Revista

Artistas ganham visibilidade em lojas colaborativas espalhadas pela cidade

Uma volta pelas lojas colaborativas de Brasília e é possível conhecer o trabalho de diversos artistas. Os espaços coletivos de vendas são uma forma de viabilizar a produção de gente talentosa que não quer, ou não pode, abrir loja própria. Ganha o consumidor com opções tão diferentes de produtos

Savio Drew*, Marina Adorno - Especial para o Correio
postado em 21/05/2017 08:00

Vestido infantil com estampa de abacaxi e cactos feitos de crochê

Com o país em crise, todos os setores da economia precisaram se readaptar para permanecer no mercado. Um que está em pleno crescimento é o da economia criativa. Profissionais têm se unido para dar visibilidade às próprias produções. É o momento de juntar forças, recursos, ideias e cooperar. Diante desse cenário, as lojas tradicionais de Brasília ganharam novos concorrentes: os espaços colaborativos. Uma solução mais barata e que visa o crescimento de todos os profissionais envolvidos.

A lojista e empresária Gracilene Paulino abandonou, depois de 10 anos, o comércio tradicional e decidiu investir nesse novo formato de empreendimento. Ela acredita que esse é um momento de maior consciência, e que a mudança está ocorrendo gradualmente. ;A forma de pensamento de comércio está mudando. Hoje, as pessoas estão mais informadas e escolhem de maneira mais exigente o lugar onde vão comprar;, acrescenta.

A designer Lili Brasil também percebeu as vantagens da colaboração entre criadores e, junto com duas amigas, inaugurou uma loja coletiva. As sócias acreditam terem feito a escolha certa. Elas frisam que existem várias experiências em grupo em diversas áreas e não veem motivos de o comércio também não se unir em prol do benefício de todos. ;A ideia é ótima. Imagina se os 60 expositores que temos na nossa loja abrissem os espaços próprios? Será que isso se sustentaria?;, questiona-se.

Nós ; Mercado Criativo


Se você foi ao shopping Iguatemi recentemente, deve ter percebido a existência dessa loja colaborativa. Por ter uma proposta completamente diferente de todas as outras do lugar, ela se destaca e desperta curiosidade de quem passa. Basta um olhar para perceber a quantidade de produtos diferentes, disponíveis na Nós. Mas, para conhecer o espaço, é preciso tempo livre. Para a maioria dos consumidores, os artigos expostos ali são novidades. Dentro desse chamado mercado criativo, estão distribuídos os trabalhos de designers e artesãos do Brasil inteiro.

Os paletes de madeira são o elemento dominante do espaço. Além de decorativos e charmosos, funcionam como vitrines para as 70 marcas autorais que compartilham esse mesmo ponto comercial. Três amigas estão à frente do empreendimento. Lili Brasil, 31 anos, e Lúbia Duca, 32, foram as responsáveis pela ideia. Elas são designers e sentiam falta de um ponto fixo para comercializar os produtos. ;Nas minhas viagens a São Paulo, percebia que existiam várias lojas colaborativas e, em Brasília, só tinha uma.; Diante da oportunidade, convidaram a amiga, designer de turbantes, Pati Jacome, 46, para fazer parte do projeto e inauguraram a Nós.

Pati Jacomé e Lili Brasil uniram forças para apresentar a Brasília a arte daqui e também  de fora, na Nós %u2014 Mercado CriativoReceosas, fizeram pesquisas para saber o melhor ponto. Após analisarem bem, optaram por inaugurá-la na Quadra 315 da Asa Norte. Lili conta que, mesmo assim, tiveram medo, pois, além de nunca terem tido uma loja, sabiam que estavam investindo em um segmento novo. ;A gente sabia que o modelo colaborativo era o mais seguro. Decidimos por ele porque queríamos um projeto que se pagaria, mesmo sem clientes;, ressalta. Isso porque os expositores pagam uma taxa de aluguel do espaço, além de repassarem uma porcentagem das vendas para as empresárias.

Para surpresa das amigas, a loja foi bem recebida e cresceu rapidamente. Em um ano, elas passaram de 16 para 70 marcas e, há cinco meses, se mudaram para o shopping do Lago Norte. Durante o processo de criação e solidificação da marca, elas definiram alguns objetivos. Ter uma loja de segmentos mistos era um deles e, por isso, convidaram marcas de produtos variados para expor no espaço desde o início.

Outro fator decisivo para Lili, Lúbia e Pati era o senso de coletividade. ;Por sermos designers, sabíamos o que as marcas passavam em outros lugares. Em algumas lojas, você aluga o espaço e pronto. Não existe compromisso com os criadores;, defende. A Nós acredita que o investimento no relacionamento é essencial para uma experiência realmente coletiva.

