Brasil

OIT entende que solução para o fim da mão-de-obra infantil é a educação

Brasil tem 5,1 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos servindo como mão-de-obra no mercado. OIT vê saída apenas na educação

postado em 12/06/2008 09:30

A resposta para a erradicação do trabalho infantil está nos bancos escolares. No dia em que o mundo se une na batalha contra a exploração da mão-de-obra de meninos e meninas, a Organização Internacional do Trabalho alerta que, sem educação de qualidade, dificilmente os 165 milhões de crianças e adolescentes que trocam livros e brinquedos pela labuta conseguirão sair dessa situação. No Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) mais recente, 5,1 milhões de brasileiros entre 5 e 17 anos estão no mercado. Entre 10 e 14 anos, são 1,7 milhão em todo o país, sendo que 53,3% trabalham até 18 horas semanais, sem remuneração.

A pesquisa também revela a íntima relação entre utilização de mão-de-obra infantil e nível de escolaridade. O percentual de crianças e adolescentes fora da escola é maior entre aqueles que trabalham. A realidade está em todos os estados do país. No topo do ranking, aparece o Acre, onde 26% de meninos e meninas entre 5 e 17 anos que trabalham estão longe das salas de aula. Já entre os que não fazem parte do mercado, o índice é de 11,4%. As diferenças mais gritantes, porém, foram registradas no Sudeste. Somente em São Paulo, enquanto 20,9% dos pequenos trabalhadores não estudam, o percentual entre os não-ocupados na mesma situação é de 4%.

;Lamentavelmente, as crianças estão sendo empurradas para o mercado de trabalho;, constata Renato Mendes, coordenador de projetos do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil da OIT no Brasil. ;Hoje, o acesso ao ensino está universalizado, mas a educação, não. As crianças passam pelo sistema educacional, mas abandonam ou saem como analfabetas funcionais;, diz. Para ele, o trabalho acaba sendo mais atrativo para os estudantes, que já não têm perspectivas em relação ao poder de transformação social da escola.

A conselheira tutelar Selma Aparecida da Costa Santos, que atua em Ceilândia, convive, no dia-a-dia, com o problema. Ela atende famílias em situações vulneráveis e conta que, além da evasão escolar, o trabalho infantil atrapalha o rendimento daqueles que continuam a estudar. Um dos casos mais emblemáticos acompanhados pela conselheira é de uma família de cinco irmãos, com idades entre 10 e 23 anos. As crianças e os jovens vendem doces e vigiam carros na cidade. ;Todos estão com escolaridade bem abaixo do esperado;, diz Selma. O de 15 freqüenta a 3; série; o de 14 a 2;, e o de 13 e a de 10 estão na 1; série. O trabalho nas ruas trouxe um problema a mais: o adolescente de 13 anos envolveu-se com drogas. ;E essa é só uma das muitas histórias;, avisa.

Desestímulo
;Uma bolsa que não chega a R$ 100 não vai ser atrativa para um menino que ganha R$ 1,5 mil no tráfico de drogas. Falta estímulo e proposta pedagógica para que crianças e adolescentes possam ter mais vontade de estudar, em vez de trabalhar;, aponta Renato Mendes. Ele se refere ao valor repassado pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, o Peti.

Criada no governo Fernando Henrique Cardoso e integrada ao Bolsa Família em 2005, a ação tem como objetivo retirar as crianças das ruas em troca de um auxílio no valor de R$ 50, mais R$ 15 por beneficiário para famílias com renda per capita de até R$ 120 mensais. No campo, o repasse por criança é de até R$ 40. O programa exige a contrapartida de 85% de freqüência na escola e nas Ações Socioeducativas e de Convivência, a chamada jornada ampliada. No horário contrário ao das aulas, os beneficiários devem participar de atividades culturais, esportivas e educacionais.

Atualmente, 872.207 mil crianças e adolescentes de até 16 anos incompletos são atendidos pelo Peti. No Distrito Federal, há 2.511 cadastrados, pertencentes a 1.236 famílias. Além da bolsa, que representou um repasse de R$ 17,4 milhões em maio, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) paga R$ 20 por beneficiário aos municípios para a jornada ampliada.

O problema, aponta a conselheira tutelar Selma Aparecida da Costa Santos, é que o programa não funciona, na prática, como deveria. ;O Peti, por si, é bom, mas não é efetivo. Faltam profissionais e atividades atraentes, como cursos de capacitação para inserir os adolescentes no mercado de trabalho.; Ela conta que os adolescentes acabam desistindo. ;Eles dizem que chegam (na jornada ampliada), ficam sentados o dia inteiro e não fazem nada. De vez em quando, assistem a uma palestra ou jogam pebolim;, relata.

Morador de Ceilândia, Paulo *, 16 anos, passou cinco meses pela experiência. Não aprovou. ;A gente ficava numa sala, fazendo o dever de casa da escola. Não tinha mais nada, era só isso;, conta. O jovem preferiu voltar para a frente de um supermercado onde, desde os 10 anos, vigia carros. Foi nas ruas que Paulo começou a usar drogas. Hoje, todo dinheiro que entra é para pagar aos traficantes que, no mês passado, quase o mataram por uma dívida de R$ 400. Embora continue na escola ; ele faz a 5; série numa turma de aceleração ;, Paulo não acredita no futuro. ;Do jeito que estou, não tenho futuro nenhum;, reconhece. Até a mãe, dona de uma oficina de lanternagem, perdeu as esperanças. ;Ele não tem jeito, já desisti há muito tempo;, diz.

"As crianças estão sendo empurradas para o mercado de trabalho"
Renato Mendes, coordenador de projetos do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil da OIT

* Nome fictício em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)


Nova lista da exploração
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinará nesta quinta (12/06) um decreto ampliando de 81 para 113 a lista das piores formas de trabalho infantil. O documento é fruto de um trabalho técnico elaborado pela Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaet) e é aguardado com ansiedade pela sociedade civil. Além de tipificar as atividades mais insalubres para crianças e adolescentes, como a exploração sexual, o narcotráfico e o trabalho em plantações, o decreto vai permitir que outros órgãos, além do Ministério do Trabalho e Emprego, atuem no combate à mão-de-obra infantil.

;Será um avanço muito significativo para o país;, diz Renato Mendes, coordenador de projetos do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil. A lista das piores formas vai orientar gestores e fiscais a partir do momento em que explica o motivo pelo qual determinada atividade representa riscos às crianças.

A coleta de lixo, por exemplo, comum nos centros urbanos do país, pode ter como conseqüência à saúde desde afecções músculo-esqueléticas a dermatites de contato e disfunções olfativas. Já o trabalho infantil doméstico, além de expor a criança a situações de risco como cortes e queimaduras pode trazer outras seqüelas mais graves: de abuso psicológico à exploração sexual.

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