Tecnologia

Internet luta pela privacidade e disseminação de conhecimento

A cultura popular está recheada de referências aos heróis da computação. O Correio selecionou as melhores para você invadir esse mundo

postado em 10/06/2014 08:54

Edward Snowden se tornou herói para ativistas. Na foto acima, manifestantes na Alemanha usam máscaras do ex-agente americano em protesto por mais privacidade na internet

Na luta pela liberdade de expressão, compartilhamento de informações e privacidade na internet, aqueles que conseguem burlar o sistema e desafiar a ordem vigente são idolatrados por internautas engajados. A desobediência digital é a bandeira de jovens que lutam por um mundo mais livre, e filmes, livros e jogos bebem dessa fonte.

Não há dúvida, os hackers são os grandes heróis dos internautas. Você leu certo, mas talvez esteja confundindo os conceitos. Ao contrário do que se acredita, hacker não é aquele que vai invadir seu computador e roubar suas senhas ; esses são chamados de crackers. Um hacker nada mais é do que alguém interessado em conhecer e dominar o máximo possível sobre a informática, e usar todo o potencial existente para melhorar o mundo, mesmo que isso signifique ir contra leis que eles consideram injustas. Eles acreditam que toda informação deve ser livre, e que as máquinas podem fazer arte e melhorar o mundo. ;O acesso a computadores ; e qualquer outro meio que seja capaz de ensinar algo sobre como o mundo funciona ; deve ser ilimitado e total;, explica o jornalista Steven Levy, no livro Hackers: heróis da revolução dos computadores.

Os primeiros hackers apareceram ao mesmo tempo em que surgia a computação, mas não havia o mesmo significado que hoje. A palavra vinha da gíria ;hack;, popular nos anos 1960, que significava ;gambiarra;. O termo passou a designar os estudantes que realizavam truques para usar os computadores das universidades, em uma época que o acesso era restrito por causa do baixo poder computacional e da pouca oferta de máquinas.

Exemplos famosos
Há exatamente um ano, o ex-agente do serviço de inteligência americano, Edward Snowden, nascido em 1983 e crescido com a internet, revelava o maior escândalo diplomático da era da informação. Os Estados Unidos espionam a comunicação interna de líderes e empresas de grandes países, como o Brasil. A notícia mexeu com o mundo todo, e os internautas passaram se preocupar como nunca com a privacidade na rede. Snowden está exilado, desde então, na Rússia, temendo represálias no país de origem. O prodígio da computação se tornou um mártir na internet.

A história de Snowden rendeu vários livros, como Sem lugar para se esconder, do jornalista Glenn Greenwald, responsável por levar as denúncias do americano ao público. Oliver Stone, dos filmes Nixon, Alexandre e The Doors, vai adaptar a história para as telonas, em filme que deve ser lançado no ano que vem.

O cofundador do mais conhecido site de compartilhamento de arquivos, o The Pirate Bay, foi preso na última semana por quebra de direitos autorais. Assim que se soube da detenção do Peter Sunde, condenado em 2012 e foragido desde então, uma chuva de hashtags pedindo pela libertação do sueco atingiu o Twitter, como #FreePeterSunde e #FreeBrokep (nome que usa na rede social). A história do julgamento do The Pirate Bay pode ser vista no documentário TPB AFK.

A ânsia pela disseminação do conhecimento também motivou outro americano, que havia criado uma enciclopédia colaborativa na internet, antes do surgimento da Wikipedia, ainda enquanto criança. A ideia não vingou porque o círculo social de Aaron Swartz era composto, basicamente, de outras crianças. Tornou-se conhecido no mundo digital quando adolescente e, aos 14, estava no grupo que criou o sistema RSS, protocolo que reúne atualizações de sites e que é largamente utilizado no mundo todo. Swartz é também um dos fundadores da rede social Reddit, plataforma de discussão on-line, que reúne mobilização política e gifs de gatinhos.

Mas Swartz se tornou um fora da lei quando vazou milhares de artigos acadêmicos protegidos por direitos autorais. Ele foi preso em 2011, acusado de invasão de computadores, e poderia pegar até 35 anos de prisão, além de pagar multa de US$ 1 milhão. O ativista se matou em janeiro do ano passado, aos 26 anos, o que aumentou a lenda do garoto que só queria democratizar o acesso a informação. O documentário The internet;s own boy: the story of Aaron Swartz (sem título no Brasil) conta a história do americano e será lançado nos cinemas dos Estados Unidos e em serviços de streaming em 27 de junho.

