Brasil

Acusados sob ameaça

Hostilizada por detentas no Carandiru, Anna Jatobá é transferida para outra penitenciária. Advogados de defesa trabalham pela libertação do casal e especialistas questionam prisão preventiva

postado em 09/05/2008 09:20

O medo de que Anna Carolina Jatobá, 24 anos, fosse agredida levou a polícia a transferi-la, às 22h de ontem, para a Penitenciária Feminina de Tremembé, no Vale do Paraíba. Ela e o marido, Alexandre Nardoni, 29, estão presos desde a noite de quarta-feira em unidades separadas, acusados de assassinar Isabella Nardoni, 5, em 29 de março. O maior receio é que o casal seja vítima de violência por parte de outros detentos. A situação mais preocupante é da madrasta de Isabella, que, ontem de manhã, havia sido levada do 97; Distrito Policial, em Americanópolis, Zona Sul, para a Penitenciária Feminina de Sant`Ana, na Zona Norte, um complexo que abriga 2,8 mil presas, grande parte condenada por homicídio. Mesmo assim, a partir do momento em que Anna Carolina chegou ao complexo, as detentas começaram a bater nas grades e a gritar ;assassina;.

Durante todo o dia, as presas reclamaram da presença da acusada. Um grupo escreveu no pátio da penitenciária a mensagem ;Homenagem à Isabella, presente de Dia das Mães;. Um plástico preto, logo abaixo da pichação, trazia o complemento: ;Assassina maldita;. Os agentes carcerários retiraram o plástico logo depois. Uma das presas afirmou que, por causa da chegada de Anna Carolina, a entrega de pacotes com alimentos e outros objetos para as detentas atrasou pelo menos três horas. ;Essa garota já chegou aqui causando problemas. Se a cadeia ;virar; (se rebelar), a gente vai catar ela. É melhor ela ir de bonde (ser transferida);, advertiu a presidiária.

O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Ronaldo Bretas Mazagão, disse que os acusados de matar crianças costumam ser vítimas de agressões. Por isso, o governo decidiu transferir Anna Carolina para o presídio em Tremembé. Ontem, no 97; Distrito, a acusada dormiu sobre papelão, enrolada num edredom. Ela se recusou a comer o café da manhã servido ; café com leite e pão. Ao ser transferida, a madrasta de Isabella chorava muito e reclamou de marcas nos pulsos por conta das algemas.

No exame de corpo de delito, na noite em que o casal foi preso, Anna Carolina mostrou hematomas que tinha nos braços provocados pela ação dos policiais que a conduziram do apartamento do pai para o 9; Distrito Policial. Os médicos que a atenderam disseram que as marcas eram normais, uma vez que os policiais a protegiam de populares.

No Carandi-ru, Anna Carolina ocupava uma cela de quatro metros quadrados, onde havia duas camas de cimento sem colchão, um vaso sanitário sem tampa e um chuveiro frio. No final da tarde de ontem, ela recebeu um colchonete de familiares e foi obrigada a usar uniforme ; calça cáqui e camisa branca. Ao vesti-lo, segundo agentes carcerárias, ela chorou bastante e se disse inocente.

Regalias
Como tem curso superior, Alexandre Nardoni tem direito a mais regalias. Ele passou o primeiro dia no 13; Distrito Policial, no Morumbi, em uma cela individual com cama e chuveiro elétrico. Ele não foi hostilizado em nenhum momento e até conversou com outros detidos na área destinada ao banho de sol. Um deles é um acusado de estelionato que conheceu Alexandre quando ficou detido no 77; Distrito Policial, em Santa Cecília, cumprindo prisão temporária.

O promotor Francisco Cembranelli disse estar ;aliviado; com a prisão preventiva de Alexandre e Anna Carolina. ;Não me resta nenhuma dúvida de que o casal matou a pequena Isabella. Agora presos, o processo correrá mais rápido e tranqüilamente na Justiça;, ressaltou. ;Como pai de família e como promotor público, eu torcia para que os dois não tivessem cometido esse crime. Gostaria que tivesse sido um ladrão, como defendeu o casal. Mas infelizmente todas as evidências apontam para Alexandre e Anna Carolina;, completou.


MENINO CAI DE JANELA

Um menino de 3 anos morreu hoje depois de cair do terceiro andar de um prédio, na Zona Leste de São Paulo. Socorrida, a vítima ainda chegou viva ao hospital, mas não resistiu. A mãe e a tia do menino contaram à polícia que, pouco antes da queda, ele estava sentado num sofá próximo a uma janela, sem grade ou tela de proteção, e caiu. A Polícia Civil investigará o caso.

