CPI DA COVID

CPI da Covid: confira principais pontos do primeiro dia do depoimento de Pazuello

Depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello à CPI da Covid é marcado pela tentativa de proteger o presidente da República. General distorce fatos sobre a condução da crise sanitária e chega a ser desmentido pelo TCU durante a sessão. Oitiva prossegue hoje

Ana Luiza Vinhote - Especial para o Correio BrazilienseM
postado em 20/05/2021 06:00
 (crédito: Jefferson Rudy)
(crédito: Jefferson Rudy)

Apesar de ter apelado ao Supremo Tribunal Federal (STF) para ficar em silêncio na CPI da Covid, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello falou muito durante o depoimento ao colegiado. Distorceu fatos, contradisse documento da própria Advocacia-Geral da União (que o assessorava na sessão) e fez de tudo para blindar o presidente Jair Bolsonaro. Mesmo com o famoso vídeo de 22 de outubro de 2020, no qual diz que “um manda e o outro obedece”, ele frisou que as decisões no âmbito da pandemia cabiam ao ministério e que chefe do Planalto não as desautorizava.


A sessão foi interrompida — e continuará hoje — em razão da quantidade de inscritos para fazer perguntas. Além disso, Pazuello passou mal e precisou ser atendido pelo senador Otto Alencar (PSD-BA), que é médico. De acordo com o parlamentar, o general teve uma crise da síndrome vasovagal, que consiste na redução temporária de oxigênio no cérebro, causada, entre outras, por situações de estresse.


Mesmo com a obrigação de dizer a verdade, Pazuello sustentou na CPI que jamais recebeu uma ordem direta de Bolsonaro para não comprar a vacina CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac. “Nunca o presidente da República me mandou desfazer qualquer contrato ou acordo com o Butantan. Em nenhum momento o presidente da República me desautorizou ou me orientou a fazer diferente qualquer coisa que eu estava fazendo.”


Mas é fato público que, em outubro, um dia depois de o Ministério da Saúde informar a assinatura do documento para a compra de 46 milhões de doses do imunizante, o chefe do Planalto declarou: “Já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade. Até porque estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado nela, a não ser nós”.


Pazuello argumentou que existe uma diferença entre as narrativas públicas do presidente e ordens diretas. Deixou de dizer, contudo, que o próprio ministério voltou atrás no negócio após as declarações do mandatário. “Eu não segui, não sigo, não seguiria e acho que ninguém deve seguir uma ordem emanada por uma rede social”, esquivou-se Pazuello.


O general também faltou com a verdade ao comentar o aplicativo “TrateCOV”, lançado dias antes de o sistema de Saúde de Manaus entrar em colapso por falta de oxigênio nos hospitais, em 11 de janeiro. O programa incentivava o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19, como cloroquina. Segundo o militar, tratava-se apenas de uma “calculadora”, um protótipo que teria sido copiado por alguém. Pazuello negou o lançamento do aplicativo, que ocorreu com a presença dele. Na época, o então ministro, inclusive, discursou. Disse que a prescrição poderia ser feita pelo médico antes dos resultados dos testes, somente com o diagnóstico clínico. Um texto foi publicado no site do Ministério da Saúde anunciando o lançamento com reportagem na TV Brasil.


A plataforma era aberta. Qualquer um poderia inserir os sintomas e ver quais os remédios seriam indicados no caso de “tratamento precoce”. Depois que o aplicativo, divulgado pelo próprio ministério, teve ampla repercussão negativa, foi tirado do ar. Pazuello disse que o sistema foi sugerido pela secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde da pasta, Mayra Pinheiro, que prestará depoimento na próxima terça-feira na CPI.

Desmentido

O ex-ministro contradisse, inclusive, uma informação repassada pela Advocacia-Geral da União (AGU) ao STF sobre a crise do oxigênio em Manaus. Em janeiro deste ano, a AGU informou que o Ministério da Saúde soube da crise em 8 de janeiro, seis dias antes do colapso que causou a morte de pessoas em unidades de Saúde por asfixia provocada pela falta do insumo. Pazuello afirmou, entretanto, que soube da crise só em 10 de janeiro.


Pazuello negou, também, orientações sobre uso de cloroquina que partiram do próprio ministério que ele comandava. De acordo com o general, a pasta apenas publicou nota informativa que segue as orientações do Conselho Federal de Medicina (CFM), permitindo aos médicos o uso off label do medicamento e instruindo a dosagem segura. “Eu não recomendei. A nota faz apenas um alerta”, frisou. Desde que assumiu a Saúde, o general defendeu, ao lado de Bolsonaro, o uso do medicamento a partir dos primeiros sintomas.


Foram tantas as declarações contestadas, que uma chegou a ser feita pelo próprio órgão de controle no decorrer do depoimento. Pazuello afirmou que o Tribunal de Contas da União (TCU), e outros órgãos, não recomendaram a assinatura de contrato com a Pfizer, quando questionado sobre a demora para adquirir imunizantes. O TCU, então, divulgou uma nota dizendo que “em nenhum momento, seus ministros se posicionaram de forma contrária à contratação da empresa Pfizer para o fornecimento de vacinas contra a covid-19” e que “não desaconselhou a imediata contratação em razão de eventuais cláusulas contratuais”. Pazuello foi rebatido durante a sessão, e disse que “houve um equívoco” e que se referia à Controladoria-Geral da União (CGU).


O ex-ministro disse desconhecer, também, que Bolsonaro buscasse aconselhamentos de outras fontes que não as do Ministério da Saúde.

