Um pacote de projetos que mudam o Código de Processo Penal ganhou a canetada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta segunda (09/06). As novas leis têm como principal objetivo agilizar a tramitação dos processos na Justiça, conhecida hoje pela morosidade. Nos cálculos dos parlamentares que trabalharam dentro do Congresso para a aprovação das três matérias, todas enviadas pelo Executivo em 2001, a redução de tempo chegará a 50%. Com as novas regras, o caso Isabella Nardoni, por exemplo, deverá ser julgado ainda este ano ou no primeiro semestre do ano que vem. É que uma das leis sancionadas estipula nove meses, no máximo, para o desfecho de julgamentos de homicídios.
Apesar de apontar avanços, especialistas destacam que o Judiciário só vencerá a lentidão quando o sistema receber investimentos de infra-estrutura e recursos humanos. ;Esse pacote de leis é mais uma carta de intenções que propriamente a solução para a falta de policiais, peritos, juízes;, destaca Elias Mattar Assad, presidente da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abrac). Para Guilherme Madeira, coordenador da Comissão de Projetos Legislativos do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), o Código Penal brasileiro, criado em 1941, precisa de uma reformulação geral. ;Mudanças pontuais acabam criando mais problemas de interpretação e coerência;, opina.
Madeira destaca, entretanto, que muitos dispositivos modificados ou até extintos, como o que permitia novo júri automático para réus que recebem sentença superior a 20 anos, representam um avanço nos julgamentos. Outras modificações no rito do processo penal são elogiadas por especialistas, tais como a unificação de audiências ; antes feitas em três dias separados e agora concentradas numa só sessão ;, a extinção da obrigatoriedade de ler os autos durante o julgamento e a simplificação das perguntas feitas aos jurados.
Questões técnicas aos jurados, como as 58 perguntas que quase fizeram Suzane Richtofen ser inocentada do crime de ter matado os pais em 2002, darão lugar a cinco perguntas diretas. A primeira delas indagará se o crime ocorreu; a segunda, se o réu é o autor; e a terceira, se ele deve ser absolvido ou condenado. A partir daí, caso os jurados respondam pela condenação, o questionamento será sobre as atenuantes e qualificadoras do crime. ;Pode dar margem a uma simplificação excessiva, mas, no frigir dos ovos, acredito que o formato é melhor que esse que temos hoje;, destaca Madeira.
Prazos
Uma das novas leis determina prazos rígidos para a conclusão das etapas do processo penal. Serão 90 dias do recebimento da denúncia pela Justiça até a pronúncia dos réus (fase em que o juiz decide se o caso segue para o Tribunal do Júri ou não). Desse momento em diante, o réu acusado de homicídio doloso deve ser julgado em seis meses. Os novos prazos, por se tratarem de matérias processuais, incidirão em ações que estão em andamento, desde que não tenha havido ainda decisão de pronúncia. O caso Isabella é um dos que devem seguir as novas regras, por estar em fase inicial. A Justiça paulista decidirá hoje o mérito do habeas corpus de Anna Jatobá e Alexandre Nardoni, acusados de ter matado a menina.
Relator do projeto na Câmara, o deputado Flávio Dino (PcdoB-MA) considera os prazos viáveis para a maioria das comarcas do país. Nas mais abarrotadas de processos, que não conseguirem cumprir o prazo de seis meses para a conclusão dos julgamentos, a ação poderá ser transferida. ;Uma outra comarca próxima pega o caso para julgar. Os processos de São Paulo, por exemplo, podem ir para Santo André, Diadema, sem prejuízos para as partes;, explica Dino.
O parlamentar discorda que o Congresso tenha agido apressadamente, votando em um ano e meio projetos que estavam parados desde 2001, por conta do clamor social causado com a morte do menino João Hélio Fernandes. Em fevereiro de 2007, o garoto, preso ao cinto de segurança, foi arrastado até a morte por bandidos que roubavam o carro da mãe dele. ;Não vejo erro em legislar repercutindo o debate da sociedade. O Legislativo serve para isso. Na minha avaliação, o que houve foi um exemplo de eficiência;, destaca Dino.
Ao contrário do parlamentar, o criminalista Assad tem suas dúvidas sobre a capacidade do Legislativo de cumprir os prazos estipulados pelas novas leis. ;Seria necessário quadruplicar o número de pessoas para dar essa vazão aos processos;, acredita. O advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, pensa diferente. Ele acredita que as medidas aprovadas surtirão efeito prático em um ano. ;Evidentemente que essas questões não repercutem da noite para o dia;, pondera. ;Isso vai agilizar o processo penal brasileiro. Vai dar maior racionalidade e evitar muitas daquelas chicanas que se fazia processualmente e que a lei permitia para atrasar o julgamento.;
"Esse pacote é mais uma carta de intenções que propriamente a solução para a falta de policiais, peritos, juízes"
Elias Mattar Assad, presidente da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas
As novas regras
Confira as principais mudanças no Código de Processo Penal sancionadas por Lula:
Novo júri
Como era: réus condenados a mais de 20 anos passavam por um segundo júri
A partir de agora: o julgamento é único. O advogado pode recorrer, mas não solicitar um novo julgamento
Perguntas aos jurados
Como era: os jurados tinham de responder a diversas perguntas, quase sempre muito técnicas
A partir de agora: são três perguntas básicas e duas mais específicas (sobre as atenuantes e as qualificadoras do crime)
Unificação de audiências
Como era: três audiências ; com réus, testemunhas de acusação e testemunhas de defesa
A partir de agora: todos comparecem a uma única audiência
Prazo de três meses para pronúncia (para homicídio doloso)
Como era: não havia prazo determinado
A partir de agora: após o recebimento da denúncia, a Justiça tem três meses para ouvir testemunhas e proferir a sentença de pronúncia (decidir se absolve o réu ou manda o caso para o Tribunal do Júri)
Prazo de seis meses para julgamento (para homicídio doloso)
Como era: não havia prazo determinado
A partir de agora: em casos de homicídio, é de seis meses, contados a partir da pronúncia (quando o juiz encaminha o processo ao Tribunal do Júri). Se esse prazo não puder ser cumprido, o processo é transferido para uma comarca próxima
Ausência do réu
Como era: o julgamento era adiado
A partir de agora: não existe adiamento, só em casos justificados, como doença
Leitura de peças
Como era: permitida
A partir de agora: permitida em poucos casos