. "Sinto que essa nova geração tem um ritmo bem diferente. Você tem que fazer parte do mundo. Não tem como dizer que a gente é diferente e se separar. Acho que tem que ter um meio-termo, senão perdemos o princípio de ajudar as pessoas", afirma.


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