O hacker Aaron Swartz foi preso por espalhar milhares de artigos acadêmicos protegidos por direitos autorais

Outro especialista em informática que suscitou manifestações pedindo pela liberdade foi Kevin Mitnick, que, no início dos anos 1990, foi preso por invadir computadores. Em liberdade condicional, fugiu para Israel e se tornou procurado pelo FBI. Ele abalou a reputação do especialista em segurança Tsutomu Shimomura, após invadir o computador pessoal dele. A partir de então, Shimomura montou armadilhas para capturar Mitnick, em uma saga cinematográfica que virou, de fato, o filme Caçada Virtual. O hacker ficou preso entre 1995 e 2000.


Telefonia
A atividade hacker não fica restrita aos computadores. A telecomunicação foi, durante muito tempo, objeto de estudo dos curiosos a fim de burlar o sistema e fazer ligações sem pagar nada, em um tempo em que o serviço custava caro. O ato é conhecida como phreaking, uma junção de palavras em inglês que significa ;malucos por telefone;, em tradução livre. Grandes cabeças da informática começaram a entender sobre sistemas eletrônicos enquanto mexiam em telefones

Pioneiro dos phreakers, o programador John Draper ficou conhecido como Captain Crunch quando conseguiu, no início dos anos 1970, enganar as operadoras de telefonia com um apito que vinha de brinde no cereal de mesmo nome. O brinquedo reproduzia perfeitamente a frequência de 2.600 hertz, a mesma usada para acessar satélites que operavam as chamadas de longa distância, possibilitando ligações gratuitas. Com a técnica desenvolvida, construiu dispositivos próprios para o hackeamento, chamados de Blue Box.

Draper foi preso por fraude em 1972 e se tornou um herói da contracultura hippie. Ele foi retratado e mencionado diversas vezes na cultura popular, como nos filmes Hackers wanted, Os piratas do Vale do Silício e Quebra de sigilo.

John Draper conheceu, na década de 1970, dois jovens curiosos que tinham nomes iguais. Steve Wozniak e Steve Jobs. Wozniak aprendeu com o mais velho e começou a produzir e vender ilegalmente as Blue Box. O dinheiro conseguido foi usado pela dupla para fundar a Apple.

Embora muita gente critique o ativismo de sofá, praticado pelos hackers, a mobilização pela internet foi responsável por grandes protestos que abalaram o mundo. A Primavera Árabe, por exemplo, que derrubou governantes do Oriente Médio, começou a ser articulada nas redes sociais. Outro exemplo notável é o movimento Occupy Wall Street, contra as mazelas do capitalismo, que mexeu com o setor financeiro nos Estados Unidos em 2011 e que não seria possível se não existisse a internet.

A cultura popular está recheada de referências aos heróis da computação. O Correio selecionou as melhores para você invadir esse mundo

Reconfigure
Comemorando um ano das revelações de Edward Snowden, o portal Fight For The Future lançou a campanha Reset the net (Reconfigure a rede), instruindo internautas a baixarem aplicativos para se protegerem, de criptografia de mensagens e maior segurança em senhas. Gigantes da tecnologia, como Google, Mozilla, Wordpress, afetados pelas ações de espionagem americana, aderiram a ideia. Eles se comprometeram a adicionar protocolos de segurança nas páginas que hospedam, lançar pacotes de programas que aumentam a proteção e pressionar governos contra a vigilância na rede. Mais informações no site www.resetthenet.org.

Cyberpunk
A ficção científica sempre andou de mãos dadas com o universo hacker, sobretudo um campo específico do gênero: o cyberpunk. Com o lema ;alta tecnologia e baixa qualidade de vida;, as histórias circundam, geralmente, a vida de hackers na luta contra o sistema em um futuro distópico. A fronteira difusa entre o real e o virtual é o pano de fundo para histórias policiais ao som da música eletrônica e do punk rock, que contam a vida de especialistas da computação que vivem à margem da sociedade. Conheça algumas delas:

O livro Neuromancer foi o responsável por popularizar o cyberpunk. Escrito pelo americano William Gibson, a obra conta a história de um ex-hacker ; ou cowboy, como são chamados na história ;, que foi envenenado pelos patrões, em busca de uma cura. O enredo obscuro, envolvendo suspense, drogas e pouca expectativa de vida, colocam a obra no gênero. Duas continuações procedem a história, Count Zero e Mona Lisa Overdrive, do mesmo autor.

A trilogia Matrix levou milhares de pessoas para ver hackers desconstruindo a realidade na década passada. A saga de Neo e Trinity, que descobrem que nada do que parece realmente é, durou três filmes e encantou nerds pelo mundo todo. Blade Runner, Tron e Robocop já nos faziam temer pelo futuro nos anos 1980, e, mais recentemente, Elysium, com o brasileiro Wagner Moura no elenco.

A ficção hacker também é fonte inesgotável de histórias para os videogames. A tecnologia fascina os gamers e serve de enredo para diversos jogos, como Deus ex human revolution, Bioshock, as séries Final Fantasy e Metal Gear, e, o mais recente, Watch Dogs.

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