Tecnologia

Explosão da computação cria polêmica entre os pintores tradicionais

postado em 07/01/2011 08:00
Leia na 2ª feira Como a escultura foi modificada pelos avanços tecnológicos."Numa folha qualquer/eu desenho um sol amarelo.; Não precisa ser criança para imaginar os desenhos sugeridos na música Aquarela, imortalizada na voz de Toquinho. Com um pouco de criatividade, é quase possível ver ;uma linda gaivota a voar no céu;. O próprio compositor já reconheceu que a canção nasceu em um momento mágico. Talvez porque Aquarela fale de formas e de cores, algo que a humanidade sempre procurou reproduzir. No começo, com pinturas rupestres, depois com afrescos, mais tarde com tinta a óleo, fotografias, vídeos e, hoje, computadores.

;A arte é sempre a expressão do momento que se vive. E os artistas são mestres na habilidade de se apropriar de instrumentos e fazer coisas com eles que não estavam previstas inicialmente;, afirma o professor Hermes Renato Hildebrand, do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Hermes participa do SCIArts, grupo que reúne pessoas de diversas áreas para desenvolver projetos de interação entre arte, ciência e tecnologia. Uma das obras da equipe é o Gira S.O.L (Sistema de Observação da Luz), uma escultura de metal que utiliza recursos eletrônicos para se movimentar conforme estímulos ambientais. Inspirada nos girassóis do pintor expressionista Van Gogh, a obra se mexe tal qual a flor real, a partir da iluminação do Sol.

O uso da tecnologia em arte não é algo novo. O professor Hermes lembra o que ocorreu com a fotografia. Nos primeiros anos após a invenção da câmera, ela era utilizada apenas para registrar momentos marcantes. Quando as técnicas de revelação ficaram mais apuradas, contudo, os artistas começaram a se interessar pelo assunto, dando origem à fotoarte. A história se repetiu com outros inventos.

Na década de 1960, por exemplo, a televisão começava a se tornar um item popular. Foi quando o coreano Nam June Paik fez a primeira experiência com o aparelho: ele inverteu os circuitos internos para distorcer as imagens que apareciam na tela. Também utilizou ímãs que, colados à TV, alteravam o funcionamento do tubo de raios catódicos. As imagens fantasmagóricas são consideradas as primeiras intervenções de arte e tecnologia do mundo contemporâneo.

No Brasil, o pintor Waldemar Cordeiro ; que nasceu na Itália, mas chegou ao país aos 21 anos ; se tornou pioneiro da chamada arte computacional. No fim dos anos 1960, ele pesquisava algoritmos, e criava softwares para gerar imagens nas gigantescas máquinas que começavam a aparecer nas universidades brasileiras. Seu trabalho deu origem, em 1972, ao Centro Arteônica da Unicamp, que reunia pesquisadores de arte e matemática na busca por programas de computador que pudessem ser utilizados pelos artistas.

Toda essa mobilização para entrar no mundo dos bits ficou mais fácil quando os semicondutores diminuíram de preço e tamanho. No fim dos anos 1980, nascia a era do microcomputador ; que anda cada vez mais micro ; e, com ela, uma geração de artistas que aprenderam as maravilhas da manipulação virtual. Sílvio Zamboni, professor do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UnB), está entre os primeiros pintores que decidiram investir na nova ferramenta. ;Eu usava um XP (Expert XP-800, da Gradiente), um equipamento caro, que tinha discos largos. Era quase impossível, naquela época, passar o resultado do meu trabalho para um vídeo. As primeiras obras, inclusive, foram apresentadas direto na tela do computador;, lembra.

Sílvio começou a carreira pintando telas e acredita que sua função como artista não mudou, mesmo com a constante invenção de instrumentos. ;Eu sou pintor até hoje, a diferença é que não uso pigmentos. Já fiz poesia visual, vídeo, tudo com os fundamentos da pintura (veja arte);, diz o professor. Quando as câmeras digitais ficaram mais acessíveis, lá estava Sílvio Zamboni experimentando o recurso. ;Naquela época, eu já tinha feito quase tudo com arte bidimensional, menos fotografia. Comprei exclusivamente para alimentar meu computador de imagens, e, de repente, começaram a aparecer umas fotos muito boas. Aí eu pensei: por que não?;, conta.

Para ver e tocar
A explosão dos eletrônicos nos últimos 20 anos também possibilitou o aparecimento de uma linguagem com alto poder de sedução para os espectadores: a arte interativa. Há, inclusive, quem acredite que a arte tecnológica precisa ter essa característica para se enquadrar na categoria. ;O foco da arte tecnológica é a interação constante entre a obra e o participante. Essa distinção é funcional, até porque hoje é muito difícil classificar uma arte que use tecnologia, considerando que a tecnologia está em quase toda parte;, afirma Marcos Cuzziol, gerente do Laboratório de Mídias Interativas (Itaulab) do Instituto Itaú Cultural.

