Tecnologia

Terceira geração dos retratos falados é usada pela Polícia Civil do DF

Depois da "aposentadoria" dos tradicionais desenhos e do primeiro programa computadorizado, Polícia Civil do DF aposta em mistura de banco de imagens com um software de manipulação digital para fazer as reconstituições faciais de suspeitos

postado em 24/09/2010 08:20
Exemplo de montagem em camadas do retrato falado: a base do trabalho é um banco que tem hoje cerca de 11 mil imagens delegacias do DF receberão o sistema e peritos a partir de outubro

Mistura de tecnologia com ciência e nuances de arte, a construção de um retrato falado nos dias de hoje requer uma série de habilidades. Entre elas, mexer com softwares de manipulação de imagens, entender de anatomia facial, desenhar, saber entrevistar, ter conhecimentos de antropologia e psicologia. É um trabalho demorado, já que cada representação facial desse tipo demora cerca de duas horas para ser feita ; mas é eficiente, segundo funcionários da Polícia Civil do Distrito Federal, que calculam um índice aproximado de 90% de solução de crimes com participação efetiva dessas imagens construídas de criminosos.

Ao fazerem a reconstituição da aparência do suspeito, os peritos buscam reduzir o universo de suspeitos de ter cometido determinado crime. Ainda que o retrato não fique idêntico à pessoa, as características físicas mais marcantes facilitam o trabalho da polícia na hora da identificação. ;Se você faz uma pessoa de rosto quadrado, as de rosto redondo já estão descartadas. Se faz uma de pele clara, as de pele escura estão de fora. Aí você vê o olhar mais parecido, o tipo de cabelo, analisa o contexto;, explica Andrea Figueiredo, 42 anos, chefe da Seção de Retrato Falado.

À esquerda, um exemplo do retrato falado antigo, desenhado à mão no meio, o resultado do primeiro sistema computadorizado à direita, uma versão com o software atualAtualmente, a Polícia Civil do Distrito Federal usa um banco de imagens e o programa Adobe Photoshop para fazer as representações faciais. Esse banco, criado há seis anos com fotografias criminais, contém 11 mil imagens e é constantemente atualizado. ;Antigamente, usávamos um software específico para fazer retrato falado e outros tipos de representação. Ele continha um banco de imagens e um de tratamento, mas o programa era muito engessado, pois a pessoa não tinha como modificar as fotos que constavam por lá;, recorda Andrea.

Não é qualquer computador com o programa instalado, contudo, que pode ser usado para esse fim. Os 10 profissionais (seis mulheres e quatro homens) que atualmente trabalham com representação facial na cidade o fazem em estações gráficas, em computadores com processamento de alta performance e acoplados a uma mesa digitalizadora ; onde o perito altera, à mão, a imagem que aparece na tela.

Opção estratégica

Usar o software de manipulação de imagens foi uma opção dos policiais civis do DF. A Polícia Federal havia lançado, em 30 de junho de 2009, o programa Horus, que permitia elaborar o retrato falado a partir de imagens digitais coloridas e em alta resolução. O Horus tinha a mesma base do CPF Plus, feito na década de 1970 e considerado um dos melhores softwares para representação facial existentes. A Polícia Civil do DF avaliou, porém, que se usasse esse programa passaria por ;um retrocesso;, já que a modificação de cada parte da imagem só poderia ser feita após a inclusão de todos os itens necessários para o retrato ; formato da face, olhos, nariz, boca, cabelo e acessórios.

