postado em 09/06/2008 09:10
Criado há quase 120 anos para dar a interpretação definitiva aos artigos das diversas Constituições brasileiras desde a Proclamação da República, o Supremo Tribunal Federal (STF) transformou-se nos últimos meses no protagonista de uma extensa pauta de julgamentos que tratam de direitos individuais e coletivos previstos na Constituição, mas ainda não regulamentados por legislação ordinária. Depois das células-tronco, aborto de fetos anecéfalos e demarcação da reserva Rasposa-Serra do Sol, os 11 ministros do Supremo serão provocados a enfrentar, agora, uma nova polêmica: se homossexuais podem ou não ser militares.Ação em elaboração pela Associação Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transsexuais (GLBTT) pedirá a revogação do artigo 235 do Código Penal Militar, que classifica a pederastia como crime na caserna, sujeito a punições. A decisão é uma resposta à prisão do sargento Laci Araújo, na semana passada, depois que assumiu conviver há 11 anos com o também sargento Fernando Figueiredo. Embora acusado por deserção, o sargento estaria sendo vítima de preconceito, avaliam líderes do movimento homossexual no país. O questionamento do código militar na Justiça faz parte do conjunto de resoluções da conferência nacional GLBTT concluída ontem em Brasília. ;O momento é oportuno para acabarmos com o preconceito inconstitucional previsto na lei;, avisa o consultor jurídico do movimento GLBTT, Paulo Marianti.
Uma ação contestando a lei dos quartéis seria bem recebida pelo Supremo. ;É chegado o momento de rever essa orientação. É inaceitável esse tipo de punição;, disse o ministro Celso de Mello, decano da corte, antecipando mais uma polêmica a ser discutida pela Corte. Pelo código militar, é crime a pederastia ou outro ;ato de libidinagem; ; praticado em lugar sujeito à administração das Forças Armadas, em relação homossexual ou não. A pena prevista é de detenção de seis meses a um ano. O entendimento de alguns ministros consultados pelo Correio é que, se o homossexualismo não é considerado crime entre servidores civis, não pode sê-lo entre os militares. Nesse caso, no entendimento de Celso de Mello, há um choque entre o direito geral ; que proíbe e criminaliza o preconceito sexual ; previsto na Constituição e a lei específica.
Omissão
Mas há casos em que o direito está previsto, mas não há lei regulamentando, o que demonstra a omissão dos poderes públicos em cumprir sua obrigação de construir o arcabouço legal infra-constitucional. O instrumento para corrigir a falha é a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. O ministro Celso de Mello admite que há, no Supremo, um ;ativismo judicial moderado;, porque o tribunal tem sido chamado a examinar questões constitucionais em razão de lesão aos direitos dos cidadãos provocado pela omissão dos poderes públicos em regulamentar direitos constitucionais. ;O Supremo tornou-se hoje o órgão que promove a efetivação dos direitos dos cidadãos, especialmente os de caráter individual e social;, entende Celso de Mello.
Mesmo sem antecipar voto, o magistrado entende que as relações homoafetivas estáveis, por exemplo, têm que ser consideradas uma célula familiar e assim devem ser vistas para efeito de dependência legal, apesar da omissão da legislação.
A omissão dos legisladores também foi tema do discurso do presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, no 14; Congresso da Conferência de Cortes Constitucionais Européias, em Vilnius, capital da Lituânia, na quarta-feira da semana passada. ;Como a Constituição não basta em si mesma, têm os órgãos legislativos o poder e o dever de emprestar conformação à realidade social;, discursou o presidente do STF.