Turismo

Cruzeiro de expedição atravessa a ponta austral da América do Sul

Viagem vai do Chile à Argentina. Em meio a muito gelo e mar, há um cenário onde seres humanos não mais habitam

postado em 24/11/2010 08:00
Longas caminhadas na natureza fazem parte do pacote: o frio é intenso, mesmo na primavera e no verão;Hoje termina nossa aventura austral. A mãe natureza tem sido muito amável conosco. Descobrimos a maravilhosa beleza destas terras legendárias, apreciamos a biodiversidade da Patagônia, penetramos no bosque nativo e admiramos o gelo ancestral dos glaciares na Cordilheira Darwin. Esperamos ter cumprido com o propósito de tê-los feito viver uma experiência inesquecível a bordo do nosso cruzeiro de expedição. Desejamos um feliz retorno aos seus lares.;

Puríssima literatura de folder turístico, o texto acima é parte da quinta e última página de um informativo distribuído nas cabines de passageiros do Mare Australis, navio de orgulhosa bandeira chilena que cruza as águas sempre geladas no sul da América. Já se foram quatro dias de navegação passando por um dos pontos mais instigantes do planeta: a Patagônia, que engloba também a Terra do Fogo, no extremo do continente sul-americano. O roteiro começa em Punta Arenas (Chile) e chega a Ushuaia (Argentina), essa última rotulada como ;fim do mundo;, por ser a cidade mais austral do planeta.

Durante quase toda a navegação, os únicos humanos avistáveis são os companheiros de barco, já que a rota segue por lugares absolutamente desabitados, mas não inabitáveis. Prova disso são os antigos indígenas, que, a despeito das dificuldades do clima, viveram na região durante séculos, até serem devastados. São dias de muito branco e verde (também matas e florestas), passando por glaciares, ilhas, parques nacionais e observando uma fauna bastante peculiar, principalmente para quem vive em ares tropicais.

Nos passeios do cruzeiro, a chegada dos turistas à terra firme é feita em botes infláveis e ágeis, capazes de desviar das pedras de gelo no caminhoÉ um choque (cultural, inclusive) deparar com exemplares de elefantes-marinhos, animais de cerca de uma tonelada, que ainda estão na transição entre viver em terra e no mar. Esses seres, que emitem poderosos sons, também chegaram bem perto da extinção em virtude da caça, mas deram mais sorte que os índios. Um fato que, pela simples comparação, dá muito o que pensar.

Um navio que faça esse tipo de rota não pode ser tachado de cruzeiro convencional, daqueles com muita festa a bordo. As novidades aqui são outras: não há portos, e a chegada à terra firme é feita em botes infláveis (que levam até 16 pessoas), embarcações muito ágeis, inclusive para driblar as pedras de gelo do percurso.

Dizimados
Além do frio descomunal, principalmente se houver vento, a total ausência do ser humano no horizonte acaba mostrando uma silhueta da Terra à qual não estamos acostumados. O que seria um mundo assim?, divaga a mente, solta nas montanhas de gelo. Essa e outras dúvidas florescem com mais força por um motivo prático: nesse mundo desabitado, celulares entram em mutismo total e a única comunicação com o resto da humanidade é a que pode ser feita por telefone, via satélite. Detalhe econômico: as ligações custam US$ 2 o minuto, o que até seria um preço razoável, não fosse o fato de que elas têm que ser de, no mínimo, meia hora. Ah, sim, o navio não tem internet.

Enquanto os olhos apreciam o voo das gaivotas e as mãos ajeitam o cachecol, descobre-se que, num cruzeiro de expedição, a vida é diferente. Além das idas até terra firme para longas caminhadas, o passageiro é brindado com uma série de palestras, todas convergindo para o tema Patagônia. Nada de agitos e shows noturnos. Para os amantes da noite, pode restar como consolo o bar do navio, no andar mais alto, que funciona até a 0h, com todas as bebidas de graça. Bom, de graça não é exatamente o termo, já que, obviamente, essas despesas são embutidas no preço da viagem, assim como as três refeições diárias e os comes e bebes que acompanham as palestras.

Do ponto de vista cultural, do conforto, do atendimento e por causa das belas paisagens e descobertas, o cruzeiro Punta Arenas ; Ushuaia é bem satisfatório. Seria mais completo se os passageiros pudessem observar as tribos que há mais de um século viviam na região. Se vissem as fogueiras feitas por eles, inclusive em suas canoas de pesca, para espantar o eterno frio, o que para os primeiros colonizadores rendeu o nome de Terra do Fogo. Dizimados durante décadas, os índios não existem mais, a não ser um ou outro, espalhados e sem identidade. Do convés, em outros tempos, você poderia abanar as mãos e saudá-los. Mas o último adeus, caro amigo, foi há mais de 100 anos.

O jornalista viajou a convite da Cruceros Australis

Primavera e verão
A temporada do Mare Australis vai de setembro a abril. Na Patagônia, a temperatura média agora, na primavera, fica entre 4;C e 12;C.

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