Trabalhar cada parte da imagem em separado, segundo a chefe da seção, faz com que a vítima ou testemunha forme mais facilmente o rosto da pessoa retratada, sem interferências externas que podem confundi-la. ;Desde o primeiro momento, a pessoa já está formando aquela imagem real, que ela se recorda;, explica. ;No caso dos programas em que a gente tinha que acrescentar os itens primeiro e editá-los depois, você acaba montando uma ;foto; que não vai ser a mesma de quem ela visualizou no momento do crime. Consequentemente, a pessoa vai esquecendo de algumas características que poderiam ser muito importantes.;

O computador começou a ser usado na composição de representações faciais em 1992, mas até 1994 era possível ver peritos que trabalhavam exclusivamente com desenhos. Até então, os profissionais da área usavam o chamado Kit Brás para fazer seu trabalho. O kit consistia em uma série de imagens pré-elaboradas para que as testemunhas selecionassem as que achavam mais parecidas com a do acusado. O processo de edição era o mesmo de atualmente: partindo do geral (formato de rosto) para o específico (detalhes como olhos e boca). ;As pessoas escolhiam as imagens e nós as trabalhávamos. Se elas diziam ;o olho é parecido com esse, mas é menor;, a gente desenhava, apagava e redesenhava até ficar de um jeito satisfatório;, lembra a perita Rosimar Rochael, 45 anos ; há 17 trabalhando na área.

Ela passou pela transição do retrato falado em forma de desenho para sua versão informatizada. ;Era muito mais difícil fazer algo tão fidedigno quanto hoje, porque o desenho nunca é tão parecido com um rosto como em uma foto. Então, embora trouxesse características semelhantes às reais, não era tão fácil procurar um criminoso por uma imagem desenhada;, detalha. Rosimar completa que a tecnologia também ajudou a interferir menos no retrato falado, no sentido de que um desenhista, por ter traços característicos, acaba afetando involuntariamente a imagem final. O processo por desenho, segundo ela, era cerca de uma ou duas horas mais demorado do que o atual.

Descentralização

O atual sistema de retrato falado da Polícia Civil, composto pelo banco de imagens e pelo Photoshop, ficará disponível on-line para as delegacias do DF a partir do próximo mês. O objetivo é descentralizar a produção desse material que, atualmente, só pode ser feito no Instituto de Identificação da PC-DF, no Sudoeste.

Os peritos já estão sendo treinados para atuar nas delegacias onde haverá postos de identificação. A primeira instituição a ter esse sistema, segundo Andrea Figueiredo, será a de Sobradinho. ;Essa descentralização certamente vai funcionar bem. Como é tudo on-line, a imagem feita em cada delegacia vem direto para o nosso sistema. Se uma pessoa com as mesmas características estiver agindo em áreas diferentes, fica mais fácil identificá-la;, garante.

Como é feito um retrato falado

  1. A vítima ou testemunha é entrevistada por um perito papiloscopista em uma sala reservada. Inicialmente, ela informa o sexo do suspeito e a faixa etária dele ; menos de 20 anos, de 21 a 45 e mais de 46.

  2. As pastas por faixas etárias contêm subpastas divididas por cor de pele: oriental, branco, pardo claro, pardo médio, pardo escuro e negro. Após escolher a cor da pele, a pessoa analisa qual é o formato de rosto, entre as várias fotos apresentadas (nas quais detalhes como olhos, nariz, boca e cabelos são apagados). Em todo o processo, se a pessoa acha que algum detalhe deve ser alterado ou acrescentado, ela avisa ao perito, que faz a modificação da imagem.

  3. Em seguida, a vítima ou testemunha escolhe o ;olhar; do suspeito, que engloba os olhos e as sobrancelhas.

  4. São acrescentados o nariz e a boca. Logo depois, os cabelos, que têm a cor e o tamanho alterados de acordo com a descrição da pessoa.

  5. Manchas de acne, cicatrizes e tatuagens são acrescentados, assim como os acessórios ; brincos, colares, piercings, bonés.

  6. Após fazer o retrato falado, os peritos o detalham em um lado. Eles devem descrever quais peças foram utilizadas e quais modificações foram feitas para se chegar àquela imagem. As imagens antigas são arquivadas, pois a Justiça pode solicitá-las a qualquer momento para anexá-las a um inquérito, por exemplo.

Fonte: Andrea Figueiredo, chefe da Seção de Retrato Falado da Polícia Civil do DF

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