Tecnologia

Mercado é invadido por espiões eletrônicos capazes de abrir caixas de e-mails e revelar segredos

postado em 21/07/2010 07:00
O médico Pedro*, 34 anos, já estava separado havia10 meses quando descobriu que a antiga companheira o traía. Certo dia, Pedro acessou um atalho do programa Outlook Express no computador que dividia com a moça e acabou indo parar na caixa de entrada dela. Na pasta, uma série de e-mails de amigas e de um desconhecido. Ao ler o conteúdo das mensagens, Pedro descobriu que a ex-companheira havia conhecido o rapaz em uma viagem de avião quatro meses antes de eles se separarem. ;Havia mensagens de cinco dias depois de a gente terminar, relatando coisas que não poderiam ter acontecido apenas nesse intervalo;, lembra o médico.

Edilmar faz investigações eletrônicas e usa recursos sofisticados para aqueles que suspeitam de estarem sendo traídosA história de Pedro é muito mais comum do que se imagina. Desde que e-mails, Orkuts, Facebooks e afins passaram a fazer parte da rotina dos brasileiros, muitos relacionamentos acabaram ou, pelo menos, ficaram por um fio. ;Esses recursos tecnológicos facilitaram em mais de 80% o meu trabalho;, afirma o detetive particular Edilmar Lima, que atua na área há 17 anos. De cada 10 casos que chegam ao escritório de Lima, cinco são para investigação de casos extraconjugais. O detetive mantém perfis falsos em redes de relacionamentos e contas em comunicadores instantâneos. Com isso, atrai os supostos traidores até dar o flagrante.

Isso sem falar nas ferramentas usadas para fazer esse flagrante. ;Antigamente, a gente tinha que montar uma estrutura enorme, colocar tudo dentro da mochila para poder filmar ou fotografar alguma cena. Hoje é só usar um óculos, um relógio, deixar uma caneta em cima da mesa;, aponta o detetive, referindo-se a microcâmeras escondidas. Mas a maioria dos casos, diz Lima, é resolvida no mundo virtual. Os perfis de ;Ricardão;, como o detetive diz, têm versões femininas. ;Há mulheres trabalhando na investigação. Se eu me fizer passar por uma mulher, posso dar um deslize, escrever um ;obrigado;, por exemplo, e botar tudo a perder;, observa o especialista.

Outro recurso muito utilizado por investigadores ; ou companheiros(as) ciumentos(as) ; são os espiões, programas de computador que enviam para um e-mail determinado toda a correspondência eletrônica do usuário vigiado. Para instalar o programa, basta abri-lo no computador que será monitorado. Há uma série de ;espiões; disponíveis no mercado, alguns específicos para celular. Esses, porém, precisam ser instalados diretamente no aparelho da ;vítima;.

Toda essa parafernália pode pôr fim a relacionamentos de anos, décadas. Mas não serve para processar ninguém. ;Invadir o e-mail do companheiro, usar um espião de computador são coisas que valem para o convencimento pessoal de quem acha que está sendo traído. Isso não pode ser usado em juízo;, afirma a professora Suzana Viegas, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.

Suzana, especialista em direito civil, explica que o adultério não é mais crime previsto no Código Penal desde 2005. Mas, para pedir, o divórcio, não é preciso muita coisa. ;Uma das condições para o juiz conceder o divórcio seria a conduta desonrosa. Manter um relacionamento extraconjugal pela internet pode ser uma conduta desonrosa (relacionamentos sexuais virtuais);, pondera a professora.

Limites
Certificar-se da fidelidade do companheiro não deve estar acima de qualquer coisa. Além de gerar desconforto na relação, certas medidas podem ser consideradas crime. ;Dar uma espiada no e-mail do seu cônjuge pode parecer uma atitude inofensiva. O problema é que, nesse caso, a pessoa pode passar de vítima a vilão. Se o serviço é protegido por uma senha, é porque é secreto;, ressalta o professor Fabrízio Rosa, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. ;Se houve invasão de e-mail, por exemplo, a parte prejudicada pode pedir indenização por invasão de privacidade e danos morais;, alerta Fabrízio, que é mestre de direito penal na área de crimes de informática. Nesse caso, estaria configurado o crime de interceptação, com pena de dois a quatro anos de prisão.

