Tecnologia

Supervidros das telas dos smartphones ajudou a popularizar os aparelhos

postado em 24/12/2010 08:00

Demonstração da capacidade de resistência e flexibilidade do Gorilla Glass: líder de mercadoUma das palavras que tomou conta do mundo da tecnologia em 2010 foi smartphone. Não é para menos. Após o lançamento da terceira geração do iPhone, da Apple, que só chegou por aqui este ano, as fabricantes se apressaram para fazer com que seus produtos também se tornassem objetos de desejo. Ao longo dos últimos meses, empresas como Motorola, LG e Samsung apresentaram opções para uma sociedade que gosta de estar sempre conectada. Telas pequenas, câmeras de alta definição, sistema operacional intuitivo e uma série de outras especificações fazem dessa guerra comercial uma das mais promissoras para os próximos anos.

Há algo, contudo, que não aparece nas propagandas e que é, em grande parte, responsável pela durabilidade dos celulares inteligentes: o vidro protetor dos displays. É esse supermaterial que permite aos aparelhos uma portabilidade cada vez maior. Você pode carregar o smartphone no bolso, perto das chaves, da carteira, do kit de maquiagem, e ele continua intacto, quase sem arranhões e sem que a tela perca o brilho. Você pode até mesmo deixá-lo cair no chão algumas vezes e ele, milagrosamente, não racha.

Essa ;bênção; é fornecida por empresas fabricantes de vidros que passaram a investir na pesquisa de materiais cada vez mais resistentes e maleáveis. ;O vidro é utilizado nas indústrias de automóveis, de construção civil e de embalagens, na fabricação de eletrodomésticos e equipamentos de informática, como complemento de decoração;, enumera o físico Lindomar Carvalho, professor da Universidade de Brasília (UnB) no Gama. Para fazer com que o material fique cada vez melhor, os cientistas trabalham em um processo chamado de dopagem, que é a inserção de produtos químicos durante a fabricação.

No caso dos smartphones, a adição de superpoderes é muito importante, porque os usuários estão sempre em contato com o aparelho. ;Os pesquisadores querem que a tela não ganhe arranhões, então descobrem uma forma de produção que consegue retardar os efeitos de choques e evita a retenção de sujeira, como suor e gordura;, detalha o professor Lindomar. Foi isso que a fabricante Corning Incorporated fez ao criar o Gorilla Glass, um vidro que está presente nos aparatos tecnológicos mais populares.

A lista dos clientes inclui a Dell e seu smartphone Streak, a Motorola e suas versões do Droid, a Samsung com os Galaxy;s (inclusive o tablet), a LG e o telefone Optimus e por aí vai. No site da empresa, não há qualquer menção sobre os produtos da Apple, embora o jornalista David Pogue, do New York Times, tenha uma história bem interessante sobre a suposta parceria da fabricante do Gorilla Glass com a empresa de Steve Jobs.Consumidores analisam o iPhone 4, da Apple: Steve Jobs teria testado pessoalmente a qualidade do supervidro

Em um post publicado no início deste mês, Pogue contou que um cientista amigo seu, especializado em pesquisa de materiais, chamou a atenção para o produto da Corning, presente em 290 eletrônicos de 28 marcas. Segundo a fonte do jornalista norte-americano, a empresa inventou o Gorilla nos anos 1960, mas não soube como aproveitá-lo. Já nesta década, Jobs teria conhecido o material, testado sua resistência ao colocá-lo em uma bolsa cheia de chaves e, com o desempenho, se tornado o maior cliente da companhia. O fato de o iPhone 4 trazer um vidro ultrarresistente na parte de frente e atrás ampliam os comentários.

Mesmo assim, a Apple não fala sobre o assunto, tampouco a Corning. ;Hoje existem mais de 200 milhões de aparelhos no mercado com o Gorilla Glass. Devido a acordos de não divulgação, não podemos falar sobre todas as empresas;, explicou Sarah Pakyala, da diretoria de marketing da fabricante. E as informações divulgadas pela Corning na internet levam a crer que ela é líder do mercado. ;Se essa técnica permite o uso prolongado da superfície mantendo as características iniciais, é provável que as fábricas de celulares vão querer que seus produtos tenham esse diferencial;, observa o físico Lindomar Carvalho.

