Sibele Negromonte
postado em 05/11/2017 08:00
Baru, pequi, cajuzinho do cerrado, cagaita, pimenta-macaco, maracujá-pérola, porco na lata. Muitos dos brasilienses, de nascimento ou adoção, certamente, ouviram falar de alguns desses alimentos típicos do nosso bioma. Mas quantos já os provaram? Provavelmente, poucos levantarão a mão.
Um grupo de chefs da cidade tem tentado mudar essa realidade. Desde o ano passado, pesquisam e catalogam produtos do cerrado ; nativos e cultivados por pequenos produtores da região. O projeto Panela Candanga inclui ainda um site, no qual são apresentados esses insumos e os seus cultivadores, e um festival gastronômico, que se encerra hoje, em cinco restaurantes da cidade.
Mais do que pesquisar e resgatar, os chefs Mara Alcamim, do Universal, Francisco Ansiliero, do Dom Francisco, Gil Guimarães, da Baco Pizzaria e do Parrilla Burger, Lui Veronese, do Sallva Bar & Ristorante, e Nilson Favacho, do Oliver, têm buscado incorporar os produtos do cerrado em suas criações.
Os pratos do festival estão disponíveis nas cinco casas, até hoje, a R$ 59 ; exceto a sobremesa do Sallva, que custa R$ 30. Mas, caso não consiga degustá-los, a coluna traz algumas dessas receitas para você tentar reproduzir em casa. A depender da aceitação, algumas poderão permanecer no cardápio. ;Vou fazer uma análise e ver se mantenho;, promete Mara, que preparou uma carne de lata, farofa goiana, mexido com linguiça caseira, maionese de chef, vinagrete de cajuzinho do cerrado e maracujá-pérola.
A carne de lata, aliás, é uma antiga tradição familiar que a chef levou para a gastronomia e para a vida. ;Eu nasci na roça, no interior de Goiás, e lá, fomos criado na banha de porco. Meus avós morreram velhinhos e minha mãe, aos 84 anos, ainda dirige, malha e é superativa. Tudo fruto de uma alimentação na roça.; O preparo, que ela compartilha com a coluna, é longo e funciona como uma espécie de ritual. ;Nós nos reuníamos ao redor da fogueira para preparar a carne.;
Entusiasta defensora do cerrado e da agrofloresta, Mara tem visitado pequenos produtores e lutado para mostrar e, sobretudo, preservar essa riqueza. ;Precisamos ter orgulho das nossas raízes e voltar a comer bem.; Ela ressalta que nem é preciso ir longe para obter esses produtos. Todos os sábados, na Ceasa, funciona o mercado de orgânicos e de agricultura familiar.
Outro frequentador das feiras da Ceasa é o chef Francisco Ansiliero, do Dom Francisco. Ele garante que, em seu cardápio, já é possível degustar muitos pratos cujos ingredientes vêm do cerrado. Um dos participantes do Panela Candanga, ele criou para o festival um frango com molho de pequi e cajuzinho do cerrado, acompanhado de arroz cremoso de ricota de cabra com toque de limão. Francisco cita, porém, outras receitas nativas, como o canoli servido no restaurante, que, em vez de pistache, vem acompanhado de baru e castanha-do-Brasil.
O chef de origem italiana, aliás, é um especialista em resgatar receitas tradicionais de diversas regiões. ;Se não nos envolvermos com as coisas à nossa volta, elas acabam ameaçadas de desaparecer. Estamos vendo essas tradições escoarem por nossos dedos.; Em conversas com agricultores e moradores locais, Francisco resgata antigas receitas, como o Galopé, muito consumido no interior goiano.
;Essa receita é feita com pé de porco salgado e galo velho. Cozinhamos os dois separadamente e depois juntamos em um mesmo refogado;, ensina. Outro prato tradicional da cultura goiana e que Francisco já reproduziu é o jabá com jacuba. ;Como nem sempre conseguiam farinha de mandioca, moradores da roça pegavam a polpa do buriti, colocavam de molho de véspera, temperavam e faziam a farinha.;
Já o chef Gil Guimarães sempre teve preocupação com a questão da sustentabilidade. A base da Baco e do Parrilla são os produtos orgânicos. ;Se tenho um problema com qualquer ingrediente, não ligo para o 0800, mas direto para o produtor.; Recentemente, ele tem procurado também usar os frutos do cerrado como matéria-prima.
