postado em 24/05/2008 10:34
Ninguém sabe ao certo de onde vieram nem quantos são no mundo. Mas as lendas ultrajantes a respeito dos povos ciganos resistem ao tempo. Ladrões de crianças, praticantes de incesto, bruxos e adoradores do demônio fazem parte de uma lista extensa de preconceitos propagados contra eles até hoje. Numa iniciativa inédita, entretanto, essa comunidade resolveu exigir respeito e inclusão social. Diversas manifestações marcarão este sábado, 24 de maio, quando se comemora o Dia Nacional do Cigano. Problemas como falta de registro civil, analfabetismo, discriminação no atendimento médico e truculência policial serão lembrados.
;É um primeiro passo para, no futuro, propormos o Estatuto dos Ciganos;, diz Zarco Fernandes, representante do Centro de Cultura Cigana de Minas Gerais. Além dos protestos, a data será marcada pelo lançamento, no Rio de Janeiro, por parte do governo federal, da cartilha Povo cigano ; o direito em suas mãos. Também terá início hoje a Campanha Contra a Discriminação do Povo Cigano nos serviços de saúde. Para Perly Cipriano, subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos, as políticas voltadas para essa população chegam com muito atraso. ;Talvez, de todos os povos, os ciganos sejam os mais discriminados;, diz.
A falta de um dado preciso sobre eles, segundo Cipriano, é o primeiro indício do desleixo do poder público. ;Tentamos com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) incluir essa pergunta no censo, como se faz com os negros e os índios. Vamos ver se conseguiremos agora;, afirma o subsecretário. As estimativas são as mais variáveis ; de 150 mil a 1,5 milhão de ciganos no Brasil. Muitos, entretanto, estão longe dos estereótipos. Não usam saias sobrepostas ou jóias de ouro nem moram em barracas de lonas ou adivinham a sorte com a leitura das mãos. Vivem em casas ou apartamentos. São os ciganos sedentarizados.
Uma pesquisa realizada em Minas Gerais, coordenada por centros de cultura do estado, aponta 30% dos ciganos sedentarizados, 40% seminômades (que moram em acampamentos, mas não se deslocam) e 30% nômades. A violência, segundo Mirian Stanescon, presidente da Fundação Santa Sara Kali, que difunde a cultura cigana, tem levado os ciganos a se fixarem em residências. ;Quem, do meu povo, pode montar acampamento hoje em dia? Se houver algum roubo na redondeza, sobre quem recairá a culpa?;, questiona Mirian, lembrando o mito de que cigano é ladrão. ;Não quero colocar asas de anjo no meu povo, mas também não quero que coloquem capa de demônio.;
Mirian faz parte do clã kalderash, que reúne ciganos com situação financeira melhor. Há sete linhagens identificadas no Brasil. A calon é a mais pobre. Fazem parte dela ciganos nômades, analfabetos e sem registro civil. ;A falta dos documentos complica muito a vida deles. Não conseguem emprego, atendimento médico;, diz Fábio José Dantas de Melo, doutorando em lingüística na Universidade de Brasília (UnB) com um projeto de registro da língua dos calon em Goiás. Para o pesquisador, o mais importante é incluí-los nas políticas públicas, sem romper com suas tradições. ;Eles representam uma minoria desterritorializada que já se acostumou a viver assim;, afirma.