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Instrumentos musicais nacionais fazem sucesso em orquestras estrangeiras

As pesquisas com as madeiras nativas começaram em Brasília, há 27 anos

postado em 09/10/2009 13:15

Heitor Villa-Lobos encantou-se pelo canto melancólico do uirapuru ao percorrer a Amazônia, em 1917, à procura de originalidade para suas músicas. Os sons da floresta foram traduzidos para o erudito e a genialidade do músico brasileiro, que morreu há meio século, encantou plateias e conquistou fama em todo o mundo. Naquela época, os instrumentos das orquestras que o maestro regia eram fabricados com madeiras nobres e importadas. Hoje, pouco a pouco, as árvores da Amazônia conquistaram espaço e respeito entre os músicos, em orquestras dos Estados Unidos e da Europa. Depois de uma série de pesquisas realizadas com pioneirismo em Brasília, há 27 anos, comprovou-se que, com madeiras típicas da nossa floresta, é possível fabricar instrumentos musicais tão bons quanto os importados.

[FOTO3]A pesquisa ajudou as indústrias nacionais a prosperarem e estimulou a produção artesanal de violões e violinos e de seus arcos, contrabaixos e violoncelos. Porém, a fabricação desses instrumentos é ainda pequena. A maioria à venda nas lojas é fabricada com madeiras importadas e caríssimas. Mesmo nas oficinas dos luthiers, artesãos que constróem instrumentos musicais de qualidade, há preferência pelas madeiras tradicionais. Um dos motivos é a dificuldade de achar nas serrarias brasileiras as espécies nativas pesquisadas que estejam com o corte correto para fabricar instrumentos com qualidade sonora.

;Não se encontram essas madeiras para comprar, porque não têm durabilidade para uso doméstico, como pisos e portas, embora sejam perfeitas para os instrumentos. Não há um mercado de madeiras para instrumentos;, explica o luthier e músico brasiliense Alberto Viegas, 53 anos, que batiza os seus contrabaixos com a marca Amazon. Desde 1989, ele dedica-se ao ofício de construir contrabaixos e sempre precisa descobrir madeiras nacionais no corte adequado. Este ano ainda, o luthier planeja uma viagem ao interior do Amazonas para procurar as espécies marupá e amapá no meio da floresta.

O início
Os estudos com as árvores nativas da Amazônia começaram em 1982, na ditadura militar, visando à substituição das caras madeiras importadas na fabricação de instrumentos musicais, como os abetos europeus e o cedro do Oregon (EUA). Por causa da escassez, essas madeiras tinham, desde essa época, alto valor econômico ; e o preço elevado da matéria-prima desestimulava a produção industrial no Brasil de instrumentos, como o violino, a viola, o violoncelo e a clarineta.

Desde então, as pesquisas no Laboratório de Produtos Florestais do Serviço Florestal Brasileiro com árvores da Amazônia já identificaram 50 madeiras tão boas quanto as importadas para a fabricação de instrumentos. Os dois tipos utilizados por Alberto para construir um contrabaixo são resultado dessa pesquisa. Porém, é difícil competir com a tradição de madeiras usadas há séculos pelos luthiers europeus. Esteticamente, segundo Viegas, as madeiras importadas dão um acabamento menos poroso, com maior brilho. Por causa do clima tropical, as árvores brasileiras crescem mais rapidamente e os poros são mais abertos, dando uma aparência mais rústica ao instrumento.

;Em acústica, porém, as nossas madeiras não perdem em nada. Em alguns quesitos, são até superiores às europeias, como na propagação sonora;, afirma o luthier, duas vezes premiado em concursos internacionais pela qualidade do som de seus contrabaixos. Curiosamente, em 2007, ele venceu uma disputa nos Estados Unidos ao inovar apresentando um contrabaixo acústico de seis cordas, em homenagem a Villa-Lobos. ;O maestro era todo experimental. Então resolvi homenageá-lo;, comenta Alberto. Os contrabaixos têm quatro cordas.

