postado em 28/05/2008 09:23
Uma platéia apreensiva, formada por pessoas que têm nas pesquisas com células-tronco a única esperança para doenças ainda incuráveis, vai acompanhar o julgamento no Supremo Tribunal Federal de olhos atentos. Nas primeiras fileiras estará Tânia Fonteles, 35 anos, mãe da pequena Maria Fernanda. Vítima de atrofia muscular espinhal tipo 1, que provoca fraqueza tão aguda a ponto de impossibilitar o doente de realizar atividade vitais, a garota de 5 anos não pode andar, falar ou comer pela via oral. Maria Fernanda precisa de respirador para se manter viva. A mãe sabe que uma cura ainda está longe, mas permanece otimista.;Hoje a pesquisa com células-tronco embrionárias é a única alternativa para a minha filha, que tem uma doença genética incurável;, diz Tânia, que acompanha, desde o tempo em que era discutida no Congresso Nacional, a Lei de Biossegurança e seus desdobramentos. Na sessão de março deste ano, em que o ministro Carlos Alberto Direito pediu vista do processo, suspendendo o julgamento no STF, que será retomado hoje, a mãe da Maria Fernanda não se segurou. ;Chorei quando vi que teríamos de esperar mais para saber se podemos ter alguma esperança ou não;, afirma.
Os portadores de doenças degenerativas e os deficientes físicos, porém, não estarão sozinhos. Cientistas interessados nas pesquisas também ocuparão as fileiras do plenário do STF. A geneticista e professora da Universidade de São Paulo (USP) Mayana Zatz embarcou ontem para Brasília a fim de acompanhar o julgamento, considerado histórico entre os próprios ministros da Corte. ;Vamos ficar na torcida, temos que brigar pelo direito de fazer as pesquisas em busca de cura para diversas doenças;, afirma a cientista.Ela ressalta, entretanto, que não há qualquer garantia de cura. ;Nunca prometemos isso. O que sempre falamos é que precisamos investigar, pesquisar, estudar para, quem sabe daqui a um tempo, oferecer alternativas a pacientes que não têm terapias disponíveis;, diz Mayana.
Lentidão
A servidora pública Carolina Sanchez, 35 anos, tem consciência da lentidão com que experimentos científicos são desenvolvidos. Mas não desiste de brigar para ter mais qualidade de vida, apesar da ataxia, uma doença neurológica que a castiga desde os 11 anos de idade, afetando seu equilíbrio e a coordenação motora. ;Faço fisioterapia para tentar frear o avanço do problema;, conta.
Embora ainda não exista pesquisa com células-tronco embrionárias em fase clínica, ao contrário dos experimentos com células-tronco adultas, que já dão resultados importantes no Brasil e no mundo, os pacientes não esmorecem. Os cientistas têm uma explicação simples para o estágio avançado de um tipo de estudo. ;As células adultas são investigadas há muito mais tempo, enquanto as pesquisas com as embrionárias estão em fase inicial;, diz Mayana.
Mesmo diante de uma possibilidade distante, Tânia deposita fé na ciência. Sua dedicação a Maria Fernanda é de comover. ;Faço qualquer coisa pela minha filha;, diz a mãe, enquanto brinca com a garota. Maria Fernanda esboça um sorriso de contentamento, apesar dos aparelhos que cortam a sua pele para lhe garantir ar e alimento.
Três sessões diárias de fisioterapia, uma todos os dias de fonoaudiologia e a visita semanal de um médico e uma nutricionista fazem parte dos cuidados com Maria Fernanda. Os balões de oxigênio no quarto da pequena não impedem a decoração caprichada, com bonecos de pelúcia e quadros coloridos. ;Ela tem muitos brinquedos, não cabem todos aqui no quarto;, conta a mãe.