Defesa

A estratégia de blindagem ficou clara para os senadores de oposição. O relator, Renan Calheiros (MDB-AL) afirmou que Pazuello tentou proteger Bolsonaro em todo o depoimento. “Inclusive, divagando com relação à objetividade das respostas das perguntas que fazíamos”. Filho do chefe do Planalto, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) rebateu dizendo que isso não ocorreu. “Ao contrário: alguns membros da CPI estão tentando incriminar a todo custo o presidente da República, mesmo sem prova. Os depoimentos estão mostrando que não. Quando um depoente senta ali e fala o que o senador que está perguntando não quer ouvir, aí é tachado de mentiroso, está protegendo o presidente”, criticou.


Na opinião do senador governista Marcos Rogério (DEM-RO), a primeira parte do depoimento de Pazuello e as declarações dos depoentes anteriores tiram do colo de Bolsonaro a interferência indevida nas decisões do Ministério da Saúde quanto à condução da pandemia. “Nenhum deles afirmou ter havido essa interferência (...). Tentam imputar isso ao presidente o tempo todo, porque o relator e o presidente (da comissão) já têm uma sentença debaixo do braço desde o início”, acusou. “Querem apenas confirmar a narrativa e não conseguem. Não encontraram provas, evidências.”

O depoimento - Veja trechos das oitivas de Pazuello

Protocolo da cloroquina

» Garantiu que o presidente da República em nada orientou a nota informativa que instrui o uso do medicamento para pacientes com casos leves de covid-19. “Em hipótese alguma. O presidente nunca me deu ordens diretas para nada.”

» Disse que nunca recomendou cloroquina e que a nota técnica não corrobora para essa afirmativa. “Alinhávamos com o Conselho Federal de Medicina e colocávamos de forma clara que o médico seria soberano na prescrição de qualquer medicamento e que era público e notório que estava sendo usado de forma off-label no Brasil. Caso o médico desejasse prescrever, em consenso com o seu paciente, deveria estar atento para doses seguras. Essa posição da nota informativa, se eu não o fizesse, estaria prevaricando.”

Negociações de vacinas

» Negou ausência de resposta às propostas da Pfizer. “Respondemos inúmeras vezes. De agosto a dezembro. Eu tenho todas a comunicações da Pfizer.”

» Afirmou que a declaração pública de Bolsonaro se posicionando contra a compra da CoronaVac em nada influenciou nas tratativas. “Nós não havíamos comprado ainda nem uma dose da vacina do Butantan, porque não podíamos comprar. Havia uma intenção de compra. Então, o presidente não poderia mandar cancelar a compra, porque eu não tinha feito a compra ainda. Eu não cancelei a intenção de compra em momento algum.”

» Refutou ter sido orientado a suspender qualquer conversa em relação à aquisição da CoronaVac, mesmo tendo dito, um dia após fala do presidente afirmando que não compraria a vacina, que “um manda e o outro obedece”. “O que o presidente falou na rede social, volto a colocar: ele não repetiu isso para mim oficialmente nem pessoalmente. Eu não segui, eu não sigo, não seguiria e acho que ninguém deve seguir uma ordem emanada por uma rede social.”

Gabinete paralelo

» Sustentou que os filhos de Bolsonaro não integravam um suposto grupo de assessoramento paralelo. “Não havia influência dos filhos políticos do presidente. E eu achava que ia me encontrar mais com eles.”

» Atribuiu ao empresário Carlos Wizard a ideia de chamar médicos de fora do ministério para sugerir medidas de enfrentamento à pandemia, mas descartou envolvimento entre o executivo e o chefe do Planalto. “Nunca o vi em Brasília indo especificamente falar com o presidente da República.”

TrateCov

» Disse que o aplicativo TrateCov jamais foi colocado em operação, mesmo após lançamento oficial do projeto-piloto em Manaus. “Nunca entrou em operação, foi apenas apresentado o protótipo em desenvolvimento e foi copiado por alguém. E tem um relatório policial sobre isso.”

» Creditou à secretária Mayra Pinheiro a iniciativa do programa. “Ela me trouxe como sugestão, quando voltou de Manaus, no dia 6 de janeiro, que poderia utilizar uma plataforma, que já é desenvolvida para isso, uma calculadora, para facilitar o diagnóstico clínico feito pelo médico. E que ela ia iniciar, então, esse trabalho para fechar essa plataforma.”

Crise de oxigênio

» Deu uma data divergente da documentação que a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou ao Supremo Tribunal Federa (STF) sobre quando ficou sabendo do iminente colapso de oxigênio em Manaus. “No dia 10 (janeiro), foi a primeira vez que secretário colocou de forma clara que havia problemas na logística e no fornecimento de oxigênio para Manaus”. No documento da AGU consta que o aviso ocorreu no dia 8. “Está equivocada essa resposta”, rebateu. Mais tarde, Pazuello lembrou que recebeu uma ligação no dia 7, à noite. “O secretário de Saúde ligou para o meu telefone pessoal e perguntou se eu tinha condição de ajudá-lo no transporte de cilindros de oxigênio, de Belém para Manaus, que iam para o interior do Amazonas. E eu disse: não há problema algum.”

» Afirmou ter aceito todas as ofertas de oxigênio e transporte, mesmo não tendo sido usada uma aeronave disponibilizada para trazer uma doação do insumo da Venezuela para o Brasil.

Missão cumprida

» Destacou que o motivo da exoneração foi por ter concluído o compromisso proposto no cargo. “Missão cumprida”, justificou. O general deixou a função na pior fase da pandemia até o momento, no fim de março de 2021, quando a segunda onda da infecção estava entrando no pico.

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