;No começo, aceitávamos produtos de revenda, mas depois seguimos o caminho dos produtos autorais. Isso é um requesito que a gente não abre mão;, conclui Lili. A curadoria, aliás, é um processo levado muito a sério. Elas fazem entrevistas, conhecem os produtos e evitam a repetição em excesso de um determinado segmento. Toda essa exigência se justifica por um cuidado de não parecer apenas uma loja de artesanato em meio a lojas luxuosas. ;Queremos mostrar que em Brasília se produz design e que estamos mudando a cara da cidade;, argumenta.

De acordo com as empresárias, os clientes costumam fazer visitas prolongadas ao lugar e olham cada caixinha com o mesmo interesse. Realmente, é difícil não passar pelo menos 15 minutos no interior da loja, afinal são muitos produtos diferentes concentrados em um só espaço. A originalidade dos itens de papelaria, quadros, roupas para bebês e terrários ; entre tantos outros produtos ; é surpreendente e justifica o processo de curadoria detalhista que as proprietárias defendem.

Verde Manga

Formada em comunicação e moda, Gracilene Paulino, 33 anos, decidiu ; há 10 anos ; atuar como empresária na área e inaugurou a loja Verde Manga, no Sudoeste. Era um espaço comercial como tantos outros da cidade e, com o passar do tempo, isso começou a incomodá-la. ;Vendíamos produtos industrializados que comprávamos em São Paulo, até que a minha mentalidade mudou;, conta. Gracilene percebeu que, para sobreviver, seria preciso adotar o padrão de consumo da economia local que a sociedade valoriza.

A partir dessa inquietação, ela fechou as portas do espaço no Sudoeste e se dedicou a imaginar um novo caminho. A ideia surgiu depois de um evento criado em parceria com o Limonada Project, um evento cultural de Brasília que defende o consumo consciente e a sustentabilidade.

Gracilene decidiu, então, investir em um formato completamente diferente do que estava acostumada: uma loja colaborativa e Pop Up (loja provisória) em shoppings da cidade. ;Selecionamos apenas produtos feitos por mulheres da cidade. Sentia falta de uma maior conscientização da cultura de compra;. O slogan escolhido para a nova loja diz muito sobre a nova fase da Verde Manga: ;Simples, manual e afetivo;.
Gracilene de Bessa desistiu do mercado tradicional para investir em Pop Up Store com criações só de mulheres
O ambiente do lugar é acolhedor, moderno e minimalista. As paredes pintadas com a cor que dá nome à loja chamam a atenção. Nas araras e estantes com design diferenciado, é possível encontrar uma grande variedade de produtos. Plantas, roupas sem gênero, objetos autorais para para decoração, cosméticos e joias são alguns exemplos. Os preços atendem a todos os orçamentos, o produto mais barato custa R$ 4,50 e o mais caro, R$ 520. A delicadeza das bijuterias com bordado em ponto cruz e as joias em prata com pedras naturais mostram que a escolha das peças é minuciosa. ;As marcas que estão aqui têm um diferencial. Além de vender, queremos inspirar e promover algo que vá fazer sentido na vida das pessoas;, explica Gracilene.

Para satisfazer o desejo de promover uma mudança e aumentar a conscientização da cultura de compra, a empresária aproveitou o espaço para realizar eventos que transmitissem a nova identidade da marca. Na lista, incluem-se palestras sobre o feminino; exposição de fotos de modelos nuas e oficinas para fazer cosméticos naturais, nas quais se aprender a tingir tecidos com cores naturais e a reinventar móveis antigos.

A próxima edição da Pop Up está prevista para o mês de julho. Até lá, as compras poderão, em breve, ser feitas pelo e-commerce da marca.

A Lojinha da Virada Verde

[VIDEO1]
Luiza Rezende, 29 anos, e Lucy Aguirre, 32, se conheceram há mais de 10 anos por meio de uma amiga em comum. Ao longo do tempo, fizeram muitas coisas juntas, como viagens, mas queriam estender a parceria para os negócios. A profissional de marketing e a artista plástica sempre tiveram planos de abrir um empreendimento e afirmam com o orgulho que a loja colaborativa, localizada no Sudoeste, é a concretização de um sonho.

A história da Lojinha começou nas ruas de Brasília, no formato de uma feira, chamada Virada Verde, realizada ao ar livre, com vários expositores. ;O evento surgiu da necessidade que Lucy via de criar uma maneira mais acessível para os criadores de produtos autorais divulgarem o próprio trabalho;, conta Luiza. Após quatro edições da mostra, elas receberam a proposta de alugar um espaço fixo na Asa Norte durante o período de um mês e tiveram um retorno positivo. ;Percebemos uma demanda local, e os clientes e expositores queriam que aquilo continuasse;, destaca o amigo e parceiro Filipe Soares. Foi quando Luiza e Lucy decidiram investir em um novo modelo e transformar a feira em uma loja.