Governo federal espera aprovação dos estudos
O governo federal demonstrou mais uma vez o desejo de ver a manutenção da constitucionalidade da Lei de Biossegurança por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, disse que aguarda com ;muito otimismo; o julgamento. ;O Brasil precisa (das pesquisas com células-tronco). Os pacientes precisam ter uma esperança e os médicos estão querendo colocar o seu conhecimento no desenvolvimento de novas tecnologias;, afirmou. ;Quem sabe, esta semana, vamos ter uma grande notícia para o Brasil, para os pacientes e para os médicos brasileiros;, completou Temporão.
O ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, também se manifestou favorável às pesquisas com células-tronco embrionárias ;pelo pressuposto de que, invariavelmente, todas as argumentações contrárias apresentadas se assentam sobre uma concepção religiosa acerca da origem da vida;. Vannuchi disse que como não há consenso científico sobre o assunto e o Estado brasileiro é laico, logo as questões religiosas não podem interferir na definição das leis.
De acordo com Vannuchi, além da possibilidade de beneficiar diretamente cerca de 25 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência física, as pesquisas também podem contribuir para o desenvolvimento técnico-científico brasileiro. ;Os estudos ajudarão nosso país a concorrer com outras nações em busca de técnicas que permitam mecanismos de recuperação e de cura de doenças degenerativas.;
Genética
O presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, Salmo Raskin, disse ontem que a maioria da comunidade científica espera com ansiedade pelo resultado desse julgamento. o atual conhecimento, somente as células-tronco embrionárias têm o potencial para formar todos os tecidos do nosso corpo, portanto, o Brasil deve manter a permissão para as pesquisas com células-tronco embrionárias", justifica. Raskin é um dos dez cientistas brasileiros que integram o Projeto Genoma Humano da Human Genome Organization.
Quatro anos de discussão
Entenda o caminho que a Lei de Biossegurança percorreu até chegar ao julgamento no Supremo Tribunal Federal, retomado hoje:
Proposta original
Em 2004, o governo federal envia à Câmara dos Deputados um projeto de lei para regular o plantio de soja transgênica no país, conhecido como Lei da Biossegurança.
Inclusão das células-tronco
Uma comissão criado pelo governo para tratar do assunto, inclui no texto original a regulamentação do uso de células embrionárias humanas em pesquisas científicas. O projeto é analisado por uma comissão especial de deputados e acompanhado de perto por pesquisadores e representantes de associações científicas.
Parecer favorável
O deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) conclui parecer favorável às pesquisas com células-tronco e ao plantio e comercialização de transgênicos. Às vésperas da votação no plenário, Rebelo é nomeado ministro da Coordenação Política e é substituído na relatoria pelo deputado Renildo Calheiros (PCdoB-CE). Calheiros muda o parecer, vetando as pesquisas com células-tronco, e, dessa forma, o texto segue para o Senado.
No Senado
A matéria é considerada um ;Frankenstein jurídico;. Mesmo assim, o senador Ney Suassuna (PMDB-PB), relator do projeto, resgata a autorização para pesquisas com células-tronco. Depois de ampla discussão, a proposta é aprovada no plenário por 53 votos a 2.
De volta à Câmara
As bancadas evangélicas e católicas tentam derrubar o artigo 5; da Lei de Biossegurança, que trata das pesquisas com células-tronco. O texto, no entanto, é aprovado por 366 votos a favor e 59 contra.
Sanção e ação de inconstitucionalidade
No dia 24 de março de 2005, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sanciona a Lei de Biossegurança sem vetos. Menos de dois meses depois, em maio, o então procurador da República, Cláudio Fonteles, ajuiza uma ação de inconstitucionalidade contra o artigo 5; da lei.
STF
Em abril de 2007, o Supremo Tribunal Federal faz a primeira audiência pública para debater o tema. O julgamento sobre a ação de inconstitucionalidade ocorre em 5 de março e é interrompido depois de o ministro Carlos Alberto Menezes Direito pede vista do processo. O julgamento é retomado hoje.