O luthier já construiu 28 violoncelos, quatro violinos e 13 contrabaixos. O último, um contrabaixo, traz gravado o nome do maestro Silvio Barbato, morto este ano no acidente aéreo da Air France. ;Assim, a música dele continua. Era muito amigo dele. A gente aprontou muito na adolescência;, explica Viegas, que aos 17 anos era o caçula do grupo que fundou a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional. Os instrumentos do luthier estão hoje nas mãos de músicos da Broadway e da Nova Zelândia, além de privilegiados do Brasil que podem pagar por um instrumento artesanal e único, que traz em alto relevo a folha da marca Amazon.

Viegas defende qualidade dos instrumentos feitos com madeiras nativas

Tradição e extinção
Não é só a dificuldade de acesso à madeira que dificulta o trabalho dos luthiers. Apesar de os testes físicos e mecânicos em laboratório apresentarem bons resultados, a tradição dos músicos conta bastante e eles preferem os instrumentos com madeiras nobres importadas ou de espécies nacionais consagradas em certos instrumentos, como o pau-brasil na fabricação do arco do violino. A árvore, que existe somente na Mata Atlântica, é protegida pela legislação nacional e seu corte é proibido. ;Hoje, quem consegue comprar arco novo de pau-brasil tem grande chance de ter adquirido uma peça construída de madeira clandestina;, alerta o analista ambiental Mário Rabelo, responsável pelo projeto Madeiras Brasileiras para Instrumentos Musicais no Laboratório de Produtos Florestais do Serviço Florestal Brasileiro.

O mogno (Swietenia macrophylla), outra espécie ameaçada de extinção, é utilizado em diversos tipos de instrumentos de corda. Outra madeira brasileira proibida de ser utilizada pela indústria é o jacarandá-da-bahia (Dalbergia nigra). No Brasil, somente uma pessoa em São Paulo, Eugenio Folmann, tem autorização para fabricar instrumentos com essa madeira ; e apenas porque já tinha estoque dela. O comércio de jacarandá-da-bahia é, inclusive, proibido mundialmente. Exemplares de outras árvores, típicas da África, América Central e Índia são utilizados para substituí-la.

;Pelos testes acústicos, as nossas madeiras apresentam os mesmos sons de instrumentos produzidos com o pau-brasil, mas os músicos acham que não. É uma resistência, mas aos poucos eles vão descobrindo que não há necessidade de importar madeiras;, comenta Rabelo. Entre as peças fabricadas no laboratório, há arcos de violino feitos de ipê, muirapiranga e braúna, todas madeiras brasileiras sem problemas de exploração.

O maestro

Aceitação difícil
Músico profissional da Orquestra do Teatro Nacional, Antenor Gomes Júnior explica que é complicado fabricar violinos e violoncelos com madeiras brasileiras, porque os instrumentos possuem timbre muito específico e há alteração no som. ;Além da estética, para conseguir um resultado que encanta as pessoas é preciso o som tradicional;, explica. Por isso, ele só utiliza as madeiras importadas na fabricação desses instrumentos. ;Pelo menos, preservamos as nossas árvores;, diz. No entanto, em outros instrumentos, como a viola e o contrabaixo, as madeiras brasileiras da Amazônia, como o tauari e o marupá, são bem aceitas.

Por conta da tradição dos músicos e da dificuldade de comércio das madeiras nacionais apropriadas para a fabricação dos instrumentos musicais, a pesquisa no laboratório do Serviço Florestal Brasileiro restringe-se atualmente às encomendas de indústrias, pesquisas universitárias ou de particulares que se dedicam à fabricação artesanal. ;Hoje, umas 50 madeiras poderiam ser utilizadas, mas apenas 10 são as mais usadas;, diz Rabelo. Entre essas 10 espécies, estão o mogno, o cedro, o jatobá, o freijó, a muiracatiara e a caixeta, ou marupá.

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