Mágica dos íons

O poder do Gorilla tem a ver com a criação de uma camada protetora para um vidro ultrafino. Normalmente, o vidro utilizado em dispositivos eletrônicos é o chamado soda-lime glass, também presente em janelas e frascos de bebidas, por exemplo. Um dos componentes desse material é o carbonato de sódio (soda). O site da Corning afirma que a manipulação ocorre nesses átomos de sódio. ;Após o aquecimento, os átomos de sódio presentes no vidro soda-lime se soltam, sendo substituídos por átomos de potássio, maiores que os de sódio. Assim, quando o vidro esfria, os grandes átomos de potássio geram uma camada protetora na superfície do vidro;, explica o professor Demetrio Filho, do Centro Internacional de Física da Matéria Condensada da UnB.

Imagine uma daquelas piscinas de bolinhas para crianças, onde as bolas se tocam, mas não estão pressionadas. Se, por um passe de mágica, um certo tipo de bolas ; as vermelhas, por exemplo, que representam os átomos de sódio ; forem trocadas por bolas maiores, as outras ficarão mais apertadas, certo? ;As bolas de outras cores estariam sob estresse. Esse aperto pode ser entendido como um ganho de resistência a arranhões e quebras, quando haveria hipoteticamente uma remoção ou deslocamento de bolas;, detalha Demetrio.

Para o físico Lindomar Carvalho, inventos como os da Corning mostram que a indústria do vidro ainda pode oferecer soluções hoje consideradas surpreendentes. Já existem telas de computador que podem ser enroladas como uma folha de papel. Imagine, no futuro, um copo de vidro que cai no chão e não quebra. Ou então um carro que, mesmo envolvido em um acidente, tem seu parabrisa preservado. ;Essas novas demandas são resolvidas com muita, muita pesquisa. Estudos que exigem pessoal, maquinário, insumos. Mas que são essenciais para que a gente possa se libertar da dependência tecnológica dos outros;, aponta o especialista.

Receita

Fazer vidro é mais ou menos como preparar um prato. Você mistura os ingredientes: 70% de areia, 14% de sódio, 14% de cálcio e 2% de outros componentes químicos. Depois, os leva a um forno industrial a 1.500;C. O aquecimento dá origem a um líquido dourado, que vai para os moldes.

Material estranho

Os historiadores não sabem determinar quando surgiu o vidro, mas calcula-se que tenha sido por volta de 4.000 a.C. O mais interessante é que o material é algo único, tão incrível, que quase ganhou uma determinação própria, chamada de vítreo. Isso porque, mesmo parecendo sólido, o vidro tem a estrutura molecular de um líquido.

Entrevista

Demetrio Filho, professor do Centro Internacional de Física da Matéria Condensada da Universidade de Brasília (UnB), falou ao Correio sobre as aplicações do Gorilla Glass, o vidro "mágico" usado em diversas marcas de smartphones e tablets. Leia trechos da entrevista:

"O vidro Gorila (do inglês, Gorilla Glass) é atualmente o vidro mais resistente de uso comercial. Ele é utilizado em parabrisas de helicópteros e de trens de alta velocidade. Os vidros convencionais quebram e os de plástico arranham. Para dispositivos como celulares e tablets, o ideal seria ou um vidro inquebrável ou um plástico resistente a aranhões. O vidro gorila parece se aproximar da primeira opção."

"A resistência extra que esse vidro tem é muito importante para a sobrevivência do material, porque os dispositivos portáteis são submetidos a quedas, arranhões,
etc. Mas isso não ocorre em aparelhos de televisão, por exemplo. Não acredito que haja necessidade de colocar o Gorilla Glass em televisores normais. No caso de DVDs portáteis, até mesmo laptops, vejo a possibilidade de aplicação."

"Outro ponto importante é que os televisores atuais são enormes, comparados com um iPad ou iPhone. E a tecnologia para fazer um vidro de 46" é bem diferente da utilizada para fazer um de 7". Sendo assim, é possível que nem seja prático se fazer um Gorilla Glass para um TV de 46", por exemplo, com as mesmas características do utilizado no iPad."

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