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Após estreia de filme sobre a ditadura, cineasta conversa com a Revista

Tata Amaral leva para o cinema as dores e brutalidades de um período de violência e supressão de direitos constitucionais. Ela convida para uma reflexão sobre o tema, que, atualmente, volta ao debate

Juliana Contaifer
postado em 13/07/2016 15:49
No último 23 de junho, a cineasta Tata Amaral, 55 anos, recebeu uma mensagem no celular. Era da ex-ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres Eleonora Menicucci, que conseguiu o telefone dela por meio de amigos em comum. As duas nunca tinham se falado. Eleonora escrevia para parabenizar a diretora pelo filme Trago comigo, que estreou em Brasília naquele mesmo dia. No texto, a notícia era de que o longa-metragem levantou a plateia brasiliense, que irrompeu em aplausos no fim da projeção. "Estou aqui muito feliz", comemora a cineasta.

Trago comigo é o último da lista de mais de 20 trabalhos assinados por Tata. É o segundo filme no qual ela fala sobre a ditadura, depois de Hoje, exibido em 2011. Desta vez, a minissérie de mesmo nome, que se transformou em filme, conta a história de Telmo, um diretor de teatro que, ao adaptar a própria história, lida não só com lembranças reprimidas, mas com atores jovens que enxergam bandidos onde ele vê revolucionários. No meio da trama ficcional, a cineasta insere pessoas reais, que dão depoimentos sobre o que passaram nos porões da ditadura.

Em 30 anos de carreira no cinema, Tata ganhou diversos prêmios. Seu primeiro filme, Um céu de estrelas, por exemplo, foi considerado um marco do cinema brasileiro e um dos mais importante dos anos 1990. Agora, Trago comigo ganhou prêmio de Melhor Filme pelo Júri Popular, no 10; Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo e também o Melhor Filme, no Festival Internacional de Cine y Derechos Humanos de Sucre, na Bolívia.
Tata Amaral leva para o cinema as dores e brutalidades de um período de violência e supressão de direitos constitucionais. Ela convida para uma reflexão sobre o tema, que, atualmente, volta ao debate
Como a temática da ditadura começou a permear o seu trabalho?

Nos anos 2000, comecei a me interessar pelo assunto. Eu era criança durante a ditadura e ninguém da minha família esteve envolvido. Evidentemente, sabia o que tinha acontecido, que muita gente foi presa, torturada e morta. Nessa época, tive contato com o livro Prova contrária, do Fernando Bonassi, que é um amigo pessoal. Apesar de sermos muito próximos, foi a Betty Faria que me apresentou o livro e me pediu para adaptá-lo. Fiquei muito estimulada, até porque fala muito de tristeza. Eu perdi meu primeiro marido, então, foi uma história que me permitia finalmente emprestar essa perda. Resolvi fazer. Foi a segunda vez que adaptei o Fernando, e assim nasceu Hoje.

Como o tema migrou entre os trabalhos?

Quando me convidaram para fazer a minissérie, estava pesquisando para o Hoje e quis continuar nessa temática. Queria trabalhar com esse ambiente. Vi a oportunidade de me dedicar aos dois projetos, e foi aí que realmente pude conhecer bem a história da ditadura. Quando me informei sobre o assunto, percebi a importância de a gente conhecer a nossa história, o nosso passado tão recente. No fim das contas, acabamos filmando Trago comigo antes de Hoje.

Em Trago comigo, uma das grandes discussões é sobre o embate geracional. Por que acha importante as pessoas mais jovens assistirem ao filme?


O protagonista do filme é um diretor de teatro adaptando a própria história, e que precisa explicar para o jovem elenco as circunstâncias do período da ditadura. É uma temática pesada, emotiva, mas o embate entre o diretor e os atores jovens passa a ser engraçado. É uma história que acabou de acontecer, cujos protagonistas foram mortos, assassinados e exilados, mas alguns sobreviveram. Alguns estão vivos para contar isso. É um período que a gente não conhece. De algum jeito, a nossa história foi confiscada. Se a conhecêssemos, se soubéssemos os significados da ditadura, o que ela representa, certamente não estaríamos vendo tanta gente pedir a volta dela. O filme é relevante porque precisamos discutir o que está acontecendo, precisamos entender, até para nos posicionarmos. Vejo com muita tristeza que as pessoas não têm noção do que aconteceu.

O que mudou no cinema nesses 30 anos de carreira?

Mudou muito. Quando comecei a fazer cinema, não parecia uma profissão. Era uma decisão muito maluca. Hoje, é um trabalho muito desejado. O cinema tem destaque na nossa vida. O cinema brasileiro se tornou importante e relevante. Todo festival internacional tem filmes brasileiros, que são distribuídos em vários lugares, ganhamos prêmios internacionais...

Como é ser mulher nesse meio?

É bastante interessante. Nunca sofri nenhum machismo no set, mas sim por parte de colegas de trabalho. Foi apenas uma vez, mas foi inesquecível. Uma pessoa me disse que eu não poderia representar cineastas em uma instância porque precisaria entender das leis. Disse isso como se eu não entendesse, como se uma mulher não entendesse. A verdade precisa ser dita: ainda somos poucas mulheres fazendo cinema. Comparativamente, a proporção pesa para o nosso lado.

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