postado em 03/05/2008 11:54
O quadro do aborto no Brasil é mais grave do que se imaginava e exige mais do que o simples tratamento jurídico. A constatação é do deputado federal Pompeo de Mattos (PDT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.
Na última quarta-feira, a comissão divulgou nota oficial defendendo a reconsideração do pedido de indiciamento de 9.896 mulheres pela prática de crime de aborto em Campo Grande, feito pelo juiz da 2ª Vara do Tribunal do Júri do Mato Grosso do Sul, Aloísio Pereira dos Santos, atendendo ao promotor estadual de Justiça, Paulo César dos Passos.
As quase 10 mil mulheres tinham cadastro na Clínica de Planejamento Familiar, cuja proprietária, Neide Mota Machado, foi denunciada e presa em julho do ano passado, acusada pelo Ministério Público estadual de liderar uma quadrilha que realizou abortos durante 20 anos na cidade. A médica foi libertada em agosto de 2007 por meio de um habeas corpus.
Em entrevista à Rádio Nacional, o deputado apontou aspectos que considera graves no caso, como a violação do sigilo médico que tornou público o cadastro da clínica por onde passaram, nos últimos 20 anos, as mulheres que supostamente abortaram. Além disso, ele também criticou o fato de a investigação estar sendo feita por meio de um processo coletivo.
;Fazer uma investigação coletiva, a rodo, de um tema desses nos remete a uma espécie de inquisição, de caça às bruxas, quando sabemos que a questão do aborto no Brasil é um assunto mal resolvido pela classe política e pela sociedade. Na minhã interpretação, ele não pode ser um assunto de disputa judicial, ainda mais de forma coletiva e não especificada;, afirmou Mattos.
Segundo ele, o envolvimento de tantas mulheres com o aborto num estado pouco populoso como o Mato Grosso do Sul pode indicar um quadro ainda mais grave para o país. ;Quantas outras milhares de mulheres haveria em outras clínicas e em todos os outros estados do Brasil?. A questão é gravíssima, muito mais grave do que imaginávamos. Então, tem que ser enfrentada de forma adequada e não às avessas, por meio de um processo judicial;, disse o parlamentar.
Para ele, a situação no Mato Grosso do Sul mostra que o aborto é um problema de saúde pública que ainda não foi debatido e encarado com profundidade pela sociedade. ;Temos que fazer o enfrentamento desse tema. Quando demandamos um processo coletivo de 10 mil mulheres, eu começo a me perguntar onde está o erro: nas 10 mil mulheres, se é que elas cometeram esse ato, ou na falta de adequação do processo legislativo desse tema? Será que elas são autoras de crime ou são vítimas dessa realidade? Isso precisa ser discutido;, defendeu.
De acordo com Mattos, a comissão pretende ouvir representantes do Poder Judiciário no Mato Grosso do Sul, do Ministério Público estadual, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB, da Igreja e de outros segmentos envolvidos na questão.
De acordo com o procurador Júlio César dos Passos, que propôs a investigação das mulheres que freqüentaram a clínica, o Ministério Público apenas está cumprindo a lei brasileira que considera crime a prática de aborto. Ele também afirmou que, a partir do momento em que há hipótese de crime, o princípio de sigilo sobre as fichas médicas ;cede em prol de um interesse maior, que é o da repressão ao crime; e que a investigação não está sendo feita a rodo.
;Está sendo olhado cada caso individualmente. Se fosse feito a rodo seria um processo muito mais rápido e injusto. Estamos olhando a situação de cada pessoa porque o Ministério Público tem consciência que, além de ser um problema jurídico, esse é um problema social;, ressaltou.
O promotor concordou que os quase 10 mil abortos em Campo Grande indicam que é preciso discutir a questão e não tratá-la apenas juridicamente. Ele destacou também que enquanto a lei não mudar não há como alterar práticas jurídicas e policiais.