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Açúcar e afeto são elementos essenciais nas delícias de doceira de Brasília

Receitas com ingredientes que não se encontram nas prateleiras e talento de artesã fazem a diferença em delícias confeccionadas com amor e perfeccionismo

Sibele Negromonte
postado em 04/03/2018 07:00
uma moça branca sorrindo, com uma blusa laranja e segurando umas flores na mão. Ao fundo só tem árvores esverdeadas.Quando o mês de junho ia se aproximando, Cecília Falcão ficava eufórica. Algumas vezes, até inventava que estava doente para não ir à escola e correr para a casa da avó paterna, um casarão antigo de Cuiabá, onde um grupo de mulheres se reunia para produzir os biscoitos que abasteceriam a tradicional festa de São Benedito na capital de Mato Grosso. As celebrações, até hoje, duram cerca de um mês e atraem milhares de pessoas na cidade.

;As mulheres faziam um biscoito amanteigado, chamado Francisquito, e colocavam em grandes latas de alumínio. E eu ajudava. Eles têm um jeito especial de serem cortados, com tesoura, e eu conseguia cortá-los com perfeição;, relembra Cecília. Na época, ela tinha 10, 11 anos e aquela tradição foi o seu primeiro contato com o que viria a ser, anos depois, a sua profissão.

Aos 14 anos, a garota preparava os bolos das festas da família e ficava ansiosa pelos elogios, que sempre vinham. Aos 17 anos, Cecília se mudou com os pais para Brasília e, no ano seguinte, casou-se. Logo depois, veio a primeira filha e ela começou a cursar pedagogia. Formou-se, teve outra filha, mas nunca chegou a exercer o ofício de educadora. Continuava com o hobby dos doces e fazia cada vez mais cursos na área.

Quando estava grávida do filho caçula, hoje com 17 anos, a mato-grossense teve a primeira encomenda profissional. Sua missão seria preparar os doces do casamento da filha de uma amiga da mãe. Decidiu aceitar. A partir daí, não parou mais de receber pedidos para confeccionar as delícias das mais diversas festas. ;Tudo foi acontecendo de forma muito despretensiosa. Sem ansiedade. Hoje, faço muito batizado dos filhos das clientes que casaram com os meus doces.;

Além dos constantes cursos ; que continua a fazer ; para se aperfeiçoar, Cecília resgatou receitas antigas da família. ;Eu tinha uma tia em Mato Grosso que era doceira e, com ela, aprendi muitos dos doces que acabaram fazendo parte do meu cardápio.; Um dos seus diferenciais é o uso de frutas, sempre frescas, na confecção das delícias. De abacaxi a laranja, de flor de figo a damasco, são vários ostipos. ;É claro que também preparo os docinhos tradicionais. O meu bem-casado já foi até eleito o melhor de Brasília.; O essencial para Cecília, porém, é que, por trás daquela guloseima, sempre tenha uma história.

Como a do docinho que ela batizou de Amor em Pedaços e que ela conta a origem com orgulho. Quando o filho ainda era pequeno, a coordenadora da escola em que ele estudava, sabendo que Cecília era doceira, fez um pedido emocionado. A mulher tinha perdido a mãe havia pouco tempo e contou sobre um doce de abacaxi com coco que só a matriarca sabia fazer. ;Ela me deu a receita e pediu para que eu tentasse reproduzi-la. Eu fiz e, quando entreguei os doces, ela comia e chorava. Disse que parecia que estava degustando os preparados pela mãe.; Cecília pediu permissão para acrescentá-lo ao cardápio e fez uma delicada mudança na apresentação: o doce passou a ser confeccionado em forma de coração.

A receita que a mato-grossense divide com a coluna, uma cocada de forno, também tem um significado especial. Elaborada pela irmã do avô, que vivia em Sergipe, remete à infância de Cecília. ;Eu uso coco de verdade, a fruta, e não o industrializado, vendido em supermercado;, ensina. E dá um outro exemplo de cuidado que tem com a qualidade da matéria-prima, para ela, essencial para o sucesso da receita. ;Preparo um doce de limão recheado com doce de leite, cujas frutas são plantadas especialmente para mim, em Mato Grosso. Os limões vêm em um tamanho uniforme e específico.;

Outra paixão da doceira é o preparo das rosas de açúcar. Quando começou a se profissionalizar, Cecília não preparava bolos, apenas os doces das festas. Mas a demanda fez com que ela entrasse também nesse mercado e uma das grandes pedidas, especialmente entre as noivas, é a ornamentação do bolo com flores ; rosas, hortênsias, petúnias etc. ; confeccionadas à perfeição. ;Eu gasto até dois dias para concluir uma única flor;, detalha. Inclusive, uma maquete de bolo durou mais de um mês para ficar pronta.

A habilidade artística que tem com as mãos Cecília credita a uma herança da avó materna, dona Maria Lygia. Tecelã, costureira e pintora, ela é autora de vários quadros que ornamentam as paredes da casa de Cecília e de alguns tapetes que embelezam o chão. ;No fim do ano passado, aos 91 anos, ela costurou uma saia para a minha filha;, orgulha-se a neta.

Para a Páscoa, pela primeira vez, a doceira está criando ovos de chocolate gourmet, com diversos recheios ; uma tentação para Cecília, que, confessa, adora doces e tem tentado maneirar um pouco o vício nos últimos dias. E uma coisa ela garante. ;Além de deliciosos, meus doces são feitos com muito amor.;

Uma cocada na forma de alumínio.

Receita

Cocada ao forno

Ingredientes
  • 2 copos grandes de açúcar
  • 1 copo grande de água
  • 400g de coco ralado
  • 50g de queijo parmesão ralado
  • 1 colher de manteiga
  • 1 vidro de leite de coco
  • 5 ovos
Modo de fazer
  • Faça uma calda grossa com o açúcar e a água até chegar ao ponto de fio. Desligue o fogo.
  • Deixe amornar e acrescente o leite de coco, o coco, a manteiga, o queijo e os ovos e vá mexendo até misturar bem todos os ingredientes.
  • Coloque a mistura em um pirex untado com manteiga e leve ao forno preaquecido a 180;C por de 30 a 40 minutos e sirva.

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