O médico Pedro enfrenta agora uma série de ações na justiça movidas pela ex-companheira, entre elas uma por invasão de correspondência eletrônica. Essa acusação, porém, deve ser a mais fácil de ser desmontada. ;Se o computador for de uso comum e houver acesso fácil às provas, é possível comprovar que não houve invasão;, diz a professora Suzana Viegas. ;Tudo depende de cada caso;, destaca ela.

De qualquer forma, para proteger-se valem algumas dicas de segurança na internet (1): trocar periodicamente as senhas de e-mail, sair da conta antes de fechar a janela, limpar o histórico da navegação e tomar cuidado ao compartilhar a máquina. ;Usar software livre minimiza os riscos. A maioria dos programas espiões é feita para Windows;, afirma Rodrigo Nejm, diretor de Prevenção da Safernet, organização não governamental especializada em segurança na web. Outra recomendação é ter cautela nas redes sociais, até mesmo, para evitar problemas mais sérios. ;Os sites de relacionamentos são espaços públicos. Não devem ser usados para compartilhar todas as informações pessoais;, ressalta Rodrigo.

1 - Armadilhas credenciadas
Especialistas alertam que usuários acabam se expondo demais por não terem noção do alcance da internet. O Twitter, por exemplo, oferece uma ferramenta de georreferenciamento que mostra exatamente onde a pessoa está através do Google Maps. Esse descontrole também ocorre com coisas mais simples, como mandar um e-mail a uma lista de amigos, que depois acaba sendo repassado a centenas de pessoas.

(*) Nome fictício a pedido do entrevistado.

; Leia a íntegra da entrevista

O professor Fabrízio Rosa, da PUC de Campinas, é advogado criminalista e mestre em direito penal na área de crimes de informática. Ele falou ao Correio sobre os riscos de "xeretar" a correspondência eletrônica do companheiro

Interceptar conversas de e-mail do companheiro é um crime?
Dar uma espiada no e-mail do seu cônjuge pode parecer uma atitude inofensiva, que, na pior das hipóteses, renderá uma boa briga se ele/ela descobrir. Mas interceptar conversas alheias na internet pode ser considerado crime e pode até dar cadeia. É comum em alguns processos de separação complicados que as pessoas tentem colher provas de traição - como e-mails ou conversas por comunicadores instantâneos - para apresentar nas audiências. O problema é que, nesse caso, a pessoa pode passar de vítima a vilão. Se o serviço é protegido por uma senha, é porque é secreto. Há uma cláusula de uso pessoal e intransferível no contrato assinado com o provedor.

Essa prática pode render processo, pagamento de indenização ou prisão?
Se para obter as tais provas de traição a pessoa acessar indevidamente o e-mail ou o histórico de conversas em chat do seu cônjuge, essas provas serão consideradas ilícitas. Ainda pior, o ;xereta; pode acabar no banco dos réus. Caso fique provado que ouve a invasão de e-mail, por exemplo, a parte prejudicada pode pedir indenização por invasão de privacidade e danos morais. Para o crime de interceptação, a pena pode ser de dois a quatro anos de prisão.

E se a pessoa se fizer passar pela outra?
Se a pessoa responder a um e-mail ou conversar com alguém no MSN como se fosse o outro, a situação piora e ela pode ser processada por falsa identidade.

Como comprovar que houve a espionagem pela internet?
Se as invasões foram feitas a partir do seu próprio computador ou do computador do casal, preserve o HD intacto para enviá-lo para a perícia. Caso o e-mail tenha sido invadido remotamente, peça ao provedor que mantenha um registro dos acessos a sua conta, para que o endereço IP de quem entrou nela possa ser identificado. Em algumas situações, o provedor pode se recusar a manter os registros, então dá para entrar com uma ação judicial e pedir uma liminar que o obrigará a cooperar.

Há duas semanas, um caso em Sorocaba chamou a atenção porque a mulher traída colocou no Orkut o vídeo em que desmascarava a amante do marido. Nesse caso, é possível punir o site de relacionamentos?
Há, sim, a possibilidade de entrar com uma ação não só contra o autor das ofensas, mas também contra o portal que permitiu que o conteúdo permanecesse no ar. Se o site mantiver o vídeo ou demorar para retira-lo, é possível ter um ressarcimento por danos morais.

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