Tecnologia

Voto digital contra a fraude

Sistema biométrico procura zerar a possibilidade de erros e ilegalidades a partir das eleições de 3 de outubro. Blindagem eletrônica de urnas pelo TSE fica cada vez mais sofisticada, dizem especialistas do tribunal

postado em 05/07/2010 09:28

Quando os cerca de 130 milhões de eleitores brasileiros saírem de casa para escolher os futuros governantes, em 3 de outubro, uma enorme estrutura tecnológica estará montada para garantir algo que parece impossível: a ausência de erros e fraudes no processo eleitoral. O símbolo máximo dessa meta é a urna eletrônica, máquina conhecida dos eleitores há, pelo menos, 10 anos. Foi em 1996 que o Brasil começou a testar esses equipamentos, que hoje fazem do país o único no mundo onde o voto é 100% eletrônico. Mas a estrela desses novos tempos da democracia não é a urna, e sim todo o sistema ;invisível; que procura garantir a integridade da escolha de cada cidadão e que passa por atualizações a cada pleito.

Tudo começa com o desenvolvimento do software que vai computar os votos dentro das urnas. O programa é criado por técnicos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão máximo da Justiça Eleitoral(1), também responsável pela organização das eleições. ;Esse programa recebe uma espécie de blindagem, uma certificação digital que garante duas coisas: a autoria do software e a sua integridade. Se nós alterarmos uma vírgula, um ponto sequer, a urna não rodará o aplicativo;, explica o secretário de Tecnologia da Informação do TSE, Giuseppe Janino. Depois de ;lacrada;, uma cópia do programa fica guardada no cofre do TSE e outras vão para os tribunais regionais, que coordenam a instalação do aplicativo nas 400 mil urnas do país.

Clique para ampliar;O software viabiliza a computação da intenção dos eleitores de forma automatizada, sem a intervenção humana. Buscamos, com isso, eliminar a lentidão, o erro e fraude, ocorrências inerentes ao ser humano;, detalha Janino. No dia da eleição, a escolha de cada eleitor fica guardada dentro do equipamento da seção. O resultado só é conhecido depois que o mesário encerra a votação com uma senha, o que pode acontecer a partir das 17h. Não há um horário definido, porque, muitas vezes, ainda há fila para votar. Se o mesário não encerrar a coleta até a meia-noite, o sistema da urna, então, bloqueia o processo. O responsável por cada seção emite um relatório com o resultado dos votos do local ; é a única etapa em que a informação deixa de ser virtual e vai para o papel. O documento é afixado nas seções para controle dos partidos, mas a computação total dos votos é feita digitalmente, com a transmissão dos dados aos tribunais regionais ou ao TSE, no caso da escolha do presidente (veja arte).

Giuseppe Janino afirma que a tecnologia utilizada garante que qualquer possível falha seja auditada pelo tribunal ou por quem achar que houve fraude. ;A cópia do software fica armazenada no TSE, quem se sentir prejudicado pode buscar o programa e fazer sua análise. A fraude é inviável hoje; todos os sistemas são desenvolvidos internamente, nada vem de fora;, diz o secretário de TI do TSE. O tribunal vai lançar, até o fim desta semana, um site com todas as informações sobre a urna eletrônica. O acesso à página será pelo portal do TSE (www.tse.gov.br).

Na ponta dos dedos

Além de programas cada vez mais apurados, o órgão vai estrear em outubro um novo sistema de identificação dos eleitores. Em 60 municípios, o cidadão só poderá votar depois que um software verificar a impressão digital da pessoa. ;Hoje, o eleitor chega à seção e apresenta dois documentos, o RG e o título. O mesário confere se é a mesma pessoa da foto, ainda há uma intervenção humana importante;, destaca Giuseppe Janino. Com o novo aplicativo, o computador vai ;conferir; se o dono daquela mão é mesmo o eleitor que deve votar no local.

O cadastro das impressões digitais foi feito por convocação até 19 de março deste ano. Os dados ; com informações pessoais, coleta de digitais e foto ; estão armazenados no Sistema Automatizado de Identificação de Impressões Digitais (Afis), o mesmo banco de dados utilizado pelo Instituto Nacional de Identificação (INI) da Polícia Federal. ;Há vários tipos de identificação biométrica, pela face, pela íris, pela geometria das mãos. A mais utilizada é a digital, ela é segura, não há ninguém com uma digital; igual à de outra pessoa;, explica o diretor substituto do INI, Lander Bossois. A expectativa do TSE é fazer o cadastro biométrico de toda população votante dentro de sete anos.

O estudante Leandro Moreira de Castro, 28 anos, é um dos eleitores que vai usar a digital na hora de escolher presidente, governador, deputados e senador. O jovem vota em Ponte Nova, a 40km de Viçosa, em Minas Gerais. A cidade é uma das 60 onde a identificação biométrica já será aplicada. Leandro fez seu cadastro em janeiro deste ano e ficou surpreso com a agilidade na coleta dos dados. ;Eu fiquei bastante satisfeito. Essas coisas, geralmente, demoram, mas consegui resolver tudo em poucos minutos;, conta o rapaz. ;Morei um tempo no exterior e, sempre que falava das eleições no Brasil, as pessoas se impressionavam com o nosso sistema;, completa o estudante.

1 - Eleitorado sob controle
A Justiça Eleitoral faz, periodicamente, um recadastramento da população votante no Brasil. Isso ocorre quando o número de eleitores atinge 80% da população total. O levantamento é feito para evitar fraudes, como o voto de pessoas mortas, por exemplo. A ideia é aproveitar esse recadastramento para colher os dados biométricos.

Assista a vídeo do TSE sobre os testes de segurança da urna eletrônica


Especialistas acham falhas


Relatório do Comitê Multidisciplinar Independente, grupo de estudiosos de computação, matemática e direito, entre outras, áreas apontou falhas no atual sistema eleitoral. A principal seria a impossibilidade de controle externo da apuração. O professor Pedro Dourado Rezende, do Departamento de Ciência da Computação da UnB, explica que as fraudes podem ocorrer dentro do TSE, já que o órgão controla todas as questões relativas ao processo. O problema, diz, não é a urna em si, mas o fato de que é impossível recontar os votos em um software independente.

Para Jorge Stolfi, do Instituto de Computação da Unicamp, é preciso incluir um elemento material que permita ao eleitor acompanhar se seu voto foi computado. ;Os votos ficam armazenados apenas na forma de sinais elétricos e magnéticos ; que o software pode ser programado para alterar;, opina o especialista. ;A atual urna é vulnerável à manipulação por quem trabalha diretamente com o sistema.;

O documento dos especialistas foi entregue ao TSE em abril, mas o órgão questionou as conclusões. ;O argumento usado foi uma suposta falta de representatividade institucional, pois cada autor do relatório fala por si e não por instituições;, diz Pedro Rezende. O Congresso Nacional tentou prever o registro material do voto, com lei do senador Roberto Requião (PMDB/PR). O texto acabou derrubado pela Justiça Eleitoral. No ano passado, o Congresso aprovou outra norma que instituiria o voto impresso a partir de 2014. ;Infelizmente, estão sendo apresentadas propostas de lei que revertem essa prudente decisão;, lamenta Stolfi.

Para Janino, processo de certificação digital do novo programa elimina a lentidão e as chances de fraude

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