Para o festival, Gil usou na cobertura da pizza um ingrediente típico do nosso bioma, a pimenta-macaco, e produtos frescos, como os aspargos da Vargem Bonita e o Fior di Latte Xique Xique, dos mesmos proprietários do restaurante Xique Xique. O chef classifica o Panela Candanga como o começo de um trabalho de médio e longo prazos. ;Precisamos cuidar para que tudo isso não morra.;
Frango ao molho de pequi e cajuzinho do cerrado, acompanhado de arroz cremoso de ricota de cabra com toque de limão
(Receita de Francisco Ansiliero, do Dom Francisco)
Ingredientes
- 250g de peito de frango
- 60g de ricota de cabra picada
- 250g de arroz branco
- Limão siciliano a gosto
- 150g de cajuzinho do cerrado sem semente
- 150g de polpa de pequi
- Pimenta-do-reino, sal e azeite a gosto
Modo de preparar
- Tempere o frango com pimenta-do-reino, sal e azeite e leve ao fogo para grelhar, mas sem deixar ressecar. Reserve o caldo. Na sequência, bata a polpa de pequi e, depois, bata a polpa de cajuzinho do cerrado. É importante que elas sejam batidas separadamente. Em uma panela, reduza essas misturas até que fiquem cremosas. Misture até obter o ponto desejado. Em seguida, despeje sobre o frango.
Arroz cremoso
- Em uma panela no fogo, misture a ricota picada e duas colheres de sopa de azeite. Na sequência, adicione o caldo do frango e o arroz cozido. É possível, ainda, colocar um pouco de parmesão.
Carne de lata
(Receita de Mara Alcamim, do Universal)
Ingredientes
- 1 kg de pernil suíno cortado em cubos grandes
- 1 kg de toucinho sem pele
- 300g de costelinha suína
- Sal e alho a gosto
Modo de preparar
- Primeiro, tempere o pernil cortado em cubos grandes com alho e sal. Coloque sal no toucinho e leve ao fogo até derreter a gordura e sobrar somente o torresmo. Escorra bem e leve a banha novamente para a panela. Na mesma gordura, frite a carne. O processo é longo. Vá mexendo para que todos os lados fiquem bem fritos. Escorra novamente. Coloque as carnes em latas e cubra com a banha que usou para fritar. Cubra completamente. Os pedaços de carne devem estar totalmente dentro da gordura. Feche a lata apenas quando o líquido estiver totalmente frio.
- Ao servir, coloque a carne junto com a banha na panela e espere a gordura derreter para fritar na sequência.
Cheesecake do cerrado
(Receita de Lui Veronese, do Sallva Bar & Ristorante)
Crumble
Ingredientes
- 50g de farinha de trigo
- 50g de manteiga sem sal
- 50g de açúcar
Modo de preparar
- Misture os ingredientes e asse em forno seco por 12 minutos, mexendo a cada 4 minutos para obter um farelo crocante.
Ganache de chocolate branco
Ingredientes
- 100g de creme de leite fresco
- 75g de chocolate branco
- 1 folha de gelatina hidratada
Modo de preparar
- Derreta o chocolate branco e ferva o creme de leite. Dilua a gelatina no creme de leite e junte ao chocolate branco. Na sequência, despeje em uma plataforma plana e untada. Coloque na geladeira. Quando a mistura estiver solidificada, corte em tiras.
Recheio de queijo
Ingredientes
- 50g de requeijão cremoso
- 5g de açúcar
- 10g de creme de leite fresco
- 4g de polpa de pequi
- 2g de suco de limão
Modo de preparar
- Bata os ingredientes e coloque em um saco de confeiteiro. Reserve na geladeira.
Molho
Ingredientes
- 20g de polpa de pequi
- 80g de cajuzinho do cerrado sem semente
- 20g de limão siciliano
- 10g de açúcar
Modo de preparar
- Bata todos os ingredientes em liquidificador e coe. Reserve na geladeira.
Para finalizar
Ingredientes
- 15g de crumble
- 12g de molho
- 1 tira de ganache de chocolate branco
- 50g de recheio de queijo
- 5g de castanha de baru picada
- Hortelã fresca
- 2 unidades de cajuzinho do cerrado fresco
- 1 bola de sorvete de cajuzinho do cerrado
- Flores comestíveis
Modo de preparar
- Coloque o molho na base do prato. Em seguida, adicione a tira de ganache de forma espontânea. Faça picos com o recheio de queijo e acrescente a castanha e o crumble. Finalize com o hortelã, as flores e uma bola do sorvete de cajuzinho do cerrado.