postado em 30/05/2008 09:23
Derrotado no Supremo Tribunal Federal (STF), o segmento contrário às pesquisas com células-tronco embrionárias traça estratégias para barrar o artigo 5; da Lei de Biossegurança ; e a possibilidade de legalização do aborto de bebês anencéfalos e de qualquer chance de interrupção de gravidez. Parlamentares ligados às bancadas religiosas querem ressuscitar o debate no Congresso Nacional. A pressão de deputados e senadores deve começar com a apresentação de uma proposta de emenda à Constituição, de autoria do deputado Miguel Martini (PHS-MG), alterando o artigo 5; da Carta, ao qual acrescenta ao preceito de inviolabilidade da vida a redação ;desde a concepção;. ;Se a Constituição disser assim, aí fica superada a decisão do STF. Não se pode trocar uma vida por uma cura;, diz.O ministro José Antônio Dias Toffoli, da Advocacia-Geral da União (AGU), ressalta que ficou claro no voto dos ministros do STF que pelo fato de o embrião não estar no útero da mulher, não poderia ser dada a ele (embrião) proteção da vida, pois não tem desenvolvimento. ;Aborto é interrupção do desenvolvimento de um embrião que se torna feto dentro do útero;, destacou.
Como a proposta de emenda constitucional é um instrumento de tramitação lenta e de difícil aprovação no Congresso, as bancadas religiosas também investirão sobre a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados ; onde dormita o Projeto de Lei 1.184/03, que cria restrições à manipulação de embriões em procedimentos de inseminação artificial e fertilização in vitro. A mobilização para que a matéria seja incluída na pauta de votações começa na próxima semana.
Pelo projeto de lei, ficaria restrito a dois o número de embriões que poderiam ser manipulados em laboratório para cada tentativa de reprodução assistida. Na prática, secaria, a partir da aprovação, a fonte de matéria-prima para as experiências em células embrionárias, uma vez que os embriões captados por laboratórios resultam dos excessos das tentativas de fertilização artificial.
Coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Vida e Contra o Aborto, o deputado Luiz Bassuma (PT-BA) está à frente do movimento para regulamentar a inseminação artificial. Ele argumenta que as restrições previstas no projeto criam uma solução definitiva à polêmica: a do descarte do que consideram uma forma de vida para serem utilizados em pesquisas com células-tronco embrionárias. ;Se o manuseio, para o fim mais nobre que seja, não tiver respeito à bioética, podemos ativar uma bomba muito delicada;, afirma.
O projeto tramita na CCJ em caráter terminativo: entra em vigor assim que for aprovado no colegiado, sem necessidade de votá-lo em plenário. A proposta já recebeu parecer desfavorável na comissão, mas tem apoio da pesquisadores contrários à liberação das pesquisas. A professora da Universidade de Brasília (UnB) Lenise Garcia, do Departamento de Biologia Celular, considera importante a regulamentação. ;A aprovação dessa lei seria uma solução para parar o congelamento de embriões. Os (embriões) que fossem produzidos daqui para a frente não poderiam ser usados em pesquisas;, diz.
Adoção de embriões
O Movimento Brasil sem Aborto também tem sua estratégia para tentar inviabilizar as pesquisas. ;Vamos propor na nossa próxima plenária uma campanha nacional de adoção de embriões;, diz o coordenador do movimento, Jaime Ferreira Lopes. Segundo Jaime, a idéia é sensibilizar famílias que têm embriões congelados para que façam doações a casais inférteis que não conseguem pagar uma fertilização in vitro.
Ao publicar nota lamentando a decisão, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil lembrou que, no mundo, não há até hoje protocolo médico que autorize pesquisas científicas com células-tronco obtidas de embriões humanos em pessoas, por causa do alto risco de rejeição e de geração de teratomas (tumores formados por resíduos fetais e tecidos embrionários). ;Portanto, não se trata de uma questão religiosa, mas de promoção e defesa da vida humana, desde a fecundação, em qualquer circunstância em que esaa se encontra. É lamentável que o STF não tenha confirmado esse direito cristalino, permitindo que vidas humanas em estado embrionário sejam ceifadas;, diz o texto.