O Itaulab organiza anualmente a Bienal Internacional de Arte e Tecnologia e exposições itinerantes, com peças como Les Pissenlits, dos franceses Edmond Couchot e Michel Bret. A obra, que ficou exposta em uma estação de metrô de São Paulo entre abril e maio do ano passado, era um grande painel com imagens de dentes-de-leão. Para brincar com o material, bastava soprar em um sensor ao lado das imagens e as flores fariam o movimento conforme a intensidade do sopro.

Esse tipo de linguagem, no entanto, desperta críticas entre alguns especialistas, principalmente porque a participação do espectador ficou muito favorecida com a popularização dos computadores. ;É importante usar a interatividade como um meio, não em si mesma. É preciso talento, reflexão, caso contrário, a coisa cai no banal e fica parecendo um parque de diversões barato;, alerta o professor da UnB Sílvio Zamboni. O pintor/fotógrafo afirma que os artistas ainda não souberam usar todo o potencial da tecnologia.

Isso porque, diz Sílvio, os recursos multimídia foram bastante explorados como meio de divulgação artística, não tanto como plataforma para a criação de outras linguagens. ;É fácil, por exemplo, criar um site e divulgar suas poesias. Mas isso, definitivamente, não é arte tecnológica.; Para o professor, a sobrevivência dos artistas depende de sua renovação estética. ;O modernismo já passou, mas todo mundo já se pegou em uma exposição de pintura clássica se perguntando o que havia de novo. A gente ainda quer saber de novidade.;

Grandes telonas
Os televisores que ocupavam as salas de estar até cerca de 10 anos atrás funcionavam graças ao tubo de raios catódicos, um imenso espaço vazio por onde circulavam feixes de elétrons. Os feixes, emitidos por um gerador no fundo do aparelho, atingiam uma camada de fósforo e compunham, assim, a imagem colorida da tela.

Mistura de artes
A poesia visual, segundo o escritor Antônio Miranda, ;é uma tentativa de romper com a ditadura da forma discursiva do poema, de vencer o domínio da gramática.; Ela se caracteriza pela inserção de elementos visuais ao texto, fazendo com que as duas coisas colaborem para o sentido da peça.

A evolução dos pigmentos
Desde a pintura a óleo, popularizada durante o Renascimento, muita coisa ocorreu com essa linguagem artística.

Veja por que as telas são ; ou foram ; tão importantes:
; A adição de óleo vegetal aos elementos básicos da tinta foi a primeira revolução ;tecnológica; dessa arte. Com esse recurso, os pintores não precisavam mais deixar seus quadros secando ao sol. Essa técnica também permitiu outras maravilhas, como o efeito do sorriso da Mona Lisa, de Leonardo da Vinci.

; No fim do século 19, o sonho humano de congelar o movimento deu origem às primeiras máquinas fotográficas. Com elas, os artistas passaram a ter uma nova possibilidade para pintar o que estavam vendo.

; O mesmo ocorreu quando surgiram as câmeras filmadoras. No começo, a ideia era apenas registrar os movimentos para os mais diversos fins. Não demorou para que a arte, mais uma vez, passasse a usar esse recurso.

; Embora alguns pesquisadores a considerem como uma nova linguagem, a videoarte utiliza fundamentos da pintura. Isso porque todo artista de artes visuais avalia as cores, a composição e a disposição das peças ao registrar ou criar determinada situação, não importando em qual plataforma ela seja reproduzida.

; Essa regra também existe para quem usa computadores na criação artística. No Brasil, o pintor Waldemar Cordeiro foi o primeiro a fazer arte com o que na época eram gigantescas máquinas de processamento. Ele participou da primeira grande exposição de obras cibernéticas criadas a partir da improvisação, a Cybernetic Serendipity, em 1968, em Londres.

; No fim da década de 1980, a chegada dos microcomputadores fez com que muitos artistas se aventurassem no novo recurso. Alguns usam a tecnologia até hoje como mera ferramenta, para fazer ajustes de cores, por exemplo, de uma forma mais rápida do que nos tradicionais meios analógicos.

; Outro grupo usa o PC como uma hiperferramenta. Com programas de edição de imagens, esses artistas criam obras que não poderiam aparecer sem a máquina. Entram aí a sobreposição de imagens e algumas formas de poesia concreta ; quando o texto forma estruturas relacionadas às palavras.

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