Tecnologia

Pincéis tecnológicos: artistas usam ferramentas do cotidiano para criar

Eles tiram proveito até quando os softwares dão algum erro. Experimentações misturam vídeo e música

postado em 07/10/2014 08:42
A obra interativa

A moldura na parede envolve uma tela branca, vazia. De repente, o projetor é ligado e o quadro encontra uma pintura incomum: a digital. Penduradas por um fio ligado ao teto, uma série de telas com QR codes exibem informações sobre a obra quando são escaneados por um smartphone. A diferença: os códigos não saíram prontos de uma impressora, mas foram pintados com pó de café, material tradicionalmente usado por artistas. Qualquer pessoa pode alterar as cores que são projetadas. Um computador no chão possibilita que tudo isso aconteça.

A incomum instalação é a obra Pintura híbrida, da artista Darli Nuza. ;Como seria a tecnologia no lugar da pintura e a pintura no lugar da tecnologia?;, questiona a mineira de 27 anos. Ela não está sozinha. Desde os anos 1960, artistas que, assim como Darli, conseguem enxergar poesia em um computador, usam a tecnologia para criar o que chamam de arte computacional. Tablets, redes sociais, videogames e outras ferramentas do cotidiano ganham um novo significado quando chegam às mãos ; e mentes ; desses criadores contemporâneos.

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;O computador é o nosso pincel;, explica o músico Victor Valentim. Ele construiu a obra Vinil projetável, em que imagens são projetadas sobre um disco que gira em uma vitrola. As luzes variam de acordo com a velocidade do disco. Qualquer pessoa pode se meter a DJ e brincar com a rotação da música, alterando, assim, as imagens. ;Eu desenvolvi todo o programa em código aberto, um software livre.;

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;Eu aprendi a programar fazendo arte. Veio dessa necessidade de me expressar;, conta Valentim. A professora da Universidade de Brasília e pioneira da área nos anos 1980, Suzete Venturelli, explica que essa é uma tendência. ;O artista hoje é também um inventor. Pode-se trabalhar com um programador, mas às vezes você quer fazer alguma coisa sozinho e experimentar, então é importante aprender a programar.;

Os irmãos Nardo Germano e Agnus Valente também acharam importante aprender a linguagem dos computadores. ;É uma abordagem diferente da do programador, que aprende todo o código e vai seguindo as regras. Ele faz o certo. De repente, dá alguma coisa errada e ele não gosta, diz que é uma falha do programa. No nosso caso, nós pegamos a linguagem para trabalhar na contramão, exploramos o erro. Às vezes até induzimos ao erro.;

É justamente isso o que mais encanta Darli Nuza. ;O fato de você não coordenar e não manter as coisas no controle já torna tudo muito poético. Dá alguma coisa errada mas não é erro. A gente costuma chamar de errância. Não precisa ficar fora, ser tirado, excluído. Devemos ver outras possibilidades no que saiu de controle.; Em Pintura híbrida, por exemplo, um erro encontrado foi o de que os QR Codes pintados com café não conseguem ser lidos pelo smartphone. Porém, os celulares reconhecem a sombra que os códigos fazem na parede.

Para divulgar o disco lançado no fim do ano passado, a banda Arcade Fire lançou um clipe inesperado. O usuário acessa o site www.justareflektor.com (que ainda está disponível) pelo computador e entra, pelo smartphone, em um endereço indicado pela página. Ativando a webcam e apontando o celular para a tela do PC, o fã interage com o vídeo, controlando a posição da câmera.

Palavra da especialista

Suzete Venturelli, pesquisadora em Arte e Tecnologia da Universidade de Brasília, foi pioneira na área nos anos 1980
O termo ;Arte digital; está muito voltada para a ferramenta computador, tudo o que passa por essa máquina pode ser chamado de arte digital. Na minha opinião, ;arte computacional; abarca mais a ideia da convergência entre arte, ciência e tecnologia. O computador é uma calculadora bem poderosa e ajuda a fazer coisas mais complexas, que uma ou dez pessoas não conseguiriam. Então, com essa ferramenta, você tem a possibilidade de fazer coisas interativas e que te respondem em tempo real. Mexer com imagem, som e muita quantidade de informação e dados. O artista pode trabalhar com um programador, mas às vezes você quer fazer alguma coisa sozinho e experimentar. Então eu aprendi a programar também. Como a gente cria essas máquinas, podemos dizer que o artista hoje é também um inventor.

Novo e velho

O Orkut chegou ao fim há uma semana e, além de deixar muita gente saudosa, trouxe uma questão: algum dia o Facebook também será uma coisa obsoleta? Com esse questionamento, os gêmeos Nardo Germano e Agnus Valente criaram um perfil na rede social de um terceiro irmão ; fictício ;, Bárbaro. A trajetória do personagem pela internet está documentada em um vídeo que a dupla fez, simulando um filme mudo. ;Criamos esse vídeo antigo, que aparenta estar deteriorado, sobre uma coisa super atual, que é o Facebook. É como se fosse um futuro vendo um passado;, explica Valente.

A tecnologia muda a cada dia e os artistas precisam se atualizar. ;As técnicas, quando avançam, ajudam a gente a ir aprimorando nosso trabalho e ter novas ideias. Mas também é necessário um certo esforço nosso para ficar a par de tudo ;, explica Venturelli.

Os irmãos Germano e Valente preferem ser mais cautelosos. ;Precisamos tomar cuidado com essa coisa de correr atrás das novidades, senão a gente vira garoto propaganda de coisas novas. E não é o caso. Nós damos um tempo para ver o que é aquela rede social ou aparelho que acabou de surgir, se vai realmente emplacar. Quando a coisa se estabelece, a gente começa a discutir e ver se consegue incorporar na nossa arte.;

Faça você mesmo

Os erros de processamento de imagem são chamados de Glitch Art e podem ser produzidos corrompendo os códigos das fotos. No ano passado, o designer alemão Georg Fischer criou um site que corrompe, automaticamente, as fotos enviadas pelos usuários. O serviço pode ser acessado em www.snorpey.github.io/jpg-glitch

Serviço

Até 30 de outubro, acontece no Museu Nacional da República o 13; Encontro Internacional de Arte e Tecnologia, com as obras de Suzete Venturelli, Victor Valentim, Darli Nuza e os irmãos Agnus Valente e Nardo Germano, entre outros artistas.

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