O que eles disseram
"Se a Constituição disser assim, aí fica superada a decisão do STF. Não se pode trocar uma vida por uma cura"
Miguel Martini (PHS-MG), autor da proposta de emenda à Constituição
"Vamos propor na nossa próxima plenária uma campanha nacional de adoção de embriões"
Jaime Ferreira Lopes, coordenador do Movimento Brasil sem Aborto
"Se o manuseio, para o fim mais nobre que seja, não tiver respeito à bioética, podemos ativar uma bomba muito delicada"
Luiz Bassuma (PT-BA), da Frente em Defesa da Vida e Contra o Aborto
"Aborto é interrupção do desenvolvimento de um embrião que se torna feto dentro do útero"
José Antônio Dias Toffoli, advogado-geral da União
Especialistas pedem calma
O julgamento no STF nem tinha terminado quando a empolgação tomou conta de quem esperava a liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias. Em meio ao voto do presidente da Corte, Gilmar Mendes, cadeirantes e pesquisadores deixavam o plenário, subiam e desciam a rampa em frente ao STF, para tirar fotos junto à estátua da Justiça.
;Vamos curar até a estátua que está cega;, brincou o aposentado Francisco Paulo de Menezes, 42 anos. Vítima de lesão medular em conseqüência de uma acidente de carro em 1996, Francisco disse estar tranqüilo porque agora pode depositar esperança nas pesquisas. Portador de distrofia muscular progressiva, o menino João Victor, 9 anos, não se preocupou por faltar a aula na escola para acompanhar o julgamento com o avô, Pedro Freire, 60 anos. ;A professora manda pela minha mãe o dever de casa;, justificou. O sonho do garoto é tão singelo quanto distante: poder brincar normalmente com outras crianças.
;Acreditamos que entre cinco e 10 anos vamos ter uma resposta;, arriscou a pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) Debora Diniz, especialista em bioética, ao comemorar a maioria dos votos a favor das pesquisas. Apesar do largo sorriso no rosto, a diretora do Centro de Estudos de Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP), Mayana Zatz, lembrou que os pesquisadores têm uma enorme responsabilidade pela frente. ;Quero deixar claro que não estamos prometendo cura imediata, mas dar o melhor de nós nas pesquisas;, ressaltou.
;Recebemos muitas ligações de pacientes querendo vir na semana que vem para fazer tratamento com células embrionárias. É importante esclarecer que houve apenas uma autorização para que a gente dê continuidade às pesquisas. As pessoas que sofreram lesões na medula, cérebro, tiveram doenças degenerativas ou nasceram com doenças neurológicas congênitas que aguardem um pouco para acompanhar com esperança;, lembra a diretora-executiva da Rede Sarah de Hospitais de Aparelho Locomotor, Lúcia Willadino Braga.(HB)
Anvisa ;cadastra; embriões no país
Foi necessário todo o imbróglio jurídico em torno da legalização dos estudos com células-tronco embrionárias para o governo se dar conta da desorganização do setor de reprodução assistida no país. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deu o primeiro passo rumo à normatização criando, por resolução, o Sistema Nacional de Produção de Embriões, batizado de SisEmbrio. De acordo com a norma, as clínicas de fertilização in vitro têm até o dia 11 de julho para informar quantos embriões congelados existem no Brasil, em que ano foram doados e quantos acabaram doados para pesquisa.
Para o médico Roger Abdelmassih, dono de uma das maiores clínicas de reprodução assistida de São Paulo, a determinação é bem-vinda. ;Pode dar algum trabalho no início, mas enxergo a medida como salutar. Será muito importante para normatizar o setor;, afirma o médico. Atualmente, não há uma legislação específica que regule a atividade das clínicas de fertilização humana brasileiras. Em outros países, um série de normas precisam ser seguidas, inclusive no que diz respeito ao número máximo de embriões que podem ser fecundados.
As informações sobre o número de embriões congelados serão transmitidas ao banco de dados do governo por formulários eletrônicos. Abdelmassih acredita que a maior dificuldade pode estar na implantação e funcionamento dos programas de computador. Por parte das clínicas, diz o médico, não haverá dificuldades para repassar as informações.