"É ingênuo acreditar que quem está preso não possa intimidar testemunha por outros meios ou terceiros"
Gustavo Badaró, doutor em direito processual penal

"Se a cadeia ;virar; (se rebelar), a gente vai catar ela. É melhor ela ir de bonde (ser transferida)"
Detenta da Penitenciária Feminina de Sant;Ana

Defesa pedirá habeas corpus
Os advogados que defendem Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá passaram o dia inteiro ontem elaborando argumentos para pedir, hoje, na Justiça, que Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá aguardem o julgamento em liberdade. Caberá ao mesmo desembargador que soltou o casal da prisão temporária, em abril, julgar o mérito do habeas corpus que a defesa vai apresentar. Os advogados ficaram surpresos com a argumentação do juiz Maurício Fossen ao determinar a prisão preventiva dos acusados, que, além das evidências levantadas no inquérito, fundamentou a decisão alegando o ;clamor público;. Fossen também justificou a detenção alegando que, se ficassem soltos, a sociedade perderia credibilidade no Poder Judiciário.

Para o professor de direito penal Sérgio Almeida Fleury, da Universidade de São Paulo (USP), o clamor público não justifica o pedido de prisão. ;O casal acusado tem endereço fixo e em nenhum momento se negou a colaborar com as investigações. Além disso, eles já cumpriam uma espécie de prisão domiciliar;, argumenta. Na opinião do advogado Gustavo Badaró, a prisão preventiva também é injustificada. ;O que os laudos deram foi indicação de autoria do crime;, destaca. Doutor em direito processual penal, Badaró lembra que o casal não representa uma ameaça e questiona as justificativas apresentadas na decisão do juiz. ;É ingênuo acreditar que quem está preso não possa intimidar testemunha por outros meios ou terceiros. Além disso, tudo que poderia ser colhido no apartamento já foi;, observa.

O criminalista Alberto Toron é outro que considera descabida a prisão preventiva de Alexandre e Anna Carolina. Segundo o advogado, entre a decretação anterior, no dia 11 de abril, a concessão de liminar e a atual determinação, não ocorreu fato novo que justificasse a detenção. ;Não houve ameaça à testemunha, suborno de perito, nem tentativa de fuga;, afirma. Nesse sentido, Toron avalia a prisão como inconstitucional, por considerar que viola a garantia da presunção de inocência. ;Hitler foi levado ao poder e Cristo à cruz por clamor público;, ressalta. O criminalista acredita que a detenção do casal deverá ser revogada. ;Por uma questão de coerência, o desembargador (Caio Eduardo Canguçu de Almeida) que soltou antes deveria soltar agora também;, ressaltou.

Para o promotor Francisco Cembranelli, o inquérito reuniu provas concretas que incriminam o casal. Ele defende a prisão dos dois para acelerar o processo. Ele acredita que o desembargador Canguçu de Almeida deverá manter a prisão preventiva. ;Na outra vez, o desembargador deixou claro, no final de seu despacho, que, futuramente, presentes os requisitos para decretação da prisão preventiva, poderia haver essa manifestação por parte do Poder Judiciário. Quando ele despachou, nós tínhamos 23 pessoas ouvidas. Hoje, temos mais de 60. Não tínhamos nenhum laudo anexado ao inquérito. Hoje temos todos. Um laudo do Instituto de Criminalística tem quase 100 páginas;, disse Cembranelli.

Ofício contra depoimento
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), ligado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos, protocolou nesta quinta-feira, no Fórum de Santana, em São Paulo, ofício se posicionando contrário ao testemunho do filho mais velho de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, Pietro, 3 anos. Segundo o Conselho, o ;depoimento sem dano; não está ainda implantado em São Paulo.

O órgão lembra ainda que o artigo 206 do Código de Processo Penal desobriga pais, mães, filhos e cônjuges de depor e, o artigo 208 do mesmo Código prevê que a testemunha com menos de 14 anos não presta compromisso e é, portanto, desobrigada a depor. A posição do Conselho leva em consideração ainda o processo traumático já vivenciado pela criança, que pode ser agravado com o depoimento.

Decisão
Na denúncia que apresentou contra o casal, o promotor Francisco Cembranelli deixa à Justiça a decisão de ouvir ou não o menino. Para Cembranelli, a falta do testemunho de Pietro não prejudicará a acusação.

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