Para a nova fase da marca, optaram pelo Setor Sudoeste, e a artista plástica justifica a escolha: ;Em Brasília, já existiam outras lojas colaborativas, mas no Sudoeste ainda não tinha nada parecido. Outro fator importante é a proximidade das áreas verdes;, explica. Nos fins de semana, os jardins das proximidades são aproveitado pelas empresárias. Elas promovem feiras com produtos orgânicos, palestras, oficinas e bate-papos. ;A gente gosta de oferecer não só os produtos, mas também a experiência. A loja virou um ponto de convivência. Temos clientes que vêm todos os sábados passar a manhã com a gente;, complementa Luiza.

Luiza Rezende, Lucy Aguirre e Filipe Soares: donos da Lojinha Virada Verde. Ideia surgiu a partir de uma feira de arte de artistas locais

As sócias defendem que o fato de os custos serem compartilhados viabiliza a participação de pequenos artistas no projeto, porém, ressaltam que a colaboração deve ir além do espaço físico. ;A gente tenta manter os expositores ativos e incentiva as marcas a se conhecerem para trocarem experiências;, conta Luiza. Como resultado do contato entre os expositores, já foram criados produtos de parcerias entre artistas da loja. Recentemente, as amigas comemoraram o primeiro ano de funcionamento do empreendimento, e Lucy considera que o crescimento foi rápido e a demanda tem aumentado.

Atualmente, 30 marcas e designers expõem suas peças na Lojinha da Virada Verde e curadoria exige que os produtos sejam autorais ou sustentáveis para participarem. A decoração charmosa é feita com paletes de madeira, mas os produtos atuais e descolados são o destaque do espaço. Luminárias, quadros, bonecas de pano, aplicações de tecido para roupas e sapatos são apenas alguns exemplos do que se pode encontrar na simpática lojinha.

MakerSpace


Se você é um consumidor, essa indicação provavelmente não atenderá a suas necessidades. Porém, se você é um designer ou apenas uma pessoa curiosa, o conceito desse espaço colaborativo lhe surpreenderá. Criado pela casa Thomas Jefferson e apoiado pelo Departamento de Estado Americano, o Maker Space é aberto para a comunidade e visa incentivar a prática do ;faça você mesmo; (do inglês, do it yourself). A proposta é oferecer aos artistas locais ferramentas para otimizar suas produções e melhorar o acabamento das peças. O resultado é bom para quem faz e para quem compra.

mulher segura brincos e sorri para fotoA atmosfera ali é criativa e futurista. Ilustra as potencialidades do mercado moderno e colaborativo. O espaço conta com impressoras 3D, máquina de corte a laser e de costura, computadores equipados com programas para edição e rede wi-fi. Para utilizar as máquinas, é cobrado um valor específico para cada equipamento, de acordo com o tempo de uso. Porém, antes de começar a criar, é preciso passar por um treinamento gratuito, para aprender a manusear o maquinário.

;O ambiente é amplo e possibilita uma troca de experiências. Uma das vantagens é que todos contribuem com o aprendizado coletivo. Quem sabe um pouco mais divide o que sabe com os demais. Assim, a rede de conhecimento só aumenta;, afirma Sora Lacerda, uma das coordenadoras do projeto.

Jéssica de Figueiredo, 28 anos, é uma designer de acessórios e, há seis meses, passou a produzir seus produtos no MakerSpace. Com a ajuda do corte a laser, otimizou a produção e os acabamentos, que antes eram feitos à mão. Com auxílio do estilete, ficaram mais precisos e padronizados. Antes de começar a usar a máquina, Jéssica demorava horas para cortar as peças, mas, com o equipamento profissional, as horas se transformam em minutos. ;Não conseguiria ter uma máquina dessas em casa. Além do valor, ela ocupa um espaço maior do que o que eu tenho disponível;, esclarece. Realmente, o aumento de produção da Jéssica é perceptível. De cinco peças por semana, ela passou a produzir de 20 a 30 acessórios.

Sem dúvidas, o equipamento que mais chama a atenção é a impressora 3D. Para utilizá-la, basta pagar R$ 30 por hora. E aí é só deixar a imaginação se transformar em realizada. Ali, é possível criar brinquedos, acessórios e objetos de decoração. Outra vantagem da impressão 3D é a sustentabilidade: o material utilizado para imprimir os objetos é o PLA ; plástico feito com composto de amido de milho ;, uma matéria-prima leve, biodegradável e que não causa alergias.


* Estagiário sob a supervisão de Flávia Duarte

Leia a matéria completa na edição 627 da Revista do Correio

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação