Brasil

Clube Militar pede abertura dos arquivos secretos da ditadura

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postado em 17/05/2008 08:26
São Paulo - O Clube Militar defendeu nesta sexta-feira que o governo "escancare" os arquivos secretos da ditadura, mostrando também supostos crimes de membros da cúpula do governo que militaram contra o regime. Os militares também avaliaram que se ocorrer uma reinterpretação da Lei da Anistia, de 1979, deverão ser punidos também acusados de terrorismo e assassinatos na época. As declarações, do general da reserva Gilberto Figueiredo, presidente do Clube, foram uma resposta ao ministro Tarso Genro (Justiça) e ao Ministério Público Federal, que pretende responsabilizar criminalmente os chefes dos órgãos de repressão. Tarso avaliou que a Lei da Anistia, de 1979, não protege os crimes de tortura, prática que também era criminosa durante o regime militar. ;Alguns colegas de governo do ministro também cometeram crimes hediondos durante o regime. A Lei da Anistia foi feita para os dois lados e é um assunto superado. Agora, se houver uma revisão, ela terá que valer para os dois lado; disse o general da reserva. Figueiredo afirmou ainda que a abertura dos arquivos secretos do regime não encontra mais resistências entre os militares: ;Não sei porque não abrem os arquivos. É preciso abrir, sim, escancarar tudo. Tenho conversado com outros militares e não vemos motivos para não escancará-los, porque quando isso for feito, os militares serão os menos atingidos. Se abrir, quem mais terá a perder são os do outro lado, que cometeram assassinatos, terrorismos e muitos crimes. E muitos estão no governo; disse o presidente do Clube, depois de frisar que o ministro fez tais declarações para desviar o foco das atenções de outros problemas do governo como os conflitos em Raposa Serra do Sol e o caso do dossiê da Casa Civil. De outro lado, organizações de ex-presos políticos e entidades civis defenderam a punição dos responsáveis pelos crimes de tortura na ditadura militar e a abertura dos arquivos secretos no embalo das declarações do ministro e da ação do MPF. "Os ex-chefes do DOI-CODI devem ser ouvidos pela Justiça - juntamente com seus subordinados - para que dezenas de mortes e desaparecimentos possam ser finalmente esclarecidos", declararam nesta sexta, em uma nota conjunta, o Fórum Permanente dos Ex-Presos e Perseguidos e Políticos, o Grupo Tortura Nunca Mais, o Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), a Acat (Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura) e o Movimento Nacional de Direitos Humanos, em apoio aos procuradores federais. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que já mantém uma ação no Superior Tribunal Militar (STM) por causa dos arquivos secretos, apoiou as avaliações jurídicas do ministro e do MPF: ;A censura, por exemplo, poderia até estar amparada (nas leis da época), mas a tortura não. Há muito a OAB mantém o pressuposto de que anistia não significa amnésia ou esquecimento. Trata-se de crimes de agente de Estado que feriram a lei da época, que já proibia a tortura; disse o presidente da OAB, Cézar Britto. Para as entidades, é chegado o momento de o país reconhecer, inclusive, que os crimes não foram cometidos pelo Estado, mas por indivíduos que deveriam arcar com as indenizações dos torturados políticos. ;Neste país os torturadores continuam impunes e os desaparecidos continuam desaparecidos. Esta é a primeira vez na história que se lança uma ação para punir os criminosos da ditadura; disse Ivan Seixas, do Fórum de Ex-Presos, guerrilheiro do MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes). Seixas afirmou ainda que não vê problemas em a Lei da Anistia ser reinterpretada para os dois grupos de interessados: ;Eu topo abrir os arquivos e fazer a Lei valer para os dois lados. Nunca torturamos. Eu, por exemplo, fui guerrilheiro e nunca matei nem torturei ninguém. Tomei fábrica, fiz enfrentamento político. Fui preso por seis anos, três deles em um manicômio, e fui muito torturado. Gostaria muito de ver justiça; afirmou Ivan Seixas. Animada pelas declarações do ministro e a ação do MPF, a viúva de Virgílio Gomes da Silva (o Jonas, que aparece no filme O Que é Isso Companheiro?), Ilda Martins da Silva, de 77 anos, visitou a cela onde ficou nove meses presa, hoje espaço integrante do Memorial da Resistência. Dona de casa, Hilda nunca integrou uma organização política, mas passou a ser torturada, junto com os três filhos pequenos, depois de Jonas ter sido morto pelos militares. ;Queriam que eu contasse coisas que ele foi morto sem contar. Coisas que eu nem sabia, não entendia. Eu amamentava meu bebê de quatro meses e eles prenderam os meus filhos. Levei choques, tapas, chutes, quase perdi meus filhos. E o pior: se passaram 36 anos e eu nunca pude enterrar meu marido, levar uma flor ao seu túmulo. Para mim, continuo torturada. Tudo o que queremos é a abertura dos arquivos, a localização do corpo e, quem sabe, a punição dos nossos torturadores; disse Ilda.

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