saúde

Anticorpos de quem já pegou covid reagem pior às novas cepas

Fenômeno é observado por cientistas da Austrália ao avaliar como os anticorpos de infectados no ano passado reagem a seis mutações recentes do Sars-CoV-2 — entre elas a Gama, identificada no Brasil. Resultado reforça a importância das estratégias de vacinação

Vilhena Soares
postado em 08/07/2021 06:00
População vacinada no México: especialistas cogitam que, no futuro, será preciso desenvolver vacinas regionais -  (crédito: Pedro Pardo/AFP - 11/5/21)
População vacinada no México: especialistas cogitam que, no futuro, será preciso desenvolver vacinas regionais - (crédito: Pedro Pardo/AFP - 11/5/21)

O sistema imunológico de pessoas infectadas por cepas do Sars-CoV-2 existentes no ano passado responde de forma mais fraca às novas variantes do coronavírus. Os anticorpos desses indivíduos não geram uma “ação sustentada” contra as mutações recentes, como a Alpha e a Gama, identificadas, pela primeira vez, no Reino Unido e no Brasil. Segundo os cientistas da Austrália, que fizeram a descoberta, trata-se de um forte indício de que a vacinação é mais eficaz do que a resposta imune natural do corpo gerada após a infecção. Esse cenário, destacam, reforça a necessidade de imunizar toda a população e de atualizar constantemente os fármacos protetivos, para que eles acompanhem as mudanças genéticas que o patógeno sofre ao longo do tempo.

Para o estudo, detalhado na última edição da revista Plos Medicine, foi analisado o soro sanguíneo de 233 indivíduos diagnosticados com covid-19 coletado ao longo de sete meses. “O soro de indivíduos infectados pelo novo coronavírus é algo de grande interesse para a área médica, pois é a parte do sangue que contém informações cruciais sobre o nosso sistema imunológico e nos ajuda a criar uma linha do tempo. Isso revela por qual período temos uma defesa eficiente para esse patógeno”, detalham no artigo.

Nas avaliações, descobriu-se que o nível de imunidade ao longo do tempo depende da gravidade da doença, com casos mais graves gerando uma resposta mais duradoura, e que os anticorpos desenvolvidos nos infectados com as cepas mais antigas do Sars-CoV-2 têm eficácia reduzida contra seis variantes — três delas surgidas durante a segunda onda da pandemia na Austrália, no início de 2021, e três identificadas pela primeira vez no Reino Unido, no Brasil e na África do Sul (Alpha, Gama e Beta), classificadas como preocupantes pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

“O que podemos concluir com esse trabalho é que os estudos atuais com as vacinas contra a covid-19 mostram que elas oferecem uma proteção muito mais ampla contra as novas variantes do que a resposta imune natural do corpo após a infecção, que, geralmente, é apenas protetora contra a variante do vírus que a pessoa foi infectada originalmente”, explica, em comunicado, Stuart Turville, pesquisador do Instituto de Pesquisa Kirby, na Austrália, e um dos autores da pesquisa. “Nós, portanto, não devemos confiar na resposta imune natural do corpo para controlar essa pandemia, mas sim nas vacinas amplamente protetoras que estão disponíveis”, defende.

“Super-respondentes”

Os pesquisadores também descobriram um grupo raro de “super-respondentes”, indivíduos que apresentam um nível estável e robusto de resposta imune contra todas as variantes da covid-19 testadas no estudo. Esse grupo pode ser útil para estudar o potencial do plasma convalescente (sangue de pessoas que se recuperaram da enfermidade), que, até agora, se mostrou ineficaz como terapia para a covid-19 grave. “Esses super-respondentes podem ser examinados de perto para entendermos melhor essa ação tão eficiente do seu sistema de defesa. Além disso, seus anticorpos podem ser clonados para serem usados como tratamento”, cogitam.

A equipe também acredita que os dados vistos no estudo podem ajudar no desenvolvimento de vacinas ainda mais potentes que as atuais. “Podemos aprender muito com esses indivíduos que ficaram doentes durante a primeira onda na Austrália, pois eles foram infectados com a mesma variante na qual nossas vacinas atuais se baseiam, e também usar esses dados como base para imunizantes ainda mais potentes”, afirma, em comunicado, Fabienne Brilot, professora da Universidade de Sydney e uma das autoras do estudo. “Embora as vacinas aprovadas estejam mostrando boas respostas, nosso estudo destaca a importância do desenvolvimento contínuo desses fármacos, especialmente levando em consideração as diferenças nas variantes”, complementa.

Para Werciley Júnior, infectologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, os dados vistos no estudo científico são importantes porque reforçam a necessidade de vacinar toda a população. “Esse estudo nos dá ainda mais dados que corroboram algo que já estávamos suspeitando: que os anticorpos gerados pela infecção não são suficientes para combater o vírus para todo o sempre”, enfatiza. “Essas novas variantes apresentam algumas alterações que prejudicam essa resposta imune. Por isso, é importante confiar nas vacinas e usá-las, pois a ação protetora delas é bem maior do que a do nosso corpo.”

O especialista brasileiro acredita que, futuramente, vacinas poderão ser desenvolvidas com base em variantes que são predominantes em regiões específicas. “É muito provável que tenhamos imunizantes criados a partir das características epidemiológicas de cada país ou cada continente. E esse esquema será semelhante ao que já fazemos em relação à gripe, em que os imunizantes são atualizados constantemente. É algo que já temos conhecimento e, felizmente, está ao nosso alcance.”

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Razões dos coágulos

Pesquisadores do Canadá identificaram o mecanismo relacionado à ocorrência da trombocitopênica trombótica induzida por vacina (VITT, em inglês,), uma condição rara provocada por imunizantes contra a covid-19 que usam vetores adenovirais, como o da AstraZeneca e da Johnson. Anticorpos produzidos por essas fórmulas se ligam a uma proteína que está envolvida na coagulação do sangue, o que desencadeia a complicação. “Os anticorpos aderem à proteína plaquetária chamada fator 4, que gera uma espécie de aglomeração de outras plaquetas, um congestionamento devido a uma coagulação intensa”, explica, em comunicado, Ishac Nazy, pesquisador da Universidade McMaster e principal autor do estudo, divulgado na revista Nature. Para a equipe, os dados podem ajudar no desenvolvimento de fórmulas ainda mais seguras e de meios de identificar imunizados mais vulneráveis. O próximo passo do grupo é desenvolver um diagnóstico rápido e um teste preciso